O governador Wilson Witzel (PSC-RJ) recebeu, no ano em que foi eleito, R$ 284 mil do escritório de advocacia de Lucas Tristão, seu atual secretário de Desenvolvimento Econômico. Esse pagamento consta na declaração de Imposto de Renda do governador, em análise pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no âmbito da Operação Placebo. A banca do secretário recebeu no mesmo período R$ 225 mil de firmas do empresário Mário Peixoto, segundo a investigação.
O dinheiro repassado a Witzel pelo escritório de Tristão, à época coordenador de sua campanha eleitoral, foi uma das justificativas usadas pelo então candidato para explicar como doou R$ 215 mil de recursos próprios para sua campanha mesmo tendo declarado à Justiça Eleitoral não ter dinheiro em conta. O valor doado correspondia a mais da metade do patrimônio declarado, de R$ 400 mil, composto apenas por uma casa até hoje não vendida.
Quando questionado sobre a origem dos recursos, sua assessoria respondeu que "Witzel presta consultoria jurídica e recebeu, além de honorários, luvas (pagamento pela entrada numa sociedade) para ingressar em dois escritórios de advocacia, um no Rio de Janeiro e outro no Espírito Santo".
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo durante a campanha, Witzel afirmou que um dos escritórios a que se associou era o de Tristão. Ele inclusive disse que auxiliou o advogado na análise da defesa da Atrio Rio, uma das empresas da família de Peixoto, numa ação contra a Secretaria de Educação do estado.
— Ele (Tristão) me apresentou a petição para que eu analisasse, se estava adequada. Entendi que estava e que haveria possibilidade de sucesso — afirmou Witzel na ocasião.
Em entrevista à CNN Brasil na última quarta-feira (27), Witzel negou que tenha sido sócio de Tristão.
— Nunca fui sócio do Lucas Tristão. O único escritório em que fui sócio foi do Medina Osório ex-ministro da AGU (Advocacia-Geral da União). Agora, o Lucas foi meu aluno. Em várias oportunidades ele vinha conversar comigo sobre processos que não estavam na minha jurisdição — disse Witzel.
Os registros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Espírito Santo mostram que o escritório de Tristão não teve mudança societária durante a campanha. O relacionamento entre Tristão e Peixoto também foi evidenciado por interceptação telefônica feita pela Polícia Federal com autorização judicial. O filho de Mário, Vinicius Peixoto, contou para sua mãe que o secretário furou a quarentena em abril deste ano para visitar o empresário em casa.
Witzel foi alvo da Operação Placebo, que apura suspeitas sobre o contrato para a construção de um hospital de campanha contra o coronavírus e sobre a relação de Witzel e seu entorno com um empresário investigado desde a gestão Sérgio Cabral (MDB). Uma das investigadas é a primeira-dama, a advogada Helena Witzel, que firmou contrato com a DPAD Serviços Diagnósticos. A empresa é ligada, segundo a Procuradoria, ao empresário Mário Peixoto, preso na Operação Favorito, deflagrada há duas semanas.
O contrato previa o pagamento de 36 parcelas mensais de R$ 15 mil por serviços advocatícios. Os pagamentos começaram em agosto de 2019, segundo comprovantes obtidos pela investigação. Há a suspeita de que o repasse seja uma propina paga ao governador, por meio de um contrato fraudulento.
Witzel disse que o valor foi "fruto de trabalho jurídico, muito antes de ser governador". "O valor foi recebido e devidamente declarado no Imposto de Renda, sendo fruto de trabalho jurídico, muito antes de ser governador", disse Witzel, em nota. Ele não explicou, porém, porque declarou durante a eleição ser sócio de Tristão e ter usado a entrada no escritório como justificativa para a doação de recursos próprios para sua campanha.
"O valor doado por Wilson Witzel à sua própria campanha é fruto de honorários que ele recebeu como advogado e a doação está dentro do previsto na legislação eleitoral. As contas da campanha foram aprovadas por unanimidade no TRE-RJ. Wilson Witzel nunca foi sócio de Lucas Tristão e jamais advogou para empresas de Mário Peixoto", diz a nota do governador.
O secretário de Desenvolvimento Econômico não comentou o caso. O advogado Alexandre Lopes, que defende Peixoto, disse que não existe relação ilícita entre o empresário e o governador.
— Qualquer acusação neste sentido é absolutamente descabida e irreal. Questões políticas não se misturam com questões jurídicas. Investigações policiais devem ter como norte a imparcialidade. Nenhuma empresa vinculada a Mário Peixoto contratou com o governo do Estado, na área de saúde, durante a epidemia de covid-19 — disse o advogado.