Conhecido por proferir discursos dramáticos, carregados de interpretação e gesticulação que tornaram-se marcas na política, Pedro Simon coleciona falas memoráveis em diferentes momentos históricos do Rio Grande do Sul e do Brasil. Avaliado por pessoas próximas como "o homem que não fala só com a boca, mas com o corpo", Simon completa 90 anos nesta sexta-feira (31). Veja abaixo cinco discursos históricos do líder do MDB gaúcho, que atualmente vive em Rainha do Mar, no Litoral Norte. Ao final, confira uma galeria de fotos.
No velório de Jango (1976)
Um dos cenários onde expôs sua capacidade de oratória foi durante o velório do ex-presidente João Goulart, o Jango, derrubado pelo golpe militar de 1964, que morreu no exílio e foi sepultado em São Borja. Então deputado estadual, Simon fez discurso inflamado para cerca de 50 mil pessoas, em dezembro de 1976, durante o regime.
À beira do túmulo, relembrou a trajetória de Jango e encerrou com apelo à paz, à liberdade e à justiça para toda a nação:
–Precisamos de liberdade para que todos possamos viver em nosso país um clima de concórdia e compreensão.
De acordo com o livro A Fascinante História de Pedro Simon, de José Bacchieri Duarte, Simon proferiu 1,9 mil discursos durante os 16 anos em que foi deputado estadual, na Assembleia.
A habilidade rendeu elogios de um dos maiores nomes da história do MDB no país, Ulysses Guimarães, conforme relato do livro de Bacchieri:
– Há bons oradores, populares ou parlamentares. Simultaneamente, bom no palanque e bom na tribuna, no Brasil só conheço um: Pedro Simon. Fala com a goela, com os olhos, com as mãos, com o tórax convulso, baila com as pernas. Campeão da tribuna e do microfone. Simon é fundista verbal. Discursa até uma, duas três horas.
Posse no Palácio Piratini (1987)
Um dos momentos memoráveis na carreira política de Simon foi a posse como governador, em 15 de março de 1987. Naquela década, já se falava em crise no Estado, e o recém-eleito aproveitava para falar sobre a importância do surgimento de novas tecnologias:
– Minhas senhoras e meus senhores, a história não vai esperar por nós: ou a fazemos, ou a perdemos. Queremos dizer com isso que não podemos perder de vista os benefícios que a revolução tecnológica vem pondo à disposição dos povos.
Parlamentares de oposição também ganharam menção no discurso:
– Saúdo a oposição — quanto tempo fui? — e a recebo com carinho e com afeto. Um país pode ter governo e não ser uma democracia e não preocupar-se com o seu povo. Um país que não tem oposição é porque não é democracia, e pobre do seu povo! (...) Os secretários que compõem nosso governo e eu sempre estaremos à disposição da nossa gente. E as portas da Casa aqui ao lado estarão sempre abertas para a crítica e para o diálogo, para a proposta e para a sugestão, porque sei que as nossas diferenças e as nossas divergências são bem menos expressivas do que o nosso amor pelo Rio Grande e pelo Brasil.
O tom de conciliação em torno do Estado foi outra marca daquela fala:
– O Rio Grande, pelas suas tradições, pelo conceito de que disputa perante toda a nação, pelos valores que a sua gente hierarquizou ao longo de sua gloriosa História, pelo espírito empreendedor de sua gente, pela sua excepcional mão de obra, pela riqueza de sua terra, pelo caráter que singulariza a sua sociedade, o Rio Grande, gaúchos, brasileiros, é muito maior do que sua crise atual. Por isso mesmo, ela haverá de ser superada, passando a se constituir numa triste virada da página da história do nosso Estado. O Rio Grande não terminou; está renascendo para um novo dia. Sim, gaúchas e gaúchos, vamos adiante, vamos nos dar as mãos, porque o Rio Grande é muito maior do que a crise que aí está. Muito obrigado.
Dois discursos, duas quedas de ministros (1998/1999)
O desempenho de Pedro Simon diante do microfone no Senado também refletiu em duas demissões de ministros do governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso.
O primeiro a cair foi o ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, que administrou, em três anos, a privatização de 45 empresas públicas, cujo patrimônio foi avaliado em 60 bilhões de dólares, segundo arquivos da FGV.
Seu prestígio foi derrubado após a divulgação de fitas gravadas a partir de escuta clandestina instalada na linha telefônica da presidência do BNDES. O grampo continha diálogos de Barros com André Lara Resende, então presidente do banco estatal, sobre o processo de privatização de telefônicas. O conteúdo apontou suspeitas de que os dois teriam tentado beneficiar Pérsio Arida, amigo de ambos, que participara de consórcios para a aquisição de empresas de telefonia. Mendonça de Barros foi indiciado pelo Ministério Público Federal sob a acusação de improbidade administrativa. No dia 19 de novembro de 1998, em discurso inflamado no Senado, Simon exaltou:
– Eu lhe digo do fundo do coração: eu, se fosse V. Exª, renunciava. Se eu fosse V. Exª praticava um gesto de grandeza, ajudava o presidente da República - e V. Exª quer ajudar -, que não vai exonerá-lo, e não pode fazê-lo porque daria a entender que tem algo de grave contra V. Exª. Sua Excelência não tem, eu não tenho, mas diante do fato político, diante disso que está se armando, e não vai parar... Assinei a CPI porque assino todas, mas sou contra. Não é de rir, é que vim da ditadura, vim de um regime em que não se criava uma CPI, e me habituei a assinar. É uma CPI? É. Então, assino, para dar o direito à minoria se defender – apelou Simon para Barros.
A sugestão do gaúcho foi endossada por outros senadores da base do governo, e Barros, dias depois, demitiu-se do Ministério das Comunicações.
No ano seguinte, o alvo foi Clóvis Carvalho, chefe da Casa Civil de FHC de 1995 até 1999. Mantido na posição no primeiro ano do segundo mandato do presidente tucano, Carvalho virou notícia após ser acusado de usar aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para viagens particulares de lazer, especialmente com destino a Fernando de Noronha. Em julho do mesmo ano, deixou a Casa Civil e assumiu o Ministério do Desenvolvimento.
Em setembro, entrou em desentendimento com o então ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o criticou publicamente, em meio ao lançamento de um plano de desenvolvimento pelo governo. No dia 3 de setembro daquele mês, Simon marcou forte posição na tribuna do Senado:
– Atendi dez telefonemas desde às 5h45min de pessoas que estão querendo saber a minha opinião sobre quem tinha razão, o Clóvis ou o Malan. Ninguém se lembra mais do Plano, ninguém tocou em uma palavra sobre o Plano de Desenvolvimento(...) Esse debate é normal. Conheço duas unanimidades no governo Fernando Henrique: uma que o presidente é um homem sério. Pode-se divergir do presidente, pode-se até questionar o processo de privatizações, mas nunca ouvi alguém dizer que tenha alguma coisa a ver com o presidente. Ele é um homem de bem. A outra unanimidade é que ninguém gosta do tal Dr. Clóvis. Havia uma unanimidade no sentido de que ele estava no lugar errado e que o presidente Fernando Henrique não deveria tê-lo colocado na chefia da Casa Civil (...) Mas um ministro chamar o outro de covarde?! Isso não é criticar; é ofender, humilhar. Se Malan é covarde, como o Fernando Henrique tem no seu governo um covarde? Ou o Sr. Clóvis é um irresponsável? Se é assim, como o senhor Fernando Henrique mantém no seu governo um irresponsável? (...) Ou o presidente da República tem autoridade ou não tem. Não pode, de repente, em meio a um plano como esse, em um momento como esse, cair no ridículo por causa de um tal de Clóvis. Não pode! O governo ou toma uma posição, ou cai no ridículo junto com o Sr. Clóvis. Ele que tome uma posição. (...) Eu demitiria o Sr. Clóvis e aproveitaria a oportunidade, já que ele deu a chance, de escolher um nome da confiança nacional, um nome que quisesse o desenvolvimento, se for o caso. Um homem que tivesse credibilidade, que tivesse a confiança e que satisfizesse a nação. Seria uma grande oportunidade. Quer demitir os dois? Que o faça! (...) Governo não é para ser casa de amigos; é casa dos mais competentes. O Sr. Clóvis está ali somente porque é amigo! E não é um amigo de quem todo mundo gostava, de quem se dissesse: "Não, é um amigo, mas é um cara bom." Não. É um amigo, que era amigo, de quem todo mundo dizia: "Mas que cara! Como é que esse cara está lá?" Daqui, dou minha solidariedade ao presidente. Ele foi traído, ele não merecia o que recebeu por parte do Sr. Clóvis Carvalho – afirmou Simon.
Dias depois, em 8 de setembro, Carvalho foi afastado da pasta do Desenvolvimento e deixou o governo FHC.
O adeus no Senado (2014)
Pedro Simon foi senador, representando o Rio Grande do Sul, de 1979 a 1987, e de 1991 a 2015. O adeus na tribuna do Congresso ocorreu em 10 de dezembro de 2014, em sessão presidida por Paulo Paim (PT) e que também teve Ana Amélia Lemos (PP) na Mesa Diretora.
– Meus amigos de toda uma vida na política, na Casa, meus amigos parlamentares, senhoras e senhores, hoje vou deixar que a emoção sopre palavras no meu ouvido. Não há razão para tristeza quando o coração tem a sensação do dever cumprido. Se brotarem lágrimas, que elas irriguem o que de melhor pude plantar, enquanto aqui estive, nas comissões, nos corredores, no plenário, por este Congresso! Ainda que eu tenha cultivado a humildade de reconhecer que fiz menos do que poderia e muito menos do que eu desejei fazer, aqui não só plantei, eu colhi – disse Simon na abertura da fala. E seguiu:
– Onde vi o ódio, lutei para levar o amor; onde vi a ofensa, lutei para levar o perdão; onde vi a discórdia, lutei para levar a união; onde vi dúvida, lutei para levar a fé; onde vi o erro, lutei para levar a verdade; onde vi desespero, lutei para levar a esperança; onde vi tristeza, lutei para levar alegria; onde vi trevas, lutei para levar a luz; onde vi repressão, lutei para levar a liberdade; onde vi tirania, lutei para levar a democracia; onde vi corrupção, lutei para levar a ética; onde vi impunidade, lutei para levar a justiça.
Ao todo, o emedebista acumulou três décadas no Senado e agradeceu aos colegas pela convivência:
– Foram 32 anos só nesta Casa, ao longo dos meus 60 anos de vida total na política. Mais de três décadas. A minha vontade é de dirigir-me a cada um dos companheiros que aqui tive, para abraçá-los e agradecer-lhes a dádiva da convivência. Bem-aventurados sejam todos! Lembro-me de alguns, em homenagem a todos. A bênção, Teotônio Vilela, Tancredo Neves, Ramez Tebet, Mário Covas, Franco Montoro, Jefferson Peres, Itamar Franco. A bênção, Alberto Pasqualini, meu grande mestre e inspirador maior da minha trajetória na política e na vida social. A bênção, Ulysses Guimarães, maestro da cidadania da nossa Constituição, que não foi senador, mas teve o dom de ocupar todas as nossas mesas e cadeiras, os nossos corações e as nossas mentes.