Brasília acordou nesta quarta-feira (26) na iminência de uma crise institucional após o presidente Jair Bolsonaro compartilhar, via WhatsApp, um vídeo que convoca a população a ir às ruas dia 15 de março. O ato tem pautas antidemocráticas como o fechamento do Congresso. As reações foram imediatas, partindo de parlamentares, entidades, partidos e do Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto a oposição atacava, emissários do Planalto tentaram minimizar a polêmica. O próprio presidente recuou, repetindo uma estratégia usada quando alguma declaração sua sofre forte reação. Além disso, fez críticas à imprensa.
A resposta mais dura foi do ministro Celso de Mello, decano do STF, para quem Bolsonaro “não está à altura do cargo”. Em nota, o magistrado disse que a atitude revela “a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, ignora o sentido fundamental da separação de Poderes, demonstra visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático!!!”.
A mensagem de Bolsonaro foi enviada na noite de terça-feira a amigos, ministros e aliados. Com 1min40s, o vídeo tem o Hino de trilha sonora e tom ufanista messiânico. Mostra imagens do atentado na campanha de 2018, da recuperação no hospital e da posse para conclamar participação no dia 15. “Vamos mostrar que apoiamos Bolsonaro e rejeitamos os inimigos do Brasil” diz o texto.
Embora o vídeo não tenha mensagens explícitas contra o Congresso, os alvos são os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Eles entraram na alça de mira semana passada, quando o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, chamou deputados e senadores de chantagistas. Ele reclamava de uma disputa sobre emendas parlamentares.
Distanciamento
Maia reagiu chamando o ministro de radical ideológico, e Alcolumbre cogitou convocá-lo a dar explicações ao Senado. Em solidariedade a Heleno, movimentos de apoio ao presidente convocaram atos de repúdio ao Congresso. As mensagens nas redes sociais ridicularizando Maia e Alcolumbre e defendendo o fechamento do parlamento já estavam incomodando partidos e líderes políticos, mas o tumulto ganhou proporção inaudita com a chancela presidencial. Maia pediu respeito às instituições em mensagem em rede social.
Farejando dificuldades para o governo, o responsável pela articulação política, o ministro da Secretaria-Geral, general Luiz Eduardo Ramos, tratou de esfriar os ânimos. Sustentou que “em nenhum momento” o presidente pensou em atacar instituições:
— O presidente não fez o vídeo. E o vídeo não ataca o Congresso em nenhum momento. As cenas são emotivas, mostram o presidente levando a facada, defende o governo. Ele ficou emocionado e compartilhou com amigos, em um grupo reservado e restrito.
No Planalto, Bolsonaro determinou que os ministros não incentivem as manifestações. Ele repetiu que apenas compartilhou o vídeo, sem endosso aos protestos. Precavido, orientou os auxiliares a não comparecer aos atos. Vários parlamentares aliados, porém, pretendem sair às ruas para gritar contra o Congresso e o STF.
— Não aguento mais gente no STF, nos poderes da República, se arvorando como democratas mas agindo contra o país. Vou protestar contra os problemas do país, contra um Legislativo que quer executar o orçamento – disse a GaúchaZH o deputado General Girão (PSL-RN).
Outro deputado que confirmou presença nos atos foi Ubiratan Sanderson (PSL-RS), para quem a atitude de Bolsonaro não visou atingir Maia e Alcolumbre, tampouco feriu princípios democráticos:
— Todos que conhecem Bolsonaro sabem que ele apoia a ideia de que a população precisa cobrar não só o Congresso, mas também o Executivo. Vou estar na rua, porque será manifestação voluntária.
Não será a primeira mobilização pró-governo. Em maio do ano passado, atos foram realizados em todo o país. Houve manifestações em 156 cidades, incluindo Porto Alegre.