
Sob pressão em um ambiente político ainda mais radicalizado, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, deve dar nesta quinta-feira (7) o voto decisivo no julgamento das ações sobre a constitucionalidade da prisão de condenados em segunda instância.
A retomada da discussão judicial mais esperada do ano — marcada para quinta-feira (7) e que também pode afetar o destino do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva — acontece num momento de instabilidade. Toffoli tem sido cobrado por uma ala da Corte a dar uma resposta institucional enfática aos recentes ataques ao STF.
A publicação de um vídeo numa rede social do presidente Jair Bolsonaro no qual ele é retratado como um leão cercado por hienas, entre elas uma que representa o Supremo, deflagrou insatisfação de parte de seus pares diante da ausência de uma resposta oficial. Coube ao decano Celso de Mello sair em defesa do STF. Após ser procurado pela Folha, o ministro disse que "o atrevimento presidencial parece não encontrar limites na compostura que um chefe de Estado deve demonstrar no exercício de suas altas funções".
Nos dias seguintes ao do vídeo, que acabou apagado por Bolsonaro, novas polêmicas resvalaram no Supremo. Bolsonaro teve o nome citado por um porteiro na investigação sobre a morte de Marielle Franco (PSOL). Além disso, um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) falou na possibilidade de um "novo AI-5" no caso de radicalização da esquerda — referência ao marco do período mais duro da ditadura militar. Novamente, o presidente do STF não se pronunciou.
Nos bastidores, Toffoli justifica seu silêncio. A pessoas próximas, o presidente tem dito que a Corte tem de se preservar e que, à frente da mais alta instância do Poder Judiciário, ele não pode virar comentarista de Twitter, numa referência às publicações e declarações mais polêmicas do clã Bolsonaro.
Na quarta-feira (31), após sair de um evento em São Paulo, Toffoli enfrentou um protesto com cerca de 15 pessoas favoráveis à prisão após condenação em segunda instância. Vestidos de verde e amarelo, os manifestantes cercaram o carro do presidente do Supremo, chegaram a bater na lataria e estenderam uma faixa com os dizeres "hienas do STF".
O pano de fundo do pequeno ato é o apoio à Operação Lava-Lato e ao ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, ambos sob escrutínio do Supremo. Em conversas reservadas, Toffoli minimizou o protesto.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estima que uma alteração na jurisprudência atual poderia beneficiar até 4.895 réus que tiveram a prisão decretada após serem condenados em segundo grau. O ex-presidente Lula, preso em Curitiba desde abril de 2018 pelo caso do triplex de Guarujá (SP), é um dos que podem se beneficiar com uma eventual mudança de entendimento.
Diante de um provável veto do STF à prisão de condenados em segundo grau, o presidente do tribunal tem feito movimentos políticos para construir um ambiente menos hostil a uma decisão nesse sentido. Na última segunda (28), mesmo dia em que foi veiculado o filme das hienas, ele enviou aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), uma sugestão para alterar o Código Penal e evitar que processos penais prescrevam quando um réu recorrer às instâncias superiores.
Pela ideia de Toffoli, recebida por Maia com entusiasmo, os prazos de prescrição deverão parar de correr quando um condenado apresentar recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que é considerado uma terceira instância, e ao Supremo.
Também na segunda-feira Toffoli indicou que vai pautar, logo após as ações sobre prisão em segunda instância, a análise de um recurso que definirá se condenados pelo Tribunal do Júri podem recorrer em liberdade ou já devem ser presos após o veredito. O Tribunal do Júri julga crimes dolosos contra a vida, como homicídios, e atualmente alguns condenados conseguem recorrer em liberdade.
A intenção de Toffoli é dar uma resposta às críticas de parte da opinião pública que teme que homicidas demorem a ser presos e, ao mesmo tempo, acenar ao grupo que defende a prisão em segunda instância, que deve sair vencido. O relator do recurso que discute o júri é Luís Roberto Barroso.
O placar parcial do julgamento que será retomado está em 4 a 3 votos a favor da execução antecipada da pena. Votaram favoravelmente os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Contra, posicionaram-se os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.
Entre os 4 ministros que faltam votar, 3 têm sido contra a prisão logo após condenação em segunda instância, que é permitida pelo STF desde 2016. São eles: Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Com isso, a tendência é de a corte ter maioria (6 votos) para mudar a jurisprudência vigente.
Na avaliação de advogados e de membros do próprio STF, com os gestos da última semana, Toffoli indicou estar disposto a votar pela necessidade esperar o trânsito em julgado (o fim dos recursos dos tribunais superiores) para que um condenado cumpra a pena. Publicamente, o ministro tem dito que ainda não decidiu como vai votar — deixando no ar a possibilidade de manter a proposta que fez em 2016.
Na ocasião, o ministro buscou uma saída intermediária. Permitiu a prisão após julgamento do recurso no STJ — opção que, em tese, não beneficiaria Lula. Seria um caminho do meio entre os que defendem a prisão em segunda instância e os que vão pelo trânsito em julgado.
Atualmente, contudo, a avaliação de observadores é de que esse entendimento intermediário só geraria mais divergências no plenário. Embora a segunda instância seja uma das principais bandeiras da Lava-Jato, a operação está enfraquecida com a divulgação das mensagens de Telegram pelo site The Intercept Brasil e por outros veículos, incluindo a Folha de S.Paulo.
A atuação de Toffoli deve continuar em destaque no restante do mês. No dia 21 está previsto o julgamento de um recurso que paralisou todas as investigações do país que usaram dados de órgãos de controle — como a Unidade de Inteligência Financeira, antigo Coaf — sem autorização judicial. A paralisação das apurações foi determinada pelo ministro em julho, atendendo a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que era investigado pelo Ministério Público.
Prisão após 2ª instância
O que está em discussão?
A constitucionalidade da prisão de condenados antes de esgotados os recursos nos tribunais superiores
Como é hoje?
Desde 2016, a jurisprudência do STF autoriza a execução da pena após segunda instância, antes do chamado trânsito em julgado. No atual julgamento, quatro ministros foram a favor de manter esse entendimento e três votaram por revertê-lo. Ainda faltam os votos de quatro ministros
Que impacto a mudança teria?
O CNJ estima que ela poderia beneficiar até 4.895 réus. Lula pode ser um deles