Ex-procurador-geral da República no governo Lula, Cláudio Fonteles criticou o atual chefe do Ministério Público Federal (MPF), Rodrigo Janot, sobre a concessão de benefícios aos delatores da JBS. Na sua avaliação, antes mesmo das novas revelações que recaíram sobre o acordo, os empresários deveriam ter sido presos.
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Confira os principais trechos da entrevista que Fonteles concedeu ao programa Gaúcha Atualidade, apresentado pelas jornalistas Andressa Xavier e Carolina Bahia e produzido por Tiago Boff, na manhã desta quinta-feira (7):
Como o senhor avalia a decisão de Janot de encaminhar uma série de ações em seus últimos dias de mandato?
Não faria esse método de acumular tudo para o final de um mandato. Acho que poderia ser feito à pari passu, devagar, tranquilamente. Esse afogadilho não é bom, mas cada um tem seu método de agir. O importante é que o MP mantém sua postura de independência diante dos demais Poderes.
O acúmulo de denúncias pode atrapalhar o andamento dos processos?
Como procurador-geral, você deve adotar uma linha de trabalho de ensinamento à sociedade brasileira, e não apresentar o fato pelo fato e permanecer restrito ao fato, produzindo fatos. Aí, acho que há uma falha de Rodrigo. É preciso demonstrar à sociedade que as denúncias refletem algo mais importante que deve ser promovido para o debate nacional – a falência do sistema político brasileiro. Seria útil que o procurador-geral dissesse: "Fiz essa denúncia contra essa pessoa por causa desse fato, mas, por trás disso, está a falência do sistema político". Apresenta o fato, mas traz uma ilação maior e coloca a reflexão dentro de um sistema e uma realidade maior. A postura do procurador-geral também é essa.
Os últimos fatos envolvendo a delação da JBS podem manchar o fim do mandato de Janot?
(Os fatos) mostram que faltou um pouco de coordenação, à medida que uma pessoa de sua equipe abandonou o barco. Isso não é bom. Significa que aquele que coordenou não percebeu uma angústia ou desesperança de alguém comandado. O ideal seria que a equipe permanecesse unida e não houvesse esse tipo de fissura.
Na sua avaliação, as regras sobre a saída de procuradores do setor público para o privado, como aconteceu com o ex-procurador Marcello Miller, são claras?
Sim. Não acho que precise regras mais claras. Sou favorável à quarentena, salvo o magistério, porque deixar um cargo público de grande relevância e responsabilidade e, no dia seguinte, estar dentro do sistema judicial, mas do outro lado, trabalhando para a advocacia privada... Não é bom.
A reviravolta na delação da JBS pode contaminar tudo que foi feito na Lava-Jato até agora?
De jeito algum. Há um instituto fundamental, que temos de defender a todo custo, insere-se dentro da busca da verdade real. Esse instituto chama-se delação premiada. Nunca deve desaparecer do nosso ordenamento jurídico, mas temos de ter cautela. Não se pode condenar alguém exclusivamente com base em uma delação apresentada por um corréu, mas a prova colhida dentro de uma delação torna-se válida e justifica uma condenação. Por si só, a delação é insuficiente. É necessário que a acusação promova um conjunto probatório.
Qual a expectativa sobre a nova procuradora-geral, Raquel Dodge?
É séria e competente. Faço um senão sobre a forma como aconteceu sua escolha. Não foi adequado seu contato com o presidente Michel Temer, à noite, fora de agenda. Lembro que, quando fui convidado por Márcio Thomaz Bastos, em nome do presidente Lula, para ser o procurador-geral entre 2003 e 2005, perguntei em que local marcaríamos a reunião. Foi no Palácio da Alvorada, pela manhã, à luz do dia e, na saída, dei declarações à imprensa. Isso tem de ser bem às claras. Também não é adequada a postura do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que foi o fator preponderante e decisivo.
Raquel Dodge assume sob suspeita?
Não. A sua trajetória no MPF é de seriedade e competência. Foi infeliz nesses dois momentos, nesses passos iniciais, mas poderá se corrigir tranquilamente.
Na quarta-feira (6), o ministro do STF Luiz Fux defendeu a prisão dos delatores da JBS. Será esse o caminho?
Sem dúvida. Se o acordo for desfeito, é o caminho. Aí, também houve uma falha. Por mais graves que fossem os fatos apresentados, e justamente porque eram gravíssimos, a proposta de acordo não poderia ser de absoluto favorecimento a esses personagens. O procurador-geral deveria ter posto na mesa que eles seriam presos e discutido o tempo de prisão que cumpririam. Não podem apresentar esses dados, gozar de ampla liberdade e deixar o país. Tem de ressarcir fortemente o dano causado e cumprir pena.
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