Em discurso agressivo contra o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o presidente Michel Temer fez nesta terça-feira (27) sua primeira manifestação pública na tentativa de rebater a denúncia de que praticou o crime de corrupção passiva, no episódio da mala de R$ 500 mil da JBS. Ao longo de sua fala, Temer tentou desqualificar a denúncia, classificada por ele como "peça de ficção".
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Confira a seguir os principais pontos da linha de defesa de Temer, e os argumentos contrários a eles:
1 - AUSÊNCIA DE PROVAS
"São denúncias frágeis e precárias. Fui denunciado por corrupção passiva, a esta altura da vida, sem jamais ter recebido valores, nunca vi dinheiro e não participei de acertos para cometer ilícitos. Afinal, isso é o que vale, onde estão as provas concretas de recebimento destes valores? Inexistem. (...) Reinventaram o código penal e incluíram uma nova categoria: a denúncia por ilação. Se alguém cometeu um crime e eu o conheço, ou quem sabe se tirei uma fotografia ao lado de alguém, logo sou também criminoso. Abriu-se um precedente perigosíssimo em nosso Direito. Esse tipo de trabalho trôpego permite as mais variadas conclusões sobre pessoas de bem e honestas." (...) "Querem parar o país, parar o Congresso, com denúncias frágeis e precárias. É preciso ter provas robustas e comprovadas. A denúncia não pode vir por ilação."
- Os argumentos contrários
Na denúncia encaminhada ao STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) diz que, "entre os meses de março a abril de 2017, com vontade livre e consciente, o presidente da República Michel Miguel Temer Lulia, valendo-se de sua condição de chefe do Poder Executivo e liderança política nacional, recebeu para si, em unidade de desígnios e por intermédio de Rodrigo Santos da Rocha Loures, vantagem indevida de R$ 500.000,00 ofertada por Joesley Mendonça Batista" e que o "pagamento foi realizado pelo executivo da J&F Ricardo Saud".
Para chegar a essa conclusão, a PGR cita a conversa entre Temer e Joesley, em 7 de março, no Palácio do Jaburu, à noite e sem registros oficiais, na qual o presidente indica seu então assessor, Loures, para tratar de questões trazidas pelo empresário, como um contrato de sua empresa com a Petrobras e em litígio no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Após esse encontro, Loures fez contato com dirigentes do Cade para tratar do tema e deu retorno a Saud com esclarecimentos sobre o pleito. Em 13 de abril, a Petrobras ajustou o preço no contrato da J&F.
Em 28 de abril, Loures foi filmado saindo de um encontro com Saud em um pizzaria de São Paulo levando uma mala com R$ 500 mil. Em depoimento, Joesley disse que ficou acertado com Temer que 5% dos ganhos que a empresa obtivesse na revisão do contrato com a Petrobras seriam pagos a ele. A PGR diz que "além do efetivo recebimento do montante espúrio mencionado, Michel Temer e Rodrigo Loures, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, com vontade livre e consciente, ainda aceitaram a promessa de vantagem indevida no montante de R$ 38 milhões".
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2 - DELAÇÃO BENEVOLENTE
"Marcelo Miller, homem de mais estrita confiança do senhor procurador-geral. Eu, que sou da área jurídica, digo a vocês que o sonho de todo acadêmico de Direito, de todo advogado, era prestar concurso para ser procurador da República. Pois esse senhor que acabei de mencionar, e lamento ter de fazê-lo, deixa o emprego, que como disse é o sonho de milhares de acadêmicos e advogados, abandona o Ministério Público para trabalhar em empresa que faz delação premiada ao procurador-geral. Vocês sabem que quem deixa a Procuradoria tem uma quarentena, se não me engano de dois ou três meses. Não houve quarentena nenhuma. O cidadão saiu e já foi trabalhar, depois de procurar a empresa para propor serviços. E ganhou na verdade milhões em poucos meses, o que talvez levaria décadas para poupar. Garantiu ao seu novo patrão, o novo patrão não é mais o procurador-geral, é a empresa que o contratou, um acordo benevolente, uma delação que tira seu patrão das garras da Justiça, que gera uma impunidade nunca antes vista. Basta verificar o que aconteceu nestes últimos dois ou três anos para saber que ninguém saiu com tanta impunidade. E tudo, meus amigos, ratificado, tudo assegurado pelo procurador-geral."
- Os argumentos contrários
A delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, além de executivos do grupo J&F, já foi alvo de discussão até mesmo no Supremo Tribunal Federal. Na semana passada, os ministros formaram maioria no sentido de que a homologação feita pelo ministro Edson Fachin foi legal e que o acordo feito pela Procuradoria-Geral da República observou os procedimentos usuais. Abriu-se um debate sobre a extensão dos benefícios concedidos, se poderiam ser revistos e em qual momento isso poderia ocorrer, sem conclusão ainda.
Citado por Temer, o trabalho do ex-procurador da República Marcello Miller como advogado do grupo J&F é alvo de uma investigação, chamada de PP, da Procuradoria da República no Distrito Federal desde 26 de maio. Os procuradores querem esclarecer quais as funções e Miller na área jurídica da J&F, holding da empresa de carnes JBS, para a qual trabalha desde abril passado.
Um dos principais auxiliares de Rodrigo Janot nas investigações dos desdobramentos da Operação Lava Jato sobre autoridades com foro privilegiado, Miller atuava desde o final de 2014 no grupo de trabalho montado em Brasília e participou de diversos acordos de delação premiada de réus einvestigados, como os executivos da construtora Odebrecht. Após 13 anos de trabalho, Miller anunciou que deixava a instituição no último dia 4 de março, três dias antes de o empresário Joesley Batista, da JBS, gravar o presidente Temer no Palácio do Jaburu.
A saída de Miller da PGR foi efetivada em abril. Em maio, logo após a revelação de que Joesley Batista havia feito delação premiada, a PGR divulgou nota à imprensa sobre Miller e afirmou que o ex-procurador "não participou das negociações do acordo de colaboração premiada dos executivos do grupo J&F".
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3- DESQUALIFICAR JOESLEY
"No caso do senhor grampeador (Joesley Batista), o desespero de se safar da cadeia moveu a ele e seus capangas, para na sequência haver homologação de uma delação e distribuiu o prêmio da impunidade. Criaram uma trama de novela. Eu digo, meus amigos, minhas amigas, sem medo de errar, que a denúncia é uma peça de ficção. (...) Exatamente quem deveria estar na cadeia está solto para voar a Nova York ou Pequim e ainda voltar para cá e criar uma nova história, já que a coluna inicial, referente à gravação, começou a ser questionada. Então trouxeram ele de novo para uma nova história que venha a contar. Até foi trazido de chapeuzinho, interessante, ele veio de boné para se disfarçar. Nós não precisamos andar de boné, não temos o que disfarçar. Eles conseguiram isso, o delator, porque foram preparados, treinados, prova armada, conversa induzida. Eu sei, para enfrentar o tema, que criticam-me por ter recebido tarde da noite em minha casa o empresário Joesley. Recebi, sim. Naquela oportunidade, o maior produtor de proteína animal do país, senão do mundo. Interessante que descobri o verdadeiro Joesley, o bandido confesso, junto com todos os brasileiros, quando ele revelou os crimes que cometeu ao Ministério Público sem nenhuma punição."
- Os argumentos contrários
O encontro entre Temer e Joesley, na noite de 7 de março, aconteceu quando o empresário e o grupo J&F já eram alvos de várias investigações – inclusive, esses processos são tratados logo no início da conversa. Em julho de 2016, a Lava-Jato realizou buscas na Eldorado, empresa do grupo citada em delação premiada do ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto sobre o recebimento de propinas em grupos empresariais que obtiveram aportes milionários do Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) e na casa de Joesley.
Em setembro do mesmo ano, veio a Greenfield, investigando desvios de R$ 8 bilhões nos fundos de pensão Funcef, Petros, Previ e Postalis – os irmãos Joesley e Wesley tiveram condução coercitivo autorizada para depor na Polícia Federal. A Cui Bono, deflagrada em janeiro deste ano, apura propina na liberação de financiamento de R$ 4,3 bilhões da Caixa para empresas, entre elas as da holding J&F.
Na Carne Fraca, a JBS foi é investigada por corrupção e fraudes envolvendo fiscais do Ministério da Agricultura. A mais recente é a Bullish, de maio, que trata de irregularidades no repasse de R$ 8,1 bilhões do BNDES à JBS.
Temer também tinha relações próximas com Joesley há bastante tempo. Em janeiro de 2011, o então vice-presidente da República usou um jatinho do empresário para viajar com a família para a Bahia. Pouco mais de um ano depois, em outubro de 2012, compareceu ao casamento de Joesley com a jornalista Ticiana Villas Bôas. Em declarações e entrevistas após a divulgação da gravação com o dono da JBS no Jaburu, Temer disse que o empresário era um "conhecido falastrão", e por isso não deu atenção a seus relatos.
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4 - GRAVAÇÃO ILÍCITA
"Quero lembrar que o fruto dessa conversa é uma prova ilícita. Inválida para a Justiça. Quem deitar os olhos sobre a Constituição, recomendo a leitura do artigo quinto, inciso 56, onde está dito expressamente como direito fundamental que não se pode admitir provas ilícitas. Olha bem, essa gravação foi questionada por um jornal, dois jornais, três jornais, pelo perito que coloquei e, agora mesmo, na pesquisa feita, seriamente, pela Polícia Federal, pelo seu instituto de criminalística, está dito que há cerca de 120 interrupções, o que torna a prova inteiramente ilícita. A verdade é que quem lê a degravação, quando querem me imputar a ideia de que mandei pagar isso, pagar aquilo, é o contrário. O que está dito na sequência de uma frase que o cidadão diz que é amigo de um ex-deputado (Eduardo Cunha), mantém boa amizade, eu digo: 'mantenha isso'. (...) Disseram que não, que quando eu disse isso eu estava mandando pagar. E o próprio ex-deputado desmentiu isso no dia seguinte em uma carta."
- Os argumentos contrários
Relatório da Polícia Federal afirma que a prova é lícita e que não houve edição que comprometa o conteúdo. A perícia do Instituto Nacional de Criminalística aponta interrupções na gravação e diz que seriam provocadas pelo tipo de equipamento utilizado, que interrompe o registro quando há uma pausa na conversa. Além disso, os peritos recuperaram trechos do áudio até então considerados inaudíveis. Em seu pronunciamento, Temer fez referência a laudos publicados pela imprensa logo após a divulgação do diálogo, que apontavam para a existência de interrupções e também ao trabalho que contratou do perito Ricardo Molina, que alegava que a prova seria "imprestável".