Três décadas depois de se apresentarem como alguns dos principais porta-vozes do movimento das Diretas Já na ressaca da ditadura militar, os artistas estão novamente em cena. O evento pelas eleições diretas marcado para este domingo, na praia de Copacabana, no Rio, será realizado no momento mais agudo da crise ética que atingiu o governo de Michel Temer, em meio a uma sucessão de escândalos no sistema político brasileiro.
Mas não é exatamente correto dizer que os artistas voltaram a se manifestar, pois a verdade é que eles nunca deixaram de participar da vida política. Eles fizeram suas vozes serem ouvidas, por exemplo, na histórica Passeata dos Cem Mil, em 1968, quando demandaram – ao lado de estudantes, intelectuais e outras categorias – a volta da liberdade e a suspensão da censura. O que veio, no entanto, foi o Ato Institucional nº 5, representando o início do período mais duro do regime militar.
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Não é por menos que os anos de chumbo foram marcados por inúmeras iniciativas de contestação artística, algumas mais explícitas e outras dissimuladas para tentar enganar a censura. Foi a era das metáforas, a arte de se expressar por meio de figuras de linguagem. Nos célebres festivais de música popular nos anos 1960 e 70, canções de protesto ganhavam a simpatia da torcida, enquanto letras consideradas alienadas eram impiedosamente vaiadas. Os anos 1980 viram a multiplicação de comícios pelas Diretas Já, que contaram com ampla participação da classe artística. Fafá de Belém tornou-se um dos símbolos da campanha ao cantar o hino nacional em diferentes ocasiões. Eram tempos de certo consenso nacional, diferentemente da polarização que contaminou os discursos e os atos políticos depois de 2013. O jornalista e crítico musical Juarez Fonseca observa:
– Nos anos passado e retrasado, artistas identificados como simpatizantes de Lula e Dilma chegaram a ser hostilizados publicamente. Mas agora o movimento não é por Lula ou Dilma, e sim pela democracia.
Em um momento de descrença da população sobre a classe política, os artistas tornam-se amplificadores dos anseios da população. Essa atuação fica mais evidente no contexto em que a polarização entre os manifetantes de verde e amarelo e os de vermelho parece começar a se diluir em uma percepção unificada sobre o impasse do governo Temer. A diretora teatral da Cia. Rústica e professora da UFRGS Patrícia Fagundes chama a atenção para a diferentes formas que os artistas encontraram historicamente para se manifestar, das entrelinhas das canções de protesto dos anos 1960 e 70 às ocupações de 2016:
– Entendo a arte como uma forma de pensamento, de refletir sobre o mundo e se relacionar com ele. Existe uma composição poético-reflexiva que pode colaborar muito em momento nos quais precisamos encontrar outras respostas para a realidade que se coloca ou que nos colocam goela abaixo.