Mantida estatal do RS ou vendida, a CEEE não será a mesma nos próximos anos. A direção da guinada será decidida pelo sucesso ou fracasso da tentativa do Palácio Piratini de fazer a Assembleia Legislativa revogar a necessidade de plebiscito para se desfazer da companhia.
Caso o governo José Ivo Sartori consiga a maioria necessária de deputados, o próximo passo será enviar ao parlamento projeto de lei complementar para iniciar os trâmites de privatização ou federalização dos braços de geração e transmissão (CEEE-GT) e distribuição (CEEE-D), processo que também vai englobar a Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e a Sulgás. Se for derrotado, cenário que hoje é o mais provável, dificilmente o destino será decidido pelo voto popular pois o governo teme nova derrota.
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Nesse caso, a empresa pode definhar até ter a concessão tomada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), ficar à espera de um socorro controverso que não tem a simpatia do Piratini ou torcer para que um novo processo judicial bilionário tenha desfecho favorável a tempo de evitar o colapso.
Na hipótese de ser removida a obrigação de plebiscito, será aberto o caminho para oferecer a venda das estatais como garantia para adesão ao plano de recuperação fiscal do Estados, em análise no Congresso, que daria fôlego às finanças gaúchas por suspender por três anos o pagamento da dívida com a União. Estudo encomendado deve sinalizar ao Piratini quanto valeriam os dois braços da estatal. Do valor apurado, terão de ser descontados cerca de R$ 3 bilhões de dívidas – judiciais, com os ex-autárquicos e a Fundação CEEE.
No caso da CEEE-D, o passivo supera o patrimônio da empresa. Ou seja, o único ativo valioso é a própria concessão, renovada ao final de 2015, que garante à empresa o direito de continuar levando energia a cerca de 4,8 milhões de clientes em 72 municípios. Também endividada mas em uma situação não tão drástica, a CEEE-GT valeria mais.
O cenário mais nebuloso surge para a CEEE-D, maior foco da tensão se a Assembleia derrotar Sartori. Um decreto da Presidência da República de 2015 condiciona a continuidade da concessão ao equilíbrio financeiro das distribuidoras e a índices mínimos de qualidade do serviço.
Empresas como a CEEE-D, que apura sucessivos prejuízos nos últimos anos, estão na mira. Para a concessão não ser revogada pela Aneel, distribuidoras não podem fechar dois anos seguidos no vermelho em uma conta que inclui geração de caixa (receitas e despesas operacionais), investimentos mínimos exigidos no contrato de concessão e pagamento dos juros da dívida.
Pelos cálculos da própria CEEE, essa fatura referente a 2016 é de R$ 805,5 milhões, dinheiro que o acionista controlador – o Estado, no caso – teria de aportar para a empresa não levar o cartão amarelo do primeiro ano. O montante teria de ser quitado até junho. Como nem a CEEE ou o Piratini contam com o capital exigido, o secretário estadual de Minas e Energia, Artur Lemos, dá como quase certo que a exigência, agora, será descumprida.
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Com o primeiro ano perdido, afloram diferenças entre os defensores da manutenção da CEEE como estatal e os que consideram a alienação a única saída que encontra respaldo nos números. Na trincheira dos defensores do status atual, a sobrevivência da CEEE-D está atrelada a uma ajuda da CEEE-GT.
Uma opção é a venda de participações em sociedades de propósito específicos (SPEs), como usinas e linhas de transmissão, com os recursos sendo jogados na distribuidora. As contas entre o que poderia ser levantado partem de R$ 1 bilhão. Para o governo, é apenas um paliativo, por não solucionar o problema crônico de desequilíbrio da CEEE-D.
– Tapa um rombo temporariamente e não resolve o problema. As pessoas aceitam a venda de SPEs para salvar a companhia, mas não querem a venda da companhia para ajudar a salvar o Estado – diz o secretário.
Para um conhecedor do setor de energia que transita na empresa e é contra a privatização, o próprio governo reconhece que o grupo é viável ao admitir que, no encontro de contas das empresas, levantaria dinheiro com a venda. A lógica de sacrificar parte da GT para começar a sanear a D seria o Estado continuar com um negócio que tem mercado garantido por quase três décadas.
– A CEEE-D tem mais 29 anos de concessão. É como se uma fábrica de sapatos tivesse pedidos garantidos por 29 anos. Qual empresa não gostaria de ter esse mercado? – questiona.
O presidente da União dos Profissionais das Companhias e das Empresas de Energia Elétrica (Uniproceee), Rodrigo Schley, defende o aval do Estado para uma saída emergencial que permita sustentação a um plano de recuperação da companhia no longo prazo:
– Sem a concessão, a CEEE é só uma pilha de dívidas. E o Estado vai ter de arcar com ela.
A dúvida é se há tempo. Memorando do dia 20 de março assinado pela superintendente de fiscalização econômica e financeira da Aneel, Ticiana Freitas de Sousa, não deixa dúvidas sobre a visão da agência. A conclusão é de que a situação da CEEE-D "permanece insustentável", com custos muito superiores ao seu faturamento e endividamento crescente. Sob pressão, a CEEE-Distribuição está em uma encruzilhada.
Quanto vale a CEEE-D?
A tarefa de projetar valor para a CEEE-D vai além de um cálculo que considera ativos e passivos. As dívidas,
aliás, superam em mais de R$ 1 bilhão o patrimônio. Mas isso não significa que o preço seria baixo. Um exemplo recente é o da goiana Celg-D, privatizada no ano passado. Antes, em 2015, a companhia foi federalizada.
Em novembro, a italiana Enel pagou R$ 2,187 bilhões, divididos entre o governo de Goiás e a Eletrobras, e aceitou assumir R$ 4 bilhões em dívidas. Antes do leilão, o Estado teve de se responsabilizar por débito com a Caixa de R$ 1,9 bilhão. A Celg-D atende 2 milhões de unidades em 237 cidades e também teve a concessão renovada por mais 30 anos. A CEEE-D fornece para 1,6 milhão de unidades.
O risco do fim arrastado
A possibilidade da Aneel abrir processo de extinção da concessão caso a CEEE-D tenha dois anos consecutivos de déficit não significa desfecho rápido. O decreto federal prevê que o dono da distribuidora ainda poderá apresentar plano de transferência de controle acionário como alternativa. O planejamento, que deverá ter viabilidade comprovada, deve ser executado em 12 meses, mas o prazo pode ser esticado por outros 12 meses.
Para o advogado Cláudio Timm, sócio da área de direito administrativo do Tozzini Freire, seria plausível projetar que o processo se prolongaria até 2020. Essa solução arrastada, lembra o advogado Pedro Seraphim, do núcleo de energia do mesmo escritório, apenas depreciaria o ativo.