Prevista para ter votação concluída nesta terça-feira na Câmara, a renegociação da dívida dos Estados com a União levantou dúvidas no mercado e na base sobre o compromisso de Michel Temer com o ajuste fiscal. O recuo na intenção de proibir aumentos para servidores estaduais por dois anos e a dificuldade para aprovar o projeto gerou críticas ao governo interino, que montou uma operação para enviar mensagens de austeridade e demonstrar força no Congresso.
Anunciadas em junho depois de reunião de governadores com Temer, as novas condições ainda não passaram pela Câmara e terão de ser votadas no Senado. Pelo acordo, a União suspendeu o pagamento da dívida dos Estados por seis meses e cobrará por outros 18 meses parcelas com desconto, carência que reduzirá a arrecadação em R$ 50 bilhões até 2018. Junto, os contratos para quitar o débito serão prorrogados por 20 anos.
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Em troca da carência, o governo exige contrapartidas dos Estados, ponto do projeto que fez Temer, alertado por líderes, recuar para evitar derrota na votação. Pressionado por categorias do funcionalismo, o Planalto aliviou a obrigação de governadores de cortes no gasto com pessoal e desistiu de proibir por dois anos concursos e reajustes a servidores públicos. Nesta discussão, o ministro Henrique Meirelles (Fazenda) teve de ceder, o que provocou críticas no mercado e de parte do PSDB.
Feita a alteração, o governo aprovou o texto-base da renegociação há duas semanas, deixando pendentes os destaques, que estavam previstos para ir à votação ontem, porém, pela dificuldade de quórum, devem ser apreciados hoje. Ficou como contrapartida o teto no aumento das despesas por dois anos, vinculado à inflação, que a oposição se organiza para tentar derrubar.
– Vamos trabalhar para que não haja contrapartida. Cada Estado tem autonomia para equilibrar sua situação financeira – afirma o deputado Elvino Bohn Gass (PT-RS).
Entre os destaques que podem alterar o formato do acordo, figura uma proposta que amplia repasses a Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Para destravar esse ponto, Temer passou a negociar uma alternativa diretamente com os governadores. Relator do projeto, o deputado Esperidião Amin (PP-SC) destaca a importância de manter o texto-base:
– Se mexerem demais, o projeto corre o risco de ser descaracterizada e perder sua utilidade.
Desde segunda-feira, o governo mobilizou líderes para garantirem a presença de suas bancadas hoje. A intenção é ter folga na votação, a fim de demonstrar força.
Vantagens e desvantagens
Prós para o Planalto
-A carência garante até 2018 um alívio no caixa dos Estados, que enfrentam dificuldades para fechar as contas. A folga no pagamento das parcelas é usada para quitar folhas do funcionalismo ou para permitir pequenos investimentos em outras áreas, ajudando a reanimar a economia do país.
-Ao retirar do texto a exigência de congelar por dois anos aumentos para servidores estaduais, o governo ampliou apoios ao agradar as categorias e contemplar parlamentares e governadores, empenhados por seus candidatos nas eleições municipais de outubro.
Contras para o Planalto
-A medida reduz a arrecadação da União em R$ 50 bilhões até 2018. Pelo acordo, a União suspende o pagamento da dívida dos Estados por seis meses e cobrará por outros 18 meses parcelas com desconto. O valor da carência será quitado ao final do parcelamento.
-O governo Temer assumiu com discurso de austeridade fiscal, exigiu contrapartidas dos Estados para dar a carência no pagamento, porém flexibilizou a norma. O movimento gerou críticas do mercado e até de aliados, que vêem com incerteza a capacidade de emplacar o ajuste.
Prós para o Piratini
-Estado fica livre de pagar as parcelas mensais até dezembro e retoma as prestações em janeiro, com desconto. Depois, as parcelas terão aumento progressivo até junho de 2018. Isso representará economia de cerca de R$ 4 bilhões para os cofres do Estado.
-Os Estados mantiveram a autonomia de decidir o que fazer com os recursos do seu orçamento. Depois de muita discussão com o governo federal, governadores e deputados convenceram o Planalto a não impor restrições mais pesadas, como congelamento dos salários. Isso poderia limitar a capacidade dos governos locais de investir em áreas essenciais.
Contras para o Piratini
-Pelo aditivo a ser firmado, o Rio Grande do Sul se compromete a não discutir judicialmente a dívida. Esse ponto é considerado questionável por vários governadores, já que o acesso à Justiça não poderia ser cerceado.
-O desconto reduz o déficit, mas a partir de julho de 2018 o valor pago volta à situação anterior, de representar 13% da Receita Líquida Real (RLR). Com a redução do juro, a mudança do indexador e o alongamento do prazo da dívida, a prestação será de, em média, 3% da RLR somente a partir de 2031. Especialistas acreditam que o ideal era redistribuir a redução da prestação ao longo do período.
A proposta original
-Alongamento por 20 anos do prazo para o pagamento das dívidas dos Estados.
-Carência no pagamento das parcelas mensais até dezembro, exceto para São Paulo (que nesse período recebe desconto de R$ 500 milhões por parcela).
-Estados voltariam a pagar as parcelas da dívida em janeiro de 2017, com desconto. Têm aumento progressivo até junho de 2018, quando voltam a pagar as frações "cheias".
-Criação de previdência complementar e aumento da contribuição dos novos servidores públicos.
As contrapartidas exigidas
-Estados seriam incluídos na proposta de emenda à Constituição (PEC) que trata do teto de gastos. O limite tem validade por 20 anos e restringe o crescimento das despesas de um ano ao percentual de inflação do ano anterior.
-Estados não poderiam aumentar a despesa corrente acima da inflação por dois anos (medida valeria para todos os Poderes).
-Durante dois anos, Estados ficariam proibidos de conceder aumento a servidores públicos, à exceção de reajustes que tenham sido negociados até a data de aprovação da lei da renegociação das dívidas.
-Estados abririam mão de discutir judicialmente contrato da dívida.
As reações
-Deputados e governadores consideraram as contrapartidas exigidas muito pesadas para as administrações locais e pediram que o Planalto aliviasse as exigências.
-Em um primeiro momento, o governo Temer rejeitou afrouxar as contrapartidas, mas, depois, acabou cedendo.
-Ainda assim, o Planalto não admite ter sofrido derrota.
-As administrações do Judiciário, dos tribunais de Contas, do Ministério Público e das Defensorias Públicas estaduais reagiram contra o congelamento das despesas e pressionam os deputados para não serem incluídos na exigência.
O que foi acordado
-Confirmado o alongamento do prazo para o pagamento das dívidas por 20 anos, ou seja, até 2048 para Estados que assinaram a renegociação em 1998, como o RS.
-Estados ficam livres de pagar as parcelas mensais até
dezembro e retomam as prestações em janeiro de 2017, com desconto. Depois, as parcelas terão aumento progressivo até junho de 2018, quando voltam a pagar as frações integrais.
Contrapartidas definidas
-Estados não poderão aumentar a despesa corrente acima da inflação durante dois anos.
-Estados não podem mais questionar o contrato judicialmente. Alguns governadores consideram esse ponto inconstitucional.
O que ficou de fora do projeto
-A exigência de criação de Previdência complementar e aumento na contribuição dos servidores.
-A contrapartida que proibia a concessão de reajustes aos funcionários públicos durante dois anos.
O que ainda está pendente
-A inclusão dos Estados na PEC que limita o crescimento dos gastos pelo prazo de 20 anos.
-A abertura de exceção aos demais Poderes no que diz respeito à elevação de despesas, que ficaria restrita ao Executivo.