José Dirceu de Oliveira e Silva, o Zé Dirceu, um dos mais carismáticos líderes da história da esquerda brasileira, corre o risco de passar a velhice atrás das grades. Aos 70 anos de idade, ele acaba de ser condenado à prisão, a segunda vez em uma década. Desta vez, uma pena altíssima para os padrões brasileiros: 23 anos, pelos crimes de corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Ex-líder estudantil, ex-guerrilheiro com treinamento em Cuba (onde fez plástica para evitar reconhecimento), ex-deputado federal, ex-ministro da Casa Civil e ex-presidente do PT (que ele ajudou a fundar, nos Anos 80), Dirceu está preso desde 3 de agosto do ano passado. Ele cumpre prisão preventiva no Complexo Médico-Penal de Pinhais, no Paraná, e lá deve permanecer, agora para cumprir a pena a que foi sentenciado.
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A condenação foi ordenada pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, que julga casos da Operação Lava-Jato (voltada para desvios de dinheiro na Petrobras). Dirceu foi preso após a constatação de que movimentou, dentro da sua empresa JD Consultoria, R$ 71,4 milhões desde 2007, quantia em parte não justificada. Naquele ano ele já estava denunciado no processo do mensalão (pelo qual o governo federal pagava parlamentares para ganhar apoio em determinadas votações). As movimentações irregulares aconteceram mesmo após o ex-ministro ter sido condenado naquele episódio, em 2012, fato ressaltado como "grave" pelo juiz Moro.
Na sentença proferida nesta quarta-feira, Moro diz que Dirceu usou laranjas para realizar operações ilegais, inclusive após a realização das primeiras fases da Lava-Jato. O Ministério Público Federal (MPF) responsabiliza José Dirceu por 31 atos de corrupção passiva entre 2004 e 2011. Foram decretados também o sequestro de imóveis e o bloqueio de contas bancárias dele.
Em sua decisão, Moro diz que "o mais perturbador" em relação a José Dirceu é que ele recebeu propina e lavou dinheiro inclusive enquanto estava sendo julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo caso do Mensalão. Segundo o juiz, há registro de recebimentos indevidos por Dirceu pelo menos até novembro de 2013. "Nem o julgamento condenatório pela mais Alta Corte do País representou fator inibidor da reiteração criminosa, embora em outro esquema ilícito. Agiu, portanto, com culpabilidade extremada", descreveu Moro na sentença.
A condenação tem como base a delação do lobista Milton Pascowitch, que afirma ter usado sua firma, a Jamp, para intermediar pagamentos à JD, empresa de consultoria do ex-ministro Dirceu e do irmão dele, Luis Eduardo. As transferências somaram quase R$ 1,5 milhão entre os anos 2011 e 2012. Parte desse dinheiro seria propina ao PT e ao ex-ministro, conforme o delator. O processo aponta que Dirceu teria ficado rico mediante irregularidades em contratos com empresas terceirizadas, contratadas pela diretoria de Serviços da Petrobras, que pagavam uma prestação mensal para Dirceu através de Pascowitch.
Dirceu é acusado de receber propinas da Petrobrás em cinco diferentes projetos da empreiteira Engevix com a estatal. O ex-ministro também teria recebido propinas das empresas Hope e Personal, prestadoras de serviços da Petrobras, além da empresa Multitek. Na denúncia, o procurador da República Roberson Pozzobon afirmou que foi Dirceu quem efetivamente apadrinhou o ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, dentro da cota do PT, no esquema de cartel e corrupção na estatal.
Delcídio delatou esquema
Dirceu também é investigado por outros episódios que ainda não viraram processo judicial. Na colaboração premiada à Justiça Federal, o senador Delcídio Amaral (PT) diz que partiu de Dirceu a pressão para que o pecuarista José Carlos Bumlai (amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) fosse beneficiado com um empréstimo de R$ 12 milhões. O financiamento foi feito pelo banco Schahin e teria sido usado por Bumlai para quitar dívidas do PT.
Na versão de Delcídio, porém, os R$ 12 milhões teriam sido usados para pagar pelo silêncio de um empresário, Ronan Maria Pinto. O executivo, ligado ao setor de transportes, estaria chantageando a cúpula petista com a ameaça de delatar fatos relativos a uma "caixinha" paga pelo empresariado para socorrer as finanças do partido e também episódios envolvendo o assassinato do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel. Ronan também está preso pela Lava-Jato.
Teria partido de José Dirceu e de Delúbio Soares (então tesoureiro nacional do PT) a ordem para a triangulação envolvendo os R$ 12 milhões emprestados pelo Banco Schain a Bumlai. Em troca, o grupo Schahin banco e empresas de engenharia, petróleo e gás) teria vencido concorrência para administrar a sonda petrolífera Vitória 10.000, alugada pela Petrobras.
Investigação no Peru
Dirceu é investigado, ainda, no Exterior. Para a Fiscalía Especializada Anticorrupción do Peru, o equivalente naquele país à Procuradoria-Geral da República no Brasil, Dirceu é suspeito de intermediar repasses de dinheiro de empreiteiras brasileiras para integrantes do governo Alan García, que presidiu o Peru entre 2006 e 2011. É também apurado se o esquema teria se prolongado até o atual governo, de Ollanta Humala.
Conforme a agenda do ex-presidente Alan García – à qual Zero Hora teve acesso – e também rastreamento de voos, Dirceu realizou cinco viagens ao território peruano entre 2007 e 2011. Em 23 de janeiro de 2007, início do governo de García, o ex-ministro brasileiro foi recebido em palácio pelo então presidente peruano.
Dirceu atuava como lobista das empreiteiras Engevix e OAS, ambas envolvidas no desvio de dinheiro de contratos da Petrobras. O interesse das empresas era conquistar projetos no Peru e, para isso, firmou contrato com o ex-ministro. Ele, por sua vez, fez repasses de dinheiro periódicos por meio da JD Consultoria (empresa pertencente a Dirceu) para uma conhecida sua no Peru, a brasileira Zaida Sisson, casada com um ex-ministro de Alan García. Conforme declarações de um dos delatores da Lava-Jato, o lobista Milton Pascowitch, Zaida trabalhava para Dirceu na tentativa de obter contratos para a Engevix e para a Galvão Engenharia no Peru.
José Dirceu foi ministro da Casa Civil no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (entre 2003-2006). Era, também, deputado federal eleito pelo PT em São Paulo. Enfrentou longo processo por compra de votos no Congresso, em ação para favorecer projetos governamentais, conhecida como mensalão. Foi condenado como mentor do esquema de compra de parlamentares para formar a base governista e preso no dia 15 de novembro de 2013. Após trabalhar de dia em um escritório de advocacia e pernoitar no presídio, foi liberado para cumprir o resto da pena em casa, em outubro de 2014. Acabou preso novamente em agosto de 2015, dessa vez pela Lava-Jato. Desde então, ocupa uma cela em prisão próxima a Curitiba.
Veja as penas atribuídas aos réus condenados na decisão de Moro:
Gerson de Mello Almada - condenado pelos crimes de corrupção e de lavagem. As penas somadas chegam a 15 anos e seis meses de reclusão
Renato de Souza Duque - condenado pelos cinco crimes de corrupção, a pena é de 10 anos de reclusão
Pedro José Barusco Filho - condenado por cinco crimes de corrupção, a pena de nove anos de reclusão fica suspensa pelo acordo de delação premiada
João Vaccari Neto - condenado por cinco crimes de corrupção, as penas somam nove anos de reclusão
Milton Pascowitch - condenado pelos crimes de corrupção, lavagem e pertinência à organização criminosa, há concurso material, as penas somadas de 20 anos e 10 meses de reclusão fica suspensa pelo acordo de delação premiada
José Adolfo Pascowitch - condenado pelos crimes de corrupção, lavagem e pertinência à organização criminosa, as penas somadas chegam a 19 anos de reclusão, mas ficam suspensas pelo acordo de delação premiada
José Dirceu - condenado pelos crimes de corrupção, de lavagem e de pertinência à organização criminosa, as penas somadas chegam a 23 anos e três meses de reclusão
Fernando Antônio Hourneaux de Moura - condenado pelos crimes de corrupção, lavagem e pertinência à organização criminosa, as penas somadas chegam a 16 anos e dois meses de reclusão.
Luiz Eduardo de Oliveira e Silva - irmão de José Dirceu, foi condenado pelos crimes de lavagem e de pertinência à organização criminosa. As penas somadas chegam a oito anos e nove meses de reclusão
Júlio Cesar dos Santos - ex-sócio da JD Assessoria e Consultoria, empresa utilizada para recebimento das propinas, foi condenado pelos crimes de lavagem e de pertinência à organização criminosa. As penas somadas chegam a oito anos de reclusão
Roberto Marques - apontado como espécie de secretário, motorista ou pessoa de confiança de José Dirceu, foi condenado por cinco crimes de corrupção. A soma da pena é de oito anos de reclusão