O genial Nelson Rodrigues cunhou a expressão "a pátria em chuteiras" para definir a paixão e o envolvimento do brasileiro com o futebol. Dizem os cronistas esportivos que, dentro de cada um de nós, mora um treinador, daí a facilidade com que o torcedor escala time, critica o técnico e exerce a função de profeta do passado. O julgamento do mensalão, e mais precisamente o debate sobre os embargos infringentes, transformou o Brasil na Pátria de capa preta. Com uma toga imaginária sobre os ombros, os brasileiros opinam com paixão sobre os embargos, como se houvesse uma verdade absoluta e só interesses escusos explicassem o empate que será desfeito na quarta-feira pelo ministro Celso de Mello.
Gente que nunca tinha ouvido falar do recurso esbanja certezas. E sai logo rotulando os ministros que votaram diferentemente da sua convicção. Quem é a favor de um novo julgamento se põe a esmiuçar sentenças dos ministros que votaram contra, na tentativa de desqualificá-los. Da mesma, forma, quem é contra os embargos lança todo tipo de suspeita sobre os que votaram a favor.
Se você disser, honesta e humildemente, que seus conhecimentos de Direito são rudimentares e que não sabe se cabem ou não embargos infringentes, prepare-se para ser chamado de ignorante ou de mal-intencionado. Como é possível não ter opinião formada, se todo mundo tem? De nada adiantará dizer que você assistiu às sessões e que achou consistentes os votos favoráveis e contrários à aceitação dos embargos. Tampouco adiantará lembrar que os ministros têm esse hábito de elogiar o "doutíssimo voto" do colega, mesmo quando votam de forma diferente. Então você não sabe que esses elogios fazem parte da liturgia do STF, e que podem ser tão falsos quanto o tratamento "Vossa Excelência", quando um está xingando o outro?
Data venia, você não pode confessar que não entende metade do que dizem os ministros. Nem pense em dizer a amigos que desconhecia a "preclusão consumativa" até ouvir repetidas vezes do ministro Marco Aurélio. Se admitir essas fraquezas, ficará mais difícil dar lições de Direito (ou de moral) ao ministro Celso de Mello, um juiz até aqui elogiado pelo equilíbrio e pela sensatez.
Opinião
Rosane de Oliveira: "A pátria de capa preta"
Rosane de Oliveira
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