Em meados de setembro, um grupo de oficiais da reserva do Exército e da Aeronáutica montou em Brasília um núcleo militar para elaborar propostas de governo ao candidato presidencial Jair Bolsonaro (PSL). O QG, como foi apelidado, é no Hotel Brasília Imperial, em uma sala no subsolo, cujo aluguel custa R$ 700 por dia.
Entre os que participam diariamente está o coordenador, general Augusto Heleno (primeiro comandante brasileiro na Força de Paz do Haiti), e os também generais Oswaldo Ferreira e Aléssio Ribeiro Souto. Todos quatro estrelas, grau máximo na carreira militar, e cotados para ocupar ministérios. Outro apoiador notório é o general Carlos Alberto Santos Cruz, um dos militares brasileiro de maior renome no Exterior: comandou Forças de Paz no Haiti e no Congo, onde liderou tropa de 29 mil soldados. O QG está por ser desativado.
As linhas mestras do plano de governo foram traçadas e serão cotejadas com a opinião dos apoiadores civis de Bolsonaro – industriais, comerciantes, proprietários rurais e banqueiros. Falta consenso em alguns pontos vitais, como a reforma da Previdência e as cotas raciais. Mas grande parte das ideias já está esboçada para o caso de Bolsonaro vencer a eleição. GaúchaZH conversou com integrantes do núcleo e antecipa aqui algumas dessas metas.
Consensos entre a equipe
Redução de ministérios
Meta – Diminuir de 29 para 15 as estruturas ministeriais é a estimativa inicial.
Viabilidade – Basta o presidente decidir, por decreto.
Cortar cargos de confiança (CC) e funções gratificadas (FG)
Meta – O deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS) chegou a propor o corte de 25 mil CCs e FGs, número superior ao existente. Depois, recuou para 20 mil. Um dos generais que debatem o plano considera que é difícil cortar tanto, mas estima que ocorrerão reduções profundas.
— Houve distribuição muito grande de cargos, funções. Tem de valorizar mais o funcionário de carreira. Senão surge um Geddel Vieira Lima (do MDB, ex-ministro preso por corrupção) e ocupa vice-presidência da Caixa. Com que objetivo? Aquele que sabemos. Tem de entender do assunto e exigir dele boa prestação de serviço – resume o militar.
Viabilidade – Basta o presidente decidir, mas haverá oposição política, inclusive na base aliada.
Redução da maioridade penal
Meta – Rebaixar dos atuais 18 anos para 16 anos. Está na página 32 do plano de governo de Bolsonaro, com ponto de exclamação ao final da frase.
Viabilidade – É preciso aprovar proposta de emenda à Constituição (PEC). Esse tipo de texto tem de ser referendado, em dois turnos, na Câmara e no Senado. São necessários os votos de 308 dos 513 deputados e de 49 dos 81 senadores.
Invasão de propriedade vira terrorismo
Meta – Tipificar como terrorismo as invasões de propriedades rurais e urbanas no território brasileiro.
Viabilidade – É preciso aprovar lei no Congresso.
Direitos humanos para vítimas
Meta – Alega que a atual política de direitos humanos prioriza a defesa de criminosos e afirma que irá redirecionar o foco para as vítimas de violência.
Viabilidade – Não necessita de lei.
Menos orientação sexual na escola
Meta – Os generais consideram que, como prolongamento da família, a escola deve transmitir “educação de valores”. E acham que há excesso de debates sobre a orientação sexual.
— Vem cá, não tem outra coisa para lecionar? Poderiam ensinar que o cara não deve ser corrupto, que tem de ser trabalhador, tem de respeitar a todos, não interessa a cor, a sexualidade, se é pobre ou rico. Mas, aí, fica só numa discussão absurda acerca de opções sexuais — diz um militar da campanha.
Viabilidade – A questão é controversa porque depende de alterações na estrutura curricular. Em tese, o Ministério da Educação poderia sugerir alterações na bibliografia estudada em aula.
Prioridade ao ensino primário e secundário, antes do universitário
Meta – Haverá também investimentos na universidade, mas as proporções serão invertidas. Serão estimulados mais os ensinos Fundamental e Médio, menos o Superior.
— Senão acontece como hoje: só os que tiveram oportunidade nas escolas mais caras e com os melhores professores é que terão acesso à universidade — justifica um general bolsonarista.
Viabilidade – Depende de alterações no orçamento da União, que é aprovado pelo Congresso
Revisão da bibliografia a respeito do golpe de 1964
Meta – Para começar, a ideia é atenuar o termo “golpe” e falar em “contrarrevolução”. Os militares dizem que houve mortos nos dois lados e, por isso, deve se enfatizar também os mortos militares e policiais, “além de comunistas mortos pelos próprios comunistas em tribunais revolucionários”. Consideram que o regime militar evitou uma ditadura comunista. Na prática, a proposta visa acrescentar 126 mortos pelas guerrilhas de esquerda às 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura militar no país (1964-1985), reconhecidas pela Comissão Nacional da Verdade.
Viabilidade – Sofrerá forte oposição política. É decisão do Ministério da Educação, que pode sugerir novos livros didáticos entre os estudados em aula.
Volta da Moral e Cívica e expurgo de Paulo Freire
Meta – O plano de governo de Bolsonaro prevê que, na alfabetização, será expurgada a "ideologia" do pedagogo Paulo Freire, via mudanças na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Será vetada a aprovação automática. Os currículos teriam a volta das disciplinas de Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil (OSPB).
Viabilidade – Pode ser estabelecida via projeto de lei aprovado pelo Congresso.
Manter programas sociais
Meta – Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Fies, Prouni, Seguro Defeso e outros programas governamentais serão mantidos. Há ideia inclusive de pagar 13º salário aos que recebem Bolsa Família. De outro lado, seria feita fiscalização contra fraudes nesses programas.
— Tem de tirar milhares de sem-vergonhas, vagabundos, gente que não precisa. Se limpar o programa, paga o 13º. Algumas avaliações apontaram 500 mil pessoas que não poderiam estar no programa, porque são funcionários públicos, têm dinheiro ou até porque já morreram e constam ali. A fraude virou um câncer com metástase para tudo que é lado no Brasil — opina um dos militares que ajuda Bolsonaro.
Viabilidade – A manutenção dos programas é decisão do governante.
Retomar 3 mil obras paradas
Meta – A estimativa é do general Oswaldo Ferreira, cotado para gerir a área de infraestrutura. A convicção é de que a descontinuidade acontece em decorrência da corrupção e que, com fiscalização, o dinheiro para retomada vai aparecer.
— Em Porto Alegre, quem chega repara na obra infindável da trincheira da Avenida Ceará. Era para uma Copa do Mundo (de 2014), vai ficar para outra Copa. Absurdo! É preciso mais fiscalização do Ministério Público (MP) nesses projetos. O Legislativo deveria averiguar também, mas está desmoralizado. O governo tem de dar exemplo, o Judiciário e o MP têm de atuar mais ainda. Obra parada é pura corrupção — resume um general.
Viabilidade – É questão de orçamento.
Mais militares no governo
Meta – O núcleo duro do bolsonarismo acredita que os brasileiros estão cansados de pessoas que tergiversam, sem posicionamento. Por isso, será ampliada a presença militar no primeiro escalão. Haveria pelo menos cinco ministros com origem na caserna.
— Dos militares, o povo não espera politicagem, espera que digam a coisa sem meias palavras, mesmo que desagrade. Militar no governo não pode ser político, tem de ser executivo — resume um general.
Viabilidade – É decisão do presidente.
Endurecimento de regime prisional
Meta – Condenados por crimes hediondos devem cumprir pena em presídios de segurança máxima. O contato com visitantes seria feito apenas através de vidros e sem visita íntima. Os benefícios de redução da pena devem ser encolhidos, com maior tempo no regime fechado.
Viabilidade – Seria necessário mudar a Lei de Execuções Penais (LEP) e o Código Penal por meio de projeto de lei.
Exclusão da ilicitude para policiais que matam em serviço
Meta – A legislação hoje dá excludentes de ilicitude (não punição) para o policial que mata em legítima defesa (sua ou de outro), no estrito cumprimento do dever legal. Os generais bolsonaristas consideram que esse conceito foi contaminado por ideologia e por interpretações que colocam o policial em má situação.
— O policial está sempre sob suspeita. Tem de ser o contrário, em um país com crime organizado de tamanha ousadia como o Brasil. Não significa evitar punição a policial. Cometeu crime, tem de punir, mas sem preconceito pelo fato de ser um policial — resume um militar.
Na prática, a proposta libera os policiais em serviço para matarem casos que avaliem ser necessário, e relativiza as possibilidades de responsabilização posterior.
Viabilidade – Necessitaria de aprovação no Congresso de projeto de lei para mudar artigos do Código Penal. Há manifestação de integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Procuradoria-Geral da República (PGR ) de que alteração seria inconstitucional.
Abater criminoso com arma na mão
Meta – A ideia entre os generais que apoiam Bolsonaro é radicalizar contra bandidos armados. Autorizar os policiais a dispararem contra criminosos que portem ostensivamente armas.
— O sujeito ser preso com um revólver, sem porte, é uma coisa. Outra coisa é um bandido, com um fuzil na mão, dentro de um bairro. Fuzil é arma de guerra. O que ele faz carregando armamento assim? Qual pessoa normal anda com uma arma desse tipo? Contra criminosos assim, o policial tem de atirar antes. Não podemos ter esse escândalo de perder 150 policiais assassinados por ano no Rio de Janeiro — resume um general consultado.
Na prática, a proposta autoriza os policiais a abaterem quem seja considerado inimigo armado.
Viabilidade – O posicionamento governamental estaria sujeito à interpretação da Justiça.
Banco de dados de DNA
Meta – Uma das ideias para a segurança pública é criar banco de dados de DNA. Os generais dizem que a reincidência no crime se aproxima de 80% no Brasil. O estudo oficial mais recente sobre o tema, conduzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado em 2015, aponta que a taxa média de reincidência no Brasil é de 24,4%. Segundo os militares bolsonaristas, um bom registro de DNAs ajudaria a elevar muito o índice atual de resolução de crimes. Não há um dado oficial sobre a resolução de delitos em geral no país. Conforme levantamento da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública, do Ministério da Justiça, 6% dos homicídios dolosos (com intenção de matar) são solucionados no país.
Viabilidade – É preciso projeto de lei aprovado, além da decisão governamental.