O vereador Sandro Fantinel (sem partido) foi denunciado pelo Ministério Público (MP) na tarde desta terça-feira (28) por crime de racismo. O anúncio foi feito em coletiva de imprensa na Promotoria de Justiça de Caxias do Sul. Fantinel é investigado após as falas preconceituosas contra baianos proferidas no plenário da Câmara de Vereadores em 28 de fevereiro.
— Conduta do denunciado foi enquadrada no crime de racismo, por ter praticado e incitado discriminação e preconceito em nível nacional, causando repulsa e constrangimento a um número indeterminado de pessoas — declarou a promotora Vanessa da Silva.
Segundo a promotora, a conduta de Fantinel é agravada por duas circunstâncias:
— O crime foi cometido por intermédio da internet, o que aumentou a gravidade da conduta. A segunda causa diz respeito ao fato de o crime ter sido cometido por funcionário público no exercício das funções e extrapola a imunidade parlamentar. Afronta o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
O MP pede ao judiciário que, na sentença final, Fantinel seja condenado nas sanções previstas, com prisão pelo crime de racismo; que seja feito pagamento de indenização pelo dano moral coletivo; que seja determinada a perda da função pública; que, em razão da gravidade do fato e da não compatibilidade do vereador permanecer no cargo até que seja dada sentença, que ele seja afastado das funções enquanto tramitar o processo; e que seja suspensa a remuneração dele até a sentença.
Segundo explicou o promotor Rodrigo Brandalise, que é coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do MP e representante da Administração Superior do órgão, o fato por si só chamou a atenção para a necessidade de atuação do MP. Ele destacou a proporção que o caso tomou.
— O fato em si já era preocupante, mas a repercussão fez com que a administração superior do MP atentasse ainda mais e apoiasse os colegas de Caxias. Todos sabem a preocupação que existe no combate ao racismo e à discriminação, que está tendo forte apoio dentro da nossa sociedade e do contexto brasileiro, justamente para superarmos um problema tão grande que acompanha o Brasil há muito tempo.
A partir de agora, o processo contra o parlamentar segue na Justiça, que dirá se aceita ou não a denúncia. Caso aceite, o vereador se torna réu. O crime de racismo prevê pena de dois a cinco anos de prisão.
A denúncia ocorre após indiciamento de Fantinel por racismo pela Polícia Civil, em 13 de março. Na ocasião, o delegado Rafael Keller, responsável pela investigação, durante a coletiva no Palácio da Polícia, em Porto Alegre, afirmou que a decisão ocorreu por uma análise objetiva dos fatos.
— Analisamos as imagens, o que foi dito, e o fato se caracteriza como crime de racismo pelas falas que acabam discriminando pessoas em razão da procedência nacional, ou seja, do local em que são originárias — declarou Keller.
Contraponto
A defesa de Sandro Fantinel afirmou, em nota, que discorda do pedido de afastamento cautelar do parlamentar e que irá solicitar as medidas despenalizadoras por meio dos recursos cabíveis. Confira a nota na íntegra:
"A defesa do vereador Sandro Fantinel, composta pelos advogados Vinícius de Figueiredo e Rodrigo de Oliveira Vieira, tomou conhecimento, na tarde de hoje, do oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público. A defesa discorda frontalmente do pedido de afastamento cautelar do parlamentar (eleito pelo voto popular) pela completa ausência de previsão em lei. Além disso, diante das circunstâncias do caso, entendemos que o vereador tem direito às medidas despenalizadoras, possibilidade refutada pela acusação e que será pleiteada através dos recursos cabíveis."
Relembre o caso
Declarações preconceituosas na Câmara
- No dia 28 de fevereiro, na tribuna da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, Sandro Fantinel fez discurso se referindo aos trabalhadores baianos resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves. Na ocasião, ele sugeriu aos produtores locais que "não contratem mais aquela gente lá de cima", e disse que a "única cultura que (os baianos) têm é viver na praia tocando tambor".
Repercussão e abertura de processo de cassação
- As falas repercutiram nacionalmente, e geraram notas de repúdio inclusive dos governadores da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). Além disso, o parlamentar caxiense foi expulso do partido Patriota.
- Por causa das declarações, um processo de cassação contra Fantinel foi aberto na Câmara de Caxias dois dias depois do episódio, no dia 2 de março. No momento, este processo está na fase de instrução, em que a comissão processante ouve testemunhas, junta provas e realiza as diligências e audiências que se fizerem necessárias para apurar a acusação.
Três pedidos de indenização
- Além disso, há três ações contra Fantinel que pedem indenização do vereador por danos morais coletivos. Um dos processos foi aberto pelo próprio MP, que pede uma reparação no valor de R$ 300 mil, que seria destinado ao Fundo para Reconstituição de Bens Lesados.
- O Ministério Público Federal (MPF) protocolou um pedido de indenização contra Fantinel no valor de R$ 250 mil. Sobre as declarações, o MPF classificou o discurso do vereador como "preconceituoso, odioso, de caráter xenofóbico e discriminatório". Na ação civil pública, o procurador Fabiano de Moraes entendeu que o vereador colocou as vítimas como culpadas da situação em que se encontravam.
- O terceiro pedido de compensação financeira foi feito por quatro ONGs ligadas a movimentos sociais de combate ao racismo e dos direitos humanos. As entidades pedem uma indenização no valor de R$ 1 milhão do parlamentar, com objetivo de obter "reparação de danos morais coletivos e dano social infligidos à população pobre e à população negra do Brasil".
Investigações no MPT e PF
- O Ministério Público do Trabalho (MPT) também oficiou uma investigação contra o parlamentar, porque, na avaliação do órgão, nas falas ele foi xenofóbico e culpou os trabalhadores pela situação análoga à escravidão.
- À Polícia Federal, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, encaminhou para investigação do órgão um discurso de 17 de novembro de 2022 do vereador Fantinel no Legislativo caxiense, no qual ele afirma que "um ministro do Supremo Tribunal participou de uma orgia com crianças fora do Brasil". Para Dino, a fala configura crime contra autoridade federal.
Retorno de Fantinel à Câmara
- Após o episódio, o vereador apresentou atestado e ficou afastado da Câmara durante 21 dias. Ele retornou ao plenário, cabisbaixo, no dia 21 de março, e não se pronunciou na sessão. No dia seguinte, dia 22, Fantinel se inscreveu para participar do Grande Expediente, e teve o espaço de 10 minutos para se pronunciar. Na ocasião, o parlamentar pediu perdão aos baianos pelas declarações, afirmou que "errou porque é humano" e garantiu que vai "aceitar a condenação desde que ela seja feita por quem nunca errou".