Assim como no cenário nacional e estadual, os jovens de Caxias do Sul estão se distanciando do processo eleitoral nos últimos anos. Com prazo para solicitação de primeiro título encerrando em menos de 40 dias, a procura pelo serviço, concentrado de forma online desde o início da pandemia, ainda é baixa na cidade referência da Serra Gaúcha. Além do pouco interesse pelo voto facultativo, a faixa etária de 18 a 24 anos foi a que teve maior abstenção nas eleições de 2020.
Em fevereiro de 2022, último registro disponível nas estatísticas eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 416 adolescentes de 16 anos fizeram o título de eleitor, sendo 149 meninos e 267 meninas. Já jovens de 17 anos totalizam 1.015 (448 meninos e 567 meninas). Apesar da baixa procura, o cenário é um pouco melhor em comparação a outubro de 2020, quando apenas 146 adolescentes de 16 anos e 981 de 17 anos buscaram o serviço para emissão do documento. Compreende-se: aquele mês antecedia à eleição de novembro, então o prazo já estava encerrado para cadastramento de jovens.
Os dados do TSE em outubro de 2012 mostram que 1.190 jovens de 16 anos e 2.322 de 17 anos fizeram o primeiro título. Em 10 anos, no entanto, no comparativo daquele mês com fevereiro de 2022, a queda no interesse dos jovens de 16 e 17 anos materializado no cadastramento eleitoral é significativa: atinge 65% em relação à faixa etária de 16 anos e 56% para eleitores de 17 anos (veja gráfico). Somando-se os eleitores das duas faixas etárias, a redução foi de 59%.
— A gente monitora esses dados, o TSE tem feito campanhas em todas as eleições, chamando esse público para a votação. Claro que as eleições de 2020 foram fora do padrão em função da pandemia. Primeiro porque não conseguimos fazer o atendimento presencial que era a regra, mas a gente logo conseguiu colocar o site para fazer o título no ar e a expectativa era de que esse público mais jovem tivesse mais facilidade para encaminhar isso. Esse público teve uma abstenção muito alto (nas eleições anteriores), além de ter pouca participação no total de votantes. Não só os eleitores facultativos (16 e 17 anos), mas os de 18 a 24 anos faltaram muito, inclusive acima da média — informa o chefe da 169ª Zona Eleitoral, Edson Borowski.
De acordo com dados do TSE, a abstenção a qual Borowski trata é de 14.359 jovens de 18 a 24 anos nas eleições de 2020 em Caxias, de um total de 82.724 pessoas que deixaram de votar, ou seja, 17,3% desse universo.
— Além da pandemia, o que ajuda a explicar é o desinteresse com a política, nós temos uma geração que, na minha avaliação, veio pós-reabertura democrática de 1988 e, se pegarmos quem nasceu depois, é uma geração que tem eleições regulares, e a gente sabe que aquele público mais idoso, mais experiente, tem um apreço pela democracia, ao voto, até porque foi sufocado esse direito durante quase 30 anos — opina o chefe da 169ª Zona Eleitoral.
Para Borowski, os números dos últimos anos são surpreendentes, tendo em vista a virtualização do serviço, por ser uma geração mais digitalizada. Entretanto, ele acredita que, próximo ao encerramento do prazo (4 de maio), as campanhas realizadas pelo TSE nos últimos dias e a mobilização de figuras públicas pelas redes sociais podem aumentar a adesão dos jovens no processo eleitoral.
Amostragem diversa
— Temos que dar um empurrão. O foco é o jovem, independente de em quem ele vai votar — pontua Borowski.
O estudante Arthur Cattusso, 17 anos, já decidiu que não irá tirar o primeiro título de eleitor em 2022 e, consequentemente, não votará nas eleições deste ano.
— Não fiz e não pretendo fazer. Eu ainda não sou obrigado, além de não me sentir preparado, eu não tenho vontade — expõe o jovem.
A reportagem buscou jovens das redes pública e privada, além de alunos de cursinhos pré-vestibular para saber a opinião deles quanto à solicitação do primeiro título enquanto é facultativo. Dos 10 ouvidos, além de Cattusso, cinco desses pretendem tirar o documento até o dia 4 de maio, quando encerra o período de solicitação. A amostragem vai na contramão do pouco interesse transformado em cadastramento eleitoral (veja na página 6). Outros quatro jovens ouvidos já havia feito o título eleitoral.
— Eu ainda não tenho título, mas vou fazer. Foi mais por questão de desorganização mesmo, mas acho que é muito importante, além de tu ter uma opinião política, tu colocá-la em prática, principalmente na nossa idade — analisa o estudante Eduardo Ricchetti, 17.
O que dizem os especialistas
"Eu acredito que este fenômeno tenha uma faceta dupla. Por um lado, há uma tendência de abstenção dos jovens, mas não só deles, no envolvimento com a política partidária e com a participação nas eleições. Por outro, há um engajamento até crescente no debate político que está para além das instituições, o debate do dia a dia. Esse está crescendo, até numa proporção significativa, embora seja difícil mensurar, pois o debate político está mais presente na realidade das pessoas, inclusive dos jovens. Por que há essa desconexão entre maior debate político e em não manifestar isso quando sou chamado, como é o caso das eleições? No meu entendimento há um descolamento muito grande entre a elite política brasileira e a realidade das pessoas. O jovem, por ter um senso mais imediatista, não tem a sensibilidade e a moderação para que o tempo dê rumo às coisas, ele quer algo mais concreto de imediato, e isso não está acontecendo. Então ele pensa que não quer ser instrumento de manobra de político."
Marco Paulo Quadros, cientista político
"A redução do contingente de jovens (16 a 18 anos) no eleitorado também pode se dever em parte à mudança demográfica na população brasileira: nossa pirâmide etária está ficando com a base menor, isto é, a quantidade de jovens vem diminuindo. É importante fazer a distinção entre afastamento da política em geral e afastamento da política institucional, partidária e eleitoral. Se de um lado observamos o aumento da abstenção eleitoral de pessoas entre 18 e 24 anos, de outro vemos um aumento do engajamento de pessoas dessa faixa etária em movimentos mais radicais, principalmente de extrema-direita, por meio de redes sociais, comunidades de gamers, de cinéfilos, etc. É inegável que nos últimos anos houve um aumento no descrédito da política tradicional, institucional, partidária, não apenas no Brasil e entre os jovens, mas em todas as faixas etárias e em muitos países. Em grande parte, essa desilusão foi causada pela incapacidade dessa política tradicional de resolver os problemas que estão na agenda há algumas décadas (aquecimento global, desigualdade econômica, empobrecimento, aumento da fome, permanência das guerras). Isso não significou necessariamente o afastamento da política, mas o direcionamento de uma parte desse engajamento para outros canais, principalmente movimentos organizados a partir de redes sociais, que são movimentos políticos, mas sem o compromisso com a institucionalidade (democrática) com que estamos acostumados."
Mauricio Assumpção, doutor em Ciência Política
O que dizem os adolescentes
"Eu quero votar. Eu quero que meu voto esteja presente no país, que faça a diferença. Acho que cada um tem a sua opinião, eu quero votar, tem muita gente que também quer e tem outros que não se envolvem. Nós somos o futuro, e se querem uma mudança, tem que votar."
Wesley Vizentin, 17 anos, estudante. Já tirou o título
"Eu tirei porque queria participar da democracia. Tem muita gente que só reclama, "ah o Brasil está assim", "o Brasil está desse jeito", mas muitas vezes anula o voto e eu quero participar. Eu acho importante todo mundo tirar (o título), mas a opinião é de cada um, tem aqueles mais novos (de 16 anos) que pensam que, por não ser obrigatório, não tiram. Vai de cada um."
Rickson Boeira, 17 anos, estudante. Já tirou o título
"Eu vou fazer. Ainda não fiz porque eu estava sem computador e não consegui tirar o título pelo celular. Acho que tem que ter duas formas de fazer, tanto online quanto presencial, para aquelas pessoas que, como eu, não têm computador e não conseguem fazer pelo celular."
Karoline Borelli, 19 anos, estudante. Ainda não tirou o título. Diz que vai fazer
"Ainda não fiz, mas vou fazer. Eu acho importante votar, sei que tenho que fazer até o dia 4 de maio."
Lorenzo Cruz, 17 anos, estudante. Ainda não tirou o título. Diz que vai fazer
"Acho importante a participação dos jovens nas eleições de 2022 porque é muito importante para todo mundo tomar partido, ter uma participação dentro da política no Brasil. Tomar desde cedo uma iniciativa e ter uma opinião formada sobre a política e sobre em quem nós iremos votar e apoiamos."
Henrique Balen, 17 anos, estudante. Já tirou o título
"Eu ainda não tenho título, mas vou fazer. Foi mais por questão de desorganização mesmo, mas acho que é muito importante além de tu ter uma opinião política, tu colocá-la em prática, principalmente na nossa idade. A gente vê que todo mundo tem uma opinião, mas botar em prática é diferente, e acho bom fazer o título justamente por causa disso."
Eduardo Ricchetti, 17 anos, estudante. Ainda não tirou o título. Diz que vai fazer
"Eu já fiz meu título. Desde sempre minha mãe me incentivou a participar disso porque acredito que seja muito importante e também eu acho que a gente tem que participar porque vamos decidir o nosso futuro. Não só o nosso, como o de todo mundo."
Izabela Martineli, 17 anos, estudante. Já tirou o título
"Não fiz e não pretendo fazer. Eu ainda não sou obrigado, gosto de política, na próxima eleição pretendo votar, não só por obrigação, mas porque é muito importante tu exercer teu voto e tua opinião política. Esse ano, além de não me sentir preparado, eu não tenho vontade."
Arthur Cattusso, 17 anos, estudante. Não vai tirar o título este ano
"Ainda não tirei, eu até tentei, mas o site é meio, travado então eu desandei, mas ainda pretendo tirar. A opinião de cada um importa, eu já quero começar a votar porque a minha decisão é importante como a de qualquer outro cidadão e eu quero decidir o rumo, porque um voto pode fazer a diferença."
Henrique Heck, 16 anos, estudante. Ainda não tirou o título. Diz que pretende tirar
"Eu pretendo tirar, mas está meio difícil o site, eu não estou entendendo bem se é pelo site ou pelo aplicativo. Acho que seria mais fácil se fosse como antes, de ir até um local. Acho que é meu direito e dever como cidadã tirar o título porque somos jovens e é extremamente importante para o nosso futuro."
Emanuelle Machado, 17 anos, estudante. Ainda não tirou o título. Diz que pretende fazer
Prazo para o primeiro título
:: Até o dia 4 de maio, é possível solicitar a emissão da primeira via do título, realizar a transferência de município ou fazer a atualização de dados do documento, como troca do sobrenome ou de bairro. Apesar do atendimento presencial ter voltado na segunda-feira (14/3) no Cartório Eleitoral de Caxias, Edson Borowski ressalta que todos os procedimentos desejados devem ser tentados primeiramente de forma online.
:: O chefe da 169ª Zona Eleitoral informa que podem emitir o título opcionalmente jovens de 17 anos, 16 anos completos ou jovens de 15 anos que irão completar a idade permitida antes do primeiro turno e, obrigatoriamente, os maiores de 18.
:: Esse e outros pedidos podem ser feitos no site da Justiça Eleitoral, o jedigital.tre-rs.jus.br/. Neste link, é possível também fazer o agendamento de horário no Cartório Eleitoral de cada município, mas apenas em caso de alguma dificuldade. Aconselha-se também primeiro a procurar o cartório pelos telefones (54) 99923-2978, (54) 99925-6752 e (54) 99633-3555.