Abrigados sob uma estrutura de gazebo, nas margens da Rota do Sol, cerca de 30 caminhoneiros revezam num dos pontos de mobilização na RSC-453, próximo ao acesso à localidade de São Braz, em Caxias. Desconfiados com a aproximação da imprensa, aceitam falar porque pregam a pacificidade do movimento. Segundo um dos organizadores, não há identificação de partido político, e a única bandeira que representa a causa é a brasileira tremulante içada sobre a rodovia em um caminhão-guincho.
O discurso apartidário e a ênfase no apelo patriótico se assemelham ao alinhado com o movimento instituído a nível nacional. Ao todo, 15 Estados brasileiros registraram mobilizações semelhantes, cuja pauta não envolve reivindicações tradicionais da categoria, como questões do frete e redução no preço dos combustíveis e, sim, reverberam bandeiras do presidente Jair Bolsonaro, como "fim da ditadura do Supremo Tribunal Federal" e apoio ao Marco Temporal em relação às terras indígenas (devem ter direito às terras consideradas ancestrais somente os povos que as estivessem ocupando no dia da promulgação da Constituição Federal). Há também bandeiras regionais, como crítica ao ICMS cobrado dos combustíveis das mobilizações gaúchas.
Caminhoneiro há 28 anos, Adelar Toigo não esconde a frustração da baixa adesão à mobilização por parte do que chama de "pessoas do Facebook".
— Cada um olha pro seu próprio cafezinho. Enquanto estamos aqui desde domingo, fora de casa, os outros não estão nem aí, ganhando o dinheirinho deles. Nós não. Esses do Facebook não são os caras que batalham com nós, com pessoas assim não se conta — lamenta.
É por meio da paralisação das rodovias que acredita ser possível reivindicar. Tentam replicar os efeitos da histórica greve de caminhoneiros, em 2018. Assim, questiona movimentos que se atêm a passeatas ou carreatas pela cidade.
— Pessoal que estava no Facebook, lá na praça, adianta alguma coisa? Adianta os caras desfilar domingo com trator e tal?
O núcleo de paralisação acaba não tendo contato com os demais devido ao pouco alcance do sinal de internet na região, portanto, não sabem muito bem o que acontece nos outros acampamentos. Até porque, admite ele, o movimento não se articula sozinho, e sim responde a instâncias superiores:
— Temos gente em Brasília, não estamos aleatórios. Mandaram a gente bater o pé aqui. Pediram pra nós segurarmos dois dias, que a coisa ia mudar. Era para ter as atitudes "lá em cima" ontem (quarta) já — diz Adelar.
Questionado ao que se referia com "atitudes lá em cima", ateve-se a responder "o que é bom para o país". Insistindo o que significa na prática, explicou as principais demandas:
— O voto auditável e pelo menos dois ministros do STF caírem lá, que é os que estão atrasando o país.
SEM LIGAÇÃO COM ENTIDADES
O organizador do movimento disse que a mobilização não possui nenhum vínculo com entidades de classe que representam a categoria, seja em nível trabalhista ou patronal.
Grande parte dos representantes de sindicados e associações consultadas por GZH também negaram apoio às paralisações e, inclusive, não recomendaram a participação nos atos e que a orientação para a iniciativa teria iniciativa do setor do agronegócio e de lideranças políticas.
Sem partido, como o presidente
Adelar Toigo é categórico em afirmar que não se trata de mera defesa do presidente Jair Bolsonaro. Reafirma a inexistência de bandeiras partidárias, o que não necessariamente descarta a vinculação política. Afinal, o próprio Bolsonaro não possui filiação atualmente. Ainda assim, apesar de negar que a paralisação tem como principal mote o apoio ao presidente, não nega o respeito e admiração pelo chefe de Estado.
— O Bolsonaro é um líder que está na nossa frente, que nós nunca tivemos, só tivemos bandidos antes. Ele está a nossa frente e temos de respeitar isso.
A convicção dos defensores da pauta bolsonarista destoou do próprio originário da causa. Na tarde desta quinta, Bolsonaro divulgou uma nota afirmando que não teve a intenção de agredir quaisquer dos poderes e que divergências decorrem das decisões adotadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news. Bolsonaro recuou e disse que as ameaças contra o STF na última terça foram proferidas "no calor do momento".
"Se precisar ficar um mês, vamos ficar"
Organizador de um dos núcleos de mobilização em Caxias, Adelar Toigo explicou a operacionalidade e perspectivas do movimento. Confira trechos:
Como resumir a causa que vocês estão lutando?
STF. A partir do momento que o STF sair fora... Não estamos em partido nenhum, nossa bandeira é brasileira. Infelizmente, pessoal não entendeu nosso recado.
Há críticas quanto às bandeiras defendidas, tanto desse movimento quanto dos protestos de Sete de Setembro. Contestam não abordarem causas sociais, como desemprego, custo de vida, do combustível? Esses assuntos estão na pauta de vocês?
O preço da gasolina tem de falar com o nosso governador. O imposto é do Estado, não do presidente da República. A mídia só culpa ele, por que ninguém fala do governador? Os 22 governadores que estão batalhando contra ele e mais 11 ministros, só batem em cima do presidente.
Até quando pretendem ficar mobilizados?
Se precisar ficar um mês, vamos ficar. Quem vai mandar é lá em cima, só quando disserem "desmobiliza".
E se nada acontecer?
A ideia é ficar aqui. Nos fins de semana, a tendência é o pessoal aderir.
O senhor tem envolvimento com a política?
Sempre me envolvi. Eu elegi uma vereadora ano passado. A Tatiane Frizzo, fiz voto pra ela. Na época da campanha do Bolsonaro, ele estava em cima da minha caminhonete, com meu chapéu. Levamos ele para vários lugares da cidade.
Está satisfeito com o Governo Bolsonaro?
Ninguém é perfeito. Só que uma pessoa que é batida em cima todo dia não pode ser normal. O vice dele é o pior opositor dele hoje. Ele não tem Exército na mão, ele tem a Marinha. O Exército é do Mourão, que não se envolve, tá em cima do muro.