As peças publicitárias da prefeitura de Caxias do Sul, veiculadas em meios de comunicação e estampadas em out- doors, estações do transporte coletivo e traseiras dos ônibus (os busdoors), têm sido alvo de fortes críticas da oposição e de questionamentos de caxienses, a partir dos números e dados mostrados. Nem mesmo o anúncio que mostra um médico consultando um paciente sem colocar o estetoscópio nos ouvidos foi poupado pelos opositores do governo do prefeito Daniel Guerra (PRB).
As propagandas que falam da manutenção de 8 mil quilômetros de estradas do interior e da compra de 1,3 mil vagas na Educação Infantil são algumas que levantaram dúvidas. Tanto que o vereador Rafael Bueno (PDT) apresentou um pedido de informações, aprovado na sessão representativa da Câmara da última terça-feira, sobre os gastos com publicidade e dados veiculados nos comerciais da administração municipal.
– Oito mil quilômetros de manutenção de estradas? Até Lisboa (capital de Portugal), tem 7 mil quilômetros – ironiza.
O parlamentar diz ter estranhado números, por exemplo, como os R$ 22 milhões para a Segurança. O valor, segundo ele, não consta no Portal da Transparência da prefeitura. A reportagem consultou o site e encontrou um valor pago na Secretaria de Segurança, até dezembro, de R$ 24.553.032,88.
Mas, de fato, o que incomoda a oposição é a mudança de discurso do prefeito. Quando vereador, Guerra criticava o uso dos recursos públicos para publicidade. Bueno recorda que ele costumava dizer que, quando uma gestão faz, a própria população propagandeia.
– Ele fala uma coisa e faz outra. Nós vamos esperar a resposta (da prefeitura) e encaminhar ao Ministério Público para que ele tenha zelo com o dinheiro público – finaliza Rafael.
As peças publicitárias abordam seis áreas: educação, saúde, infraestrutura, causa animal, segurança e assistência social. Elas estão sendo veiculadas em jornal, rádio e TV, em paradas de ônibus, nos veículos do transporte coletivo e em outdoors.
"Obrigação legal e um dever do administrador"
No material de divulgação da campanha publicitária, enviado à imprensa em 11 de dezembro, o prefeito diz: “A prestação de contas é uma obrigação legal e um dever do administrador público. Gastamos o mínimo possível em respeito à população, que merece responsabilidade com o dinheiro público, mas também precisa saber o que está sendo feito com ele para o seu próprio benefício. Essa relação de transparência é um compromisso nosso e que é uma das marcas do nosso governo.”
O total gasto nas peças ainda não está fechado. Segundo a assessoria de comunicação da prefeitura, ainda há valores sendo empenhados. A previsão é de que se tenha o valor final até metade de janeiro. O único custo divulgado até agora é o de compra de mídia: R$ 223 mil.
Neste ano, sem considerar a atual campanha publicitária de prestação de contas, a prefeitura gastou R$ 126.730,48. Esse valor inclui, por exemplo, a publicidade legal. Administração direta (prefeitura), indireta e Câmara de Vereadores gastaram, até agora, R$ 1.183.623,41. Somente o Legislativo, R$ 948.122,21.
Média precisa ser de 35 km por dia
Como 8 mil quilômetros de estradas do interior receberam manutenção neste ano se Caxias tem apenas 3 mil quilômetros de vias na zona rural? Essa é a pergunta que muitas pessoas se fizeram nos últimos dias após ver a peça publicitária da administração municipal que destaca a ação do governo Daniel Guerra em meios de comunicação, outdoors e ônibus do transporte coletivo.
A explicação do secretário municipal de Obras e Serviços Públicos, Leandro Pavan, é de que a manutenção foi feita mais de uma vez em muitas das estradas. Considerando os dias da semana, sem sábados, domingos e feriados, é como se 35 quilômetros de estradas tivessem recebido manutenção por dia de janeiro a novembro de 2017.
– Em algumas, a cada 15 dias precisa patrolar e colocar cascalho. Tem estradas mais acidentadas, onde passam muitos caminhões. Forma caneletas nelas e os caminhões não conseguem tracionar. A manutenção tem a ver com topografia e o fluxo de veículos – justifica Pavan.
A estrada de Sebastopol, entre os distritos de Santa Lúcia do Piaí e Vila Cristina, é uma das que exige manutenção constante, segundo o secretário. Ele diz que o terreno é “muito macio, com poucas rochas”. Daí a necessidade de patrolar e espalhar cascalho com mais frequência.
Pavan também cita as estradas de Fazenda Souza e a da localidade de Tabela, entre Vila Oliva e Santa Lúcia do Piaí, como problemáticas. Em função do grande movimento de caminhões, que escoam a produção de hortifrutigranjeiros, elas precisam de manutenção repetidas vezes.
– O bom seria asfaltar essas estradas, mas não temos recursos para isso – diz o secretário.
De acordo com Pavan, a administração utiliza maquinário e mão de obra próprios para a manutenção. O custo é com diesel, que o secretário não soube precisar. Se tivesse que contratar pessoal e equipamentos, o gasto seria seria R$ 3 mil por quilômetro recuperado.
Menos da metade das vagas
Em uma das peças publicitárias, a administração comemora a compra de 1,3 mil vagas na Educação Infantil de Caxias. O investimento de fato foi feito. Só que a afirmação soa como uma ilusão, já que, até o momento, a população usufrui pouco mais de 31% do benefício. Isso porque apenas 412 crianças que haviam ficado de fora da lista de matriculados em creches no último ano foram, efetivamente, destinadas a uma escola.
A demora na destinação das vagas é justificada pelo processo cheio de detalhes que ocorre desde o momento em que o lugar é comprado até o chamamento das famílias cadastradas. Até o dia 20 de dezembro, 795 crianças que estavam na fila de espera foram atendidas. Porém, depois da conversa é preciso analisar questões de zoneamento, que envolve a proximidade da casa com a creche designada, além de outros pontos específicos de cada família. A intenção da Secretaria da Educação é de disponibilizar as demais 888 vagas até fevereiro de 2018, quando se inicia o próximo ano letivo.
A realidade das famílias também aponta para outro problema esquecido na propaganda fixada em vários pontos da cidade: aproximadamente 97% das vagas compradas são referentes ao turno parcial. Ou seja, pais e mães ainda precisam abrir mão de um emprego para cuidar dos filhos em algum período do dia. No início deste ano, quando as aulas já haviam começado, 6.159 crianças ainda aguardavam na fila. A maioria delas estava em busca de uma vaga em creches. O restante era de alunos com idades entre quatro e cinco anos, dos quais o município tem obrigação de oferecer uma vaga, conforme determina a Resolução 5 da Lei nº 4.024.
Para sanar o déficit, que é histórico em Caxias, a prefeitura lançou um edital na busca de escolinhas particulares interessadas em vender vagas para o município ainda em abril. Só que a baixa procura das instituições atrasou a tentativa de zerar a demanda de crianças fora da sala de aula. Inclusive, para atrair mais escolas privadas, foi reajustado o valor da mensalidade repassado pelo convênio. No turno parcial, o pagamento passou de R$ 257,50 para R$ 406. Já no integral, o valou subiu de R$ 515 para R$ 558. Com isso, dezenas de creches manifestaram interesse e apresentaram documentação suficiente para serem conveniadas.
Inicialmente, conforme a prefeitura, com a compra das 1,3 mil novas vagas, serão contempladas crianças entre zero e cinco anos que estavam na fila de espera ou em processo judicial. A distribuição total deve ficar da seguinte forma: 300 reservadas para crianças de zero a um ano e 11 meses; 400 para atender a crianças de dois a três anos e 11 meses; e 600 vagas distribuídas para crianças entre quatro e cinco anos e 11 meses.