
É oficial: os registros de estelionatos, os populares golpes, estão em queda nas delegacias da Serra gaúcha. Nos últimos três anos, o percentual de casos diminuiu em 14%. Os dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-RS) mostram que os registros em todos os municípios da região partiram de 11.467 (2022), reduziram para 10.792 (2023) até caírem para 9.829 (2024).
A redução também é observada entre os municípios com mais registros. Em 2022, Caxias do Sul teve 5 mil casos de estelionatos. O número caiu para 4,2 mil no ano passado. Bento Gonçalves registrou 1,2 mil golpes em 2022, com queda para 1,1 mil em 2024. Em Farroupilha foram 797 foram ocorrências de golpes em 2022. No ano passado, o número diminuiu para 678.
As impressões sobre o que motivou a queda são unânimes entre os delegados regionais: ações da polícia para desmantelar grupos estelionatários, conscientização da população e subnotificação.
— As campanhas da polícia estão surtindo efeito. As pessoas estão mais esclarecidas sobre os golpes, sobretudo os mais batidos: o conto do bilhete, o golpe dos nudes e o golpe dos familiares pelo WhatsApp. Mas nós ainda temos a subnotificação, principalmente quando o golpe não dá certo e a vítima não tem prejuízo. Nesses casos as pessoas não registram o boletim, mas o caso continua sendo um golpe, porém tentado — explica o delegado regional de Caxias do Sul, Augusto Cavalheiro Neto.

Ao mesmo tempo em que a população tem conseguido identificar com mais facilidade os tradicionais conto do bilhete e golpe dos nudes, novas formas de estelionato têm surgido nas delegacias regionais – e todas têm o ambiente virtual como principal canal.
Segundo Cavalheiro, as redes sociais são um espaço favorável à aplicação dos golpes por duas razões simples: ampliam o alcance às vítimas e dificultam a identificação dos criminosos. Em muitos casos, os golpistas utilizam informações compartilhadas pela própria vítima para elaborar o estelionato.
— A escolha da vítima é feita pela internet. Os criminosos observam os perfis, buscam fotos dos filhos, de familiares, do local de trabalho e usam isso para extorquir. Quanto mais as pessoas ostentam sinais de riqueza pelas redes sociais, mas sujeitas elas ficam a esse tipo de crime. Por isso é importante saber com que nos relacionamos no meio virtual, quem são as pessoas que têm acesso a essas informações que a gente compartilha — pontua.
Conforme o delegado, os golpes de extorsão, em que os criminosos ameaçam sequestrar parentes, colocar fogos em casas e até mesmo destruir estabelecimentos comerciais, estão os mais frequentes em Caxias do Sul nos últimos anos. A investigação, que por abordar crimes digitais já é mais burocrática, se torna complexa porque envolve golpistas fora da região e, em muitos casos, de outros Estados.
Nesse sentido, a criação do Departamento de Crimes Informáticos, em Porto Alegre, ocorrida em janeiro deste ano, chega para prestar suporte a todas as delegacias do Estado, inclusive as da Serra. A equipe irá atuar em investigações no ambiente virtual, colaborando com diferentes regiões para identificar e prender golpistas.
Cuidado com o lucro fácil

Para o delegado Ederson Bilhan, titular da 1ª Delegacia de Polícia de Bento Gonçalves, as operações de repressão aos golpes foram fundamentais para a queda dos registros. A ação conseguiu desmantelar esquemas que envolviam falsas delegacias, um golpe comum até pouco tempo.
Mas, apesar da queda no total de registros, estelionatos em novos formatos têm se tornado mais frequentes em Bento Gonçalves. Os casos mais recorrentes envolvem investimentos financeiros com promessas de lucro acima da média do mercado e a venda de veículos nas redes sociais com falso intermediário.
— No final, o objetivo dos criminosos é sempre obter dinheiro. Mas a vítima, na ânsia de ganhar valores de forma fácil, não toma os devidos cuidados para saber se a proposta é verdadeira. Nesses casos, o estelionato é movido por um único fator: o desejo de lucro da vítima, que acaba entregando valores de forma voluntária. Se a vítima não colabora, não tem crime — pontua.
Nesse sentido, o delegado enfatiza que checar a veracidade da promessa ou levar o caso na polícia antes de fazer qualquer pagamento é determinante para evitar cair em golpes.
Atenção ao cotidiano

Desconfiar da urgência imposta em situações atípicas, como familiares solicitando dinheiro ou cobranças inesperadas, é o que tem auxiliado a reduzir os golpes em Farroupilha. Segundo o delegado Fernando Cruz Alexandre, todas as campanhas de conscientização realizadas na cidade buscaram alertar os moradores nesse sentido.
— O grande risco do golpe é pegar a pessoa na correria do dia a dia. Quando a pessoa está cheia de compromissos, pensando no que precisa fazer depois, é o momento de maior fragilidade para cair no estelionato. Vem a ansiedade, a pessoa não para pensar na situação e, quando vê, se torna vítima — comenta.
Segundo o delegado, o sentimento de culpa das vítimas é um dos fatores que influenciam na subnotificação. Contudo, a migração dos golpes para o ambiente digital mudou o perfil dos alvos. Se antes o foco era idosos e pessoas que não dominam as redes sociais, hoje qualquer pessoa pode ser vítima de estelionato.
— A ação dos criminosos tem ido muito além de classes sociais ou grupos específicos. Qualquer pessoa que não toma cuidado com as propostas fáceis, mensagens e ligações estranhas, pode cair em golpes.
A cidade zerada

Há três anos, Pinto Bandeira segue como o único da Serra Gaúcha a não registrar casos de estelionato. Além da conscientização dos moradores, outro fator é essencial para manter a marca zerada: a cultura local.
— O município tem uma população relativamente pequena e uma forte cultura comunitária. As pessoas se conhecem e estão atentas a possíveis ameaças. Isso dificulta a atuação de criminosos que dependem do anonimato e da desatenção das vítimas — explica o delegado Rodrigo Veiga Morale, titular da 1ª Delegacia de Polícia de Bento Gonçalves, que responde por Pinto Bandeira.
Contudo, a polícia segue vigilante, sobretudo devido aos casos de subnotificação, que, segundo Morale, também são influenciados pelo constrangimento de ter sido vitimado. Apesar da situação, o delegado orienta para que o registro seja feito na Polícia Civil, para que os policiais tomem conhecimento das práticas que os criminosos estão usando.
Golpes mais frequentes e o que fazer
Nudes: não realize pagamentos e registre boletim de ocorrência de forma online ou na delegacia mais próxima.
Familiares no WhatsApp: confirmar com a pessoa que supostamente enviou mensagem se a situação é verdadeira. Caso contrário, não realizar pagamentos e registrar boletim de ocorrência.
Bancos: não informar dados pessoais ou senhas. Contate seu banco para se certificar de que foram funcionários do local que entraram em contato. Registre boletim de ocorrência.
Advogados: não informe dados pessoais ou informações sobre processos. Contate seu advogado para se certificar da situação. Registre boletim de ocorrência.
Vendas online: conferir se o site em questão é o oficial. Em caso de negócios em marketplaces informais, se certificar do negócio com o comprador/vendedor. Efetue pagamentos apenas na presença da pessoa. Guarde comprovantes de pagamento e prints de conversas. Registre o boletim de ocorrência.
Vendas por redes sociais: se certifique que a pessoa que está anunciando os itens é de fato a vendedora. Faça pagamentos apenas na presença do vendedor/comprador. Guarde comprovantes de pagamento e prints de conversar. Registre boletim de ocorrência.
Investimentos financeiros: desconfie de propostas que garantem rendimentos acima do mercado. Pesquisa sobre o tema antes de fechar negócio. Guarde prints de conversas. Registre boletim de ocorrência.
Ameaças com familiares: bloqueie o contato que está lhe ligando ou mandando mensagens. Busque conversar com o familiar supostamente envolvido para verificar a situação. Guarde prints das mensagens ou grave as ligações. Não faça pagamentos. Registre boletim de ocorrência.
Ameaças com casa/ambiente de trabalho: bloqueie o contato que está lhe ligando ou mandando mensagens. Não faça pagamentos. Em muitos casos, os criminosos usam imagens de redes sociais ou do Google para infligir medo. Registre boletim de ocorrência.