Caxias do Sul foi a cidade gaúcha que teve o maior aumento no número de flagrantes por tráfico de drogas neste primeiro semestre. As ocorrências passaram de 117 no ano passado para 238 neste ano, na comparação entre os primeiros seis meses de cada período. São 121 ações policiais a mais, o maior crescimento no Rio Grande do Sul. A média é de 1,30 prisão por dia. O resultado é mais de 1.873 quilos de drogas interceptados pelas forças policiais.
As lideranças policiais não acreditam que tenha aumentado o volume do tráfico na cidade, mas relatam que a circulação das drogas ficou mais visível. A pandemia de coronavírus seria uma explicação. Ao ter menos opções de lazer e ficar mais tempo em casa, os usuários consomem mais drogas. Com menos pessoas e veículos nas ruas, a movimentação de usuários e traficantes chama mais atenção. Apesar de não existir um comparativo, os policiais relatam que aumentou o volume de denúncias. O serviço de inteligência da Brigada Militar (BM) recebe uma média de 50 informações sobre crimes por dia.
Esses seriam fatores estaduais, onde ações contra o tráfico cresceram 15%. Só que, em Caxias do Sul, o aumento foi de 103%. Um dos pontos seria a criação do 4º Batalhão de Choque no final do ano passado, que trouxe mais 110 PMs na cidade. A tropa possui uma atuação regional, mas reforçou suas ações no município a partir de abril, quando os homicídios tiveram um pico. Os pelotões, que estavam em missão preventiva contra roubos a banco em pequenos municípios da Serra, retornaram para conter as disputas entre facções na maior cidade da região, que tiveram uma troca de lideranças detectada no sistema prisional.
— Como é que se previne homicídio? A análise qualitativa de quem são as vítimas de homicídios aponta para pessoas com antecedentes criminais e relação com drogas. São disputas entre eles. A atuação é porque o tráfico e a circulação de armas estão relacionados. Não existe um ponto de tráfico se não tiver um "segurança" com uma arma. A prevenção de homicídios está diretamente relacionada com o aumento das prisões por tráfico — afirma o capitão Amilton Turra, subcomandante do Choque, destacando que 63 armas de fogo foram recolhidas pela tropa no semestre.
"Agora temos esta mão de obra disponível"
No total, a BM retirou mais de 101 quilos de drogas das ruas em Caxias do Sul. A estratégia é monitorar os usuários utilizados para fazer o leva e traz das drogas nos pontos de vendas. A busca é pelo fornecedor, que se esconde em algum imóvel próximo com uma maior quantidade de drogas. Para essa missão, a BM conta com os agentes de inteligência: policiais que atuam discretamente na coleta e análise de informações.
— Existem muitas denúncias e estamos sempre apurando. O tráfico é um crime permanente, então é mais fácil a percepção. Só que não adianta pegar um "aviãozinho". Se fechamos uma biqueira pequena hoje, amanhã já está aberta de novo. É preciso buscar a origem desta droga. É um trabalho que demanda mais tempo e, agora, temos esta mão de obra disponível — explica o major Flori Chesani, da Agência Regional de Inteligência, instalada no ano passado e vinculada ao Batalhão de Choque.
Avaliação semelhante é feita pelo 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM), que tem a responsabilidade territorial por Caxias do Sul. Ao realizar investidas contra pontos de venda, os policiais militares também estão desestimulando outros crimes que acompanham as drogas, como receptação de produtos furtados e roubos de carro. Periodicamente, são planejadas rotas de patrulhamento para colocar os PMs nos locais e horários em que mais acontecem crimes, o que é demonstrado estatisticamente pela ferramenta de análise das ocorrências, o programa Avante.
— As prisões são as mais variadas e também a quantidade de drogas. Nossa missão é não deixar que pontos de tráfico prosperem ou se pulverizem. Para isso, atacamos em vários frentes e tentamos manter um controle da situação. São atividades pró-ativas, desde receber denúncias, ao trabalho de inteligência e a prisão pelo policiamento ostensivo — explica o major Márcio Leandro da Silva, subcomandante do 12º BPM.
Com a média de mais de uma prisão por dia, a tendência é que 2020 termine com mais 400 ocorrências, o que pode significar o maior número de prisões por tráfico dos últimos 10 anos. Os 238 flagrantes nos primeiros seis meses já são maiores que o número total de ações em quatro anos desta década.
Foco é nas rotas e nos gerentes do tráfico
Um exemplo da atuação policial contra o tráfico de drogas é a Operação Nirvana, deflagrada pela Polícia Civil nesta segunda-feira (20). A investigação iniciou com uma denúncia anônima sobre um imóvel que era utilizado para guardar drogas no bairro Jardim das Hortênsias. Os agentes da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) confirmaram a veracidade das informações e apreenderam uma mala com sete quilos de maconha no local.
O primeiro mandado de busca foi cumprido no dia 4 de maio. Ninguém foi preso naquela ação, mas a investigação prosseguiu e, 10 dias depois, um motorista do grupo criminoso foi perseguido e preso em Arroio do Sal, no Litoral gaúcho. Ele portava uma pistola e meio quilo de maconha. Na fase final da operação, a Polícia Civil cumpriu três prisões preventivas nos últimos cinco dias. As buscas foram realizadas nos bairros Jardim das Hortênsias, Serrano e Petrópolis.
O delegado Luciano Righes Pereira afirma que, nestes dois meses, foi possível mapear o modelo de atuação do grupo criminoso. Eles traziam as drogas de Santa Catarina e as escondiam em imóveis do Jardim das Hortênsias, que servia de base para a quadrilha. De lá, a droga era distribuída para diversos bairros. O chefe da Draco explica que o líder do grupo agia como um gerente do tráfico, um posto intermediário entre os grandes fornecedores e os pequenos traficantes que fazem as vendas nas ruas.
— É uma associação criminosa, a droga era trazida de carro por esse fornecedor que prendemos em flagrante. Os outros investigados atuavam na distribuição na cidade e na venda das mais diversas formas. A investigação continua, por isso não divulgamos o número de (membros da quadrilha) foragidos.
Por vezes, esse trabalho de inteligência policial aciona a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Entre Vacaria e Caxias do Sul, a delegacia local é responsável por fiscalizar uma das principais de entrada ao Rio Grande do Sul, a BR-116. A rodovia faz parte de uma antiga rota do tráfico, que vem do Paraguai e segue até Porto Alegre.
É monitorando veículos suspeitos que os agentes federais são responsáveis por apreender as maiores cargas de drogas. No dia 29 de maio, uma tonelada de maconha foi apreendida em um caminhão de mudanças. O motorista de 51 anos, natural do Paraná, afirmou que a carga seria entregue no Vale do Sinos.