Na terça-feira (10) uma advogada de 38 anos viveu um pesadelo em pleno meio-dia no centro de Caxias do Sul. Um ladrão com uma faca invadiu a sua camioneta e fez ela e o filho de oito anos reféns. Felizmente, depois de 30 minutos rodando pela área central, a advogada e o filho foram liberados sem nenhum ferimento (confira entrevista abaixo). O relato assustou por escancarar os riscos que a comunidade está exposta. Por outro lado, a resposta policial também aconteceu e revelou mais uma vez um problema social que precisa ser melhor enfrentado: as drogas.
Menos de quatro horas depois, o Jeep Renegade foi localizado por policiais militares na Rota do Sol e Ronei Sieg Dornelles, 41 anos, foi preso em flagrante. Os relatos iniciais apontam que ele é mais um dependente químico que se arrisca em crimes violentos para saciar o vício.
A falta de experiência do criminoso é percebida em sua ficha — possui três antecedentes por furto qualificado — e pelo seu modo de ação. Dornelles ficou horas dirigindo sem saber que destino dar a camioneta ou que este tipo de veículo possui GPS, o que facilitou a sua prisão.
— Não é (um crime) prático, foi algo da circunstância. É o que acredito, inicialmente. Talvez tivesse uma encomenda deste veículo. Ele viu uma oportunidade e a facilidade maior era levar a vítima junto, ou ela poderia, no meio do público, chamar atenção e acionar a polícia — analisa o delegado Adriano Linhares.
A motivação do crime pela droga foi admitida pela defesa de Dornelles. O advogado Erivelto Antão Ferreira afirma que seu cliente não é uma pessoa violenta, mas provavelmente teve uma recaída na sua dependência química.
— Não tem como ele não admitir (o roubo). O Ronei está doente. Tem problema com dependência química e acredito que estivesse num surto, tanto que não conseguiu dar depoimento na polícia e a audiência de custódia foi marcada para amanhã. É uma pessoa que trabalha, não é violenta, tem boa família e cuida dos filhos. Ele não precisaria disso e não é o perfil dele. Ele esteve internado numa clínica e não faz um mês que saiu — aponta o advogado.
Roubo de carro com reféns não é comum
Caxias do Sul registrou 268 roubos de veículos entre janeiro e julho deste ano, conforme dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP). A média de nove assaltos por semana pode ser considerada alta, mas é a menor dos últimos quatro anos. O chefe da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) ressalta que este tipo de assalto levando reféns não é comum em Caxias do Sul.
— Foi um fato mais excêntrico, não costuma acontecer desta forma. E não pode ser regra também, ou iremos parar tudo e resolver. Como acontece com crimes de sequestro, tratamos com prioridade altíssima a prisão de um criminoso deste tipo de violência — afirma.
Na manhã desta quarta-feira (11), a vítima conversou com a reportagem do Pioneiro. Confira a entrevista:
Pioneiro: Como aconteceu?
Vítima: Meu carro estava estacionado na (avenida) Júlio de Castilhos, entre a Feijó (Júnior) e a La Salle. Eram 12h33min. Lembro bem porque recém havia enviado uma mensagem ao meu marido. Embarquei pela porta do motorista e meu filho foi na porta do carona para pegar algumas coisas dele que estavam no banco da frente. No que fechei a porta, percebi que um homem entrou no banco de trás. Ele estava armado com uma faca e colocou na minha cintura, me falando para sair com o carro.
Ele queria levar vocês?
Ele não fez menção de violência física, só reiterava que queria o carro e o dinheiro. Até achei que ele pudesse ter me seguido, em função de ter saído da casa de câmbio. Mas, não, pois ele não quis os dólares. Pegou só R$ 300 que tinha na carteira. Ele nos indicou onde queria ir, era um beco sem movimento, e me mandou parar. Ele tirou o chip do celular, porque meu filho pediu por causa das fotos, nos deixou o celular e tudo mais. Levou exclusivamente o carro. E ainda me devolveu R$ 50 para pegar um táxi.
Teve medo de ser assaltada justo na rua mais conhecida da cidade?
Sabemos que é uma rota, né? Por onde passam bandidinhos e usuários de drogas e fica perigoso à noite. Mas jamais pensei que poderia passar por isso ao meio-dia em plena Júlio de Castilhos. Para ser sincera, jamais pensei que iria passar por qualquer situação dessa. Acho que isso é o que mais abalou a mim e ao meu filho.
O ladrão foi agressivo?
Não, em momento algum. Pelo contrário, víamos que estava desesperado querendo o carro e o dinheiro. Meu filho teve uma crise de pânico e ele (assaltante) tirou a faca da minha cintura. Disse que não iria colocar mais, desde que fizéssemos o que mandava. "Não vou machucar vocês. É só fazerem o que estou pedindo que não vou fazer nada com vocês". Ficamos uns 30 minutos sob posse dele e ele mostrava estar desesperado. Na delegacia, soubemos que é usuário de drogas. Ele falava um português perfeito e estava bem vestido. Se passasse por mim na rua, jamais diria que é um bandido.
Como está o seu filho?
Está em pânico. Ontem, não queria sair de casa. Estou junto com ele na aula de judô, porque ele não quer se desgrudar de mim. No trajeto até aqui, ele ficou agarrado no meu braço. Trouxe ele dizendo que não podemos ficar em casa, que o mal não pode nos vencer e temos que continuar nossa vida. Estou mais preocupada com ele mesmo.
Ser assaltada com o filho deve ser uma das piores sensações...
Eu nunca havia sido assaltada. A sensação de impotência e o medo que sentia em função dele... A minha única preocupação era não fazer nada que pudesse resultar em machucar o meu filho ou judiar ele. Várias vezes propus deixar o meu filho descer do carro, pois estávamos no Centro, ele saberia se virar. Não, a exigência era que fosse os dois.
Tem como estar preparada para uma situação dessas?
Nunca, de maneira nenhuma. Até podemos pensar, quando ouvimos histórias de outras pessoas, um milhão de atitudes que adotaríamos, mas quando efetivamente acontecem, quando um estranho entra no teu carro e encosta em ti, a violência e a impotência são tão grandes que a única coisa que tu pedes é que passe logo e acabe. Eu implorei. A única coisa que queria era sair do carro com o meu filho. Ele podia levar qualquer coisa.
Como foi a ação policial?
Só tenho a agradecer ao 12º Batalhão (de Polícia Militar). Eles foram maravilhosos. Eu nunca havia precisado e fiquei sem palavras para agradecer a todos policiais envolvidos. Em menos de cinco horas, o carro tinha sido recuperado e ele estava preso. Fiz o reconhecimento e (os policiais) foram de um trato incrível, sabendo como eu estava. Teve um rapaz, de nome André, que foi quem me socorreu na rua. Estava sozinha com meu filho e não sabia aonde estava. Agora eu consigo localizar onde estava, mas na hora não tinha ideia. Foi o André quem ligou para a polícia e para o meu marido me buscar. O meu carro era alugado, e empresa também foi imprescindível, no apoio e suporte que deram. A melhor experiência foi ver o profissionalismo de todas essas pessoas.
O que os policiais falaram sobre esta violência?
Disseram que é um viciado em drogas e os delitos que comete são para saciar este vício. Parece que este rapaz é filho de um empresário local. Ele é viciado, mas tem família e filhos. No carro, ele chegou a falar que não iria nos fazer mal porque também tinha filhos, o que foi confirmado depois pelo advogado dele. Esse tipo de crime de levar o carro com as vítimas dentro é pouco usual. A suspeita é que era uma rua muito movimentada e, se deixasse a vítima sair, poderia gritar e pegassem ele. Foi apenas para sair deste movimento. Do momento em que nos largou até ser preso, na Rota do Sol, ele passou o tempo inteiro rodando.
Como é o dia seguinte?
Confesso que não dormi. Estou com aquele "bolo" no estômago. Só não posso transparecer ao meu filho. Ele tem que entender que as coisas ruins acontecem, mas as boas prevalecem. Agora, cabe a nós administrar isso. Achei que seria bem mais fácil e sempre me achei forte. Ontem, percebi efetivamente que a vida é um cisco. A gente está cheio de planos e correndo, mas em um segundo tudo muda. Posso não ver mais os meus filhos crescerem, meus amigos ou meus pais. Isto me assustou muito. Na correria do dia-a-dia não damos a real importância da fragilidade e rapidez que tudo pode acabar. Eu vi isso claramente ontem (terça-feira) nos olhos do meu filho. O desespero de que a vida dele poderia mudar naquele momento. É isso o que não posso permitir.