A chacina que escancarou a guerra entre facções em Caxias do Sul está impune. Um ano e dois meses após um casal e dois adolescentes serem baleados e queimados no bairro Pioneiro, a Polícia Civil fechou o inquérito sem indicar a autoria do ataque. A investigação foi encerrada sem a principal prova técnica: o exame de balística que poderia apontar qual foi arma que efetuou os disparos. Devido à falta de servidores e à elevada demanda, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) não apresenta sequer um prazo de resposta. O problema se repete em diversas investigações, e a Delegacia de Homicídios tem enviado os inquéritos ao Ministério Público (MP) com esta pendência.
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O encerramento oficial das investigações sobre a chacina ocorreu na semana passada. O delegado Rodrigo Kegler Duarte afirma que não há mais o que ser apurado, principalmente diante da falta de imagens ou testemunhas do crime, uma situação que é comum em áreas onde a atuação do tráfico é intensa e intimida a comunidade.
— O resumo das testemunhas é ter ouvido os tiros e depois ver a casa pegando fogo. Ninguém viu suspeitos, carros ou qualquer outra coisa. É um caso sem testemunhas e sem nada . O que poderia resolver é a balística, mas ainda não voltou. Esta é a prova contundente que poderia resolver este caso — aponta o chefe da Homicídios.
Para o delegado Duarte, o contexto e a motivação da chacina estão esclarecidos. A residência da Rua João D'Andréa era um conhecido um local de venda de drogas sob comando de uma facção caxiense indiciada na Operação Fratelli — a ofensiva policial mapeou a organização criminosa que tem seus líderes recolhidos na Galeria A da Penitenciária Estadual do Apanhador. O ataque ao ponto de tráfico, na época, marcou a chegada de um segundo grupo criminoso, que é inspirado numa facção de Porto Alegre.
Para a Polícia Civil, os principais suspeitos são integrantes do grupo que confrontou a Brigada Militar no bairro Fátima no dia 25 de agosto de 2017, dois meses após as mortes no Pioneiro. São as armas apreendidas naquela ocorrência — que terminou com dois bandidos mortos e outros três presos — que foram encaminhadas para a comparação com estojos e projéteis recolhidos na chacina.
— Aqueles eram integrantes desta "nova facção". A principal (suspeita) é a (pistola) calibre .380 (apreendida na ocorrência). Também há o relato sobre outros dois (membros dessa facção) que estariam dizendo pelo bairro Primeiro de Maio serem os autores do ataque. Estes dois morreram em um outro confronto com a BM — relata o delegado Duarte, citando a ocorrência que terminou com quatro criminosos mortos em 23 de novembro de 2017 no Primeiro de Maio, bairro investigado como um dos domínios originais desta segunda facção em Caxias do Sul.
Solução seria criação de laboratório, mas depende de servidores
A demora para a realização de testes balísticos é um problema insistente na crise da segurança pública gaúcha. Há casos em que a espera ultrapassa os três anos. O delegado Duarte explica que, como o IGP não informa uma previsão de retorno, a Homicídios optou por dar andamento aos inquéritos.
— Quando é muito antigo, estamos remetendo sem a perícia e informando que assim que (o resultado) retornar, iremos reabrir para indiciamento. Como casos de 2014 e 2015, é o que estamos fazendo. Caso (a comparação) seja negativa, o inquérito deve ser arquivado (em razão do tempo passado) — explica o delegado Duarte.
A solução, conforme o IGP, seria a criação de um laboratório em Caxias do Sul tão equipado quanto o da Capital. A Serra é vista como ideal para iniciar este processo de descentralização da demanda, meta que é apontada há várias gestões. O primeiro passo seria, justamente, a realização da balística. O projeto conta com apoio da Polícia Civil, que oferece um estande já projetado na Central de Polícia, e da Câmara de Vereadores e do Poder Judiciário, para angariar os recursos necessários. O que falta é, justamente, o que depende do Governo Estadual: mais servidores.
— Estamos buscando a regularização do prédio da nova delegacia para organizar lá o estande de tiros. Precisamos de um "ok" da prefeitura. Este é o início. Não temos ainda os servidores, mas a previsão é que venham dois servidores novos no mês que vem e a implementação da balística é uma prioridade — aponta Airton Kramer, coordenador do IGP na Serra.
A atuação em perícias de disparo e funcionamento é um requisito para o perito. O servidor precisa ter um ano de atuação neste tipo de perícia para se qualificar e ser autorizado a trabalhar com a micro comparação balística.
Desde o início do ano, há a perspectiva de chegada de dois peritos do novo concurso e, assim, a intenção da 2 º Coordenadoria Regional de Perícias é implementar uma nova perícia na Serra: o disparo e funcionamento de armas de fogo ou a verificação de chassi de automóveis — que também possui uma longa espera.