Confira no Crônicas de Natal desta quarta-feira a história de Dalva Maria Mentta Mazzochi. A série será publicada até o dia 25 de dezembro.
Éramos seis. Pai, mãe e uma escadinha de quatro filhos: Alceu, Dalva, Amarildo e Álvaro, todos com dois anos de diferença. Morávamos em Veranópolis.
Ah, como nós amávamos o Natal. Todo primeiro sábado de dezembro saíamos com o papai mato adentro para colher o melhor pinheirinho de Natal e voltávamos com os braços carregados de barba (de pau) e musgo. Quanta alegria era montar aquele presépio no canto da sala. Tinha cerquinha de madeira e o pinheirinho era plantado dentro de um balde forrado com jornal, com todas as barbas sobre ele. Os musgos eram a grama, um pedaço de espelho simboliza os rios e a serragem, que o papai trazia da marcenaria onde trabalhava, eram as estradinhas por onde andavam os reis magos, as ovelhinhas e vaquinhas do presépio.
Ouça o áudio da carta:
Naquela mesma noite, mamãe entrava em cena e nos colocava ao redor da mesa enquanto ela escrevia num papel uma cartinha para o Menino Jesus. Era ele, o Menino Jesus, o encarregado da época para trazer os presentes de Natal lá em Veranópolis e ele vinha montado no seu burrinho. Na carta que ela escrevia e lia alto, contava ao Menino Jesus o que cada um de nós tínhamos feito de certo e de errado durante o ano e aquele momento era de muita apreensão. Ela bem que tinha avisado: a cada travessura que fizéssemos, iria chegar o momento de escrever ao Menino Jesus contanto tudo. E a hora era aquela. Meu Jesus querido, pensava eu, prometo que no ano que vem só terá coisas boas para escrever naquela carta. E assim, de repente, o papel desaparecia por encanto. Era o Menino Jesus que tinha vindo buscar a cartinha. Agora era só esperar a resposta. Quanta ansiedade.
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Também por encanto, num momento que ninguém estava atento, outro papel surgia pairando no ar, justamente quanto estávamos todos na mesa. Era a resposta do Menino Jesus. E ele escrevia pra todos. Cada um recebia um pito bem dado pelas travessuras, um parabéns pelas coisas boas e instruções de como se comportar no novo ano. Para mim, ele dizia: Dalva, tu precisa cuidar melhor dos teus dois irmãos pequenos e só pode sair para brincar à tarde depois que eles dormirem. Parabéns por ajudar a mãe a secar a louça todos os dias. No ano novo, tu será uma menina mais responsável e atenciosa. E começava a contagem regressiva para o Natal. Será que com tudo o que Jesus soube da gente ainda traria algum presente na noite de Natal?
Tínhamos esperança que sim. No dia 24, depois da Missa do Galo, colocávamos nossos quatro pratinhos junto ao pinheirinho de Natal e um pouco de pasto para o burrinho do Menino Jesus. Jurávamos que iríamos ficar acordados a noite toda esperando ele chegar. Mas nunca nenhum de nós viu nada.
De manhã, a gente voava da cama e entrava na sala com o coração na boca. Dentro dos pratinhos, tinha um brinquedinho, uma roupinha, um chinelinho pra cada um. Lembro daquela bola de plástico com manchas coloridas que eu nem conseguia segurar direito. Depois de admirar e abraçados aos brinquedos, a gente ia seguir o rastro do pasto do burrinho que ele deixava caminho afora. Como ia longe aquele burrinho... E depois, íamos conferir o que nossos vizinhos tinham recebido do Menino Jesus. Eles normalmente ganhavam brinquedos maiores, mas com certeza era porque tinham se comportado melhor o ano inteiro. E brincávamos juntos, felizes. Era o melhor dia do mundo. A gente sentia o Natal pulsando dentro da gente. Esse era o verdadeiro espírito, agora eu sei.
Dezembro de 1972: Uma coisa muito estranha aconteceu. Antes de colher o pinheirinho e antes mesmo de escrever a carta para o Menino Jesus, ele escreveu pra gente. Era um domingo à tarde e um papel branco pairou sobre nós. Mamãe alcançou rapidamente e começou a ler um pouco sorrindo, um pouco chorando. E lá estava escrito que naquele ano não era para montar o pinheirinho e sim, para encaixotar tudo o que tínhamos e amontoar na sala do presépio. Lembro que meu coração gelou e ela continuou a ler: o pai de vocês encontrou um trabalho melhor lá em Caxias do Sul. Todos vão morar lá, numa casa com banheiro dentro, por isso comecem agora ajudar a arrumar tudo. Vocês serão muito felizes em Caxias e, no próximo Natal, eu quero receber a cartinha da mãe de vocês me contando tudo o que vocês fizeram de bom na cidade grande. Não tenham medo que eu os acompanharei do céu.
25 de dezembro de 1972: foi um natal diferente. Pratinhos sem presépio, mas o Menino Jesus mandou alguém deixar um sapato e uma roupinha nova para cada um. Usaríamos no dia da mudança.
6 de janeiro de 1973: era um sábado e saímos chorando de Veranópolis. Era bem cedinho, mas os vizinhos estavam todos acordados ao redor do caminhão de mudança. Tanta coisa pra arrumar. Até as galinhas vieram na mudança. A gente até tinha esquecido o dia de Natal no meio daquele caos. No final da tarde, nossos pais nos arrumaram com a roupa nova e fomos na missa na Catedral. Mamãe explicou que, naquele dia, os reis magos foram visitar Jesus na manjedoura e levaram presentes. E que hoje, o nosso presente que Jesus estava nos dando era uma cidade nova. Depois fomos na praça e lá vimos o maior pinheirinho de Natal da vida. Tinha luzes, fitas vermelhas e os sinos da Catedral tocavam e, então, lembrei da carta de Jesus em que iríamos ser bem felizes aqui e que ele nos acompanharia do céu. Era verdade.
Dalva Maria Mentta Mazzochi, administradora de empresas.
*Crônicas de Natal é um projeto assinado por Adriano Duarte, Andressa Paulino, Juliana Rech, Luan Zuchi e Manuela Balzan.
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