São mais ou menos 2,5 mil dias e noites na companhia de uma dor no joelho desgastado. São sete anos em que conforto momentâneo é na base de anti-inflamatórios, analgésicos, fisioterapia e de um recorrente remédio popular conhecido como "esperança de que um dia tudo vai ser resolvido", no entendimento da aposentada Marilene Tedesco, 68 anos, moradora de Veranópolis.
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Na visão burocrática do Sistema Único de Saúde (SUS), Marilene se enquadra como caso não urgente e, portanto, tem condições de continuar na fila por uma cirurgia em algum hospital de referência na Capital ou em Caxias do Sul. É a mesma burocracia que desconsidera o longo tempo que já passou desde que o médico recomendou o implante de uma prótese na articulação da aposentada.
Na visão da sociedade, dos profissionais e gestores da saúde na Serra, Marilene não precisaria sofrer tanto tempo assim. Se os hospitais de Caxias do Sul e Porto Alegre estão sem vagas, a solução existe na cidade onde a mulher reside. Bastaria credenciar o hospital local junto ao SUS, tarefa que exige negociação junto ao Ministério da Saúde e uma remodelação da rede de atendimento regional.
É uma missão que está posta na mesa do próximo governo do Estado. Para quem monitora as políticas que regem o Sistema Único de Saúde (SUS), os primeiros 100 dias de gestão no Palácio do Piratini em 2019 serão fundamentais para o gestor apresentar ou ao menos sinalizar um plano que amenize o drama de pacientes em estágio de saúde fragilizado, caso de Marilene, e reforce a atenção para pessoas ainda sem sinais de doenças e, cairão na mesma armadilha por falta de um planejamento mais eficiente.
A vantagem para o próximo governador é que a sociedade traçou o rumo para reverter não só a longa fila provocada pela centralização de serviços, mas também o cenário dos hospitais endividados, a falta de leitos e outros dilemas históricos do SUS. Como diz o presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede da Serra), professor Isidoro Zorzi, não é "preciso inventar a roda" para colocar a região nos eixos.
O consenso é de que o governo gaúcho precisa apostar em 14 carteiras de projetos, o que inclui o fortalecimento em rede nas pequenas cidades, a construção de dois hospitais (um em Caxias e outro em Bento Gonçalves) e qualificar a rede de Atenção Básica, entre outros. São apontamentos do Plano Estratégico Participativo de Desenvolvimento Regional do Corede, desenvolvido em parceria com diversos setores e que está na mão de todos os candidatos a governo do Estado.
— O diagnóstico da saúde pública na Serra está pronto para o próximo governante saber para onde ir — afirma Isidoro.
Para traçar que rumos a saúde precisar tomar a partir de 2019, a reportagem consultou outras vozes que encorpam o debate a favor das soluções para fortalecer a saúde municipal, como saída para desafogar cidades como Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Vacaria. A situação do setor terciário, no caso, os hospitais, chama mais a atenção porque é onde vão desembocar os milhares de pacientes acometidos de doenças que poderiam ter sido contornadas ainda na rede de Atenção Básica.
O caso de Marilene exemplifica esse labirinto. Desde que um ortopedista encaminhou a mulher para implantar uma prótese no joelho, ela viu a qualidade de vida declinar. De tanto forçar a caminhada para poupar o enfraquecido joelho direito, Marilene teve um grave desgaste no quadril e a doença avançou para o joelho esquerdo. Neste ano, a família se viu obrigada a gastar dinheiro numa cirurgia particular de urgência para tratar o quadril. Tivesse o Estado garantido a cirurgia do joelho antes, hoje a vida da mulher seria bem diferente.
—Eu uso muleta, andador. No ano passado, fiz exames para fazer a cirurgia, passei três dias num hospital de Porto Alegre e na hora disseram que não poderiam fazer porque eu tinha uma pequena infecção. Nunca mais me chamaram — desabafa Marilene.
A Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne) identificou 2,8 mil pessoas aguardando cirurgia eletiva somente na área de traumato-ortopedia — na lista, está Marilene. A maioria precisa de intervenções no joelho ou no fêmur. A secretária de Saúde de Veranópolis, Vanessa Calioni, lembra que os hospitais da região fazem cirurgias de média complexidade na área de traumato-ortopedia, por exemplo, mas não estão autorizados a receber os pacientes do SUS. A situação também afeta diversas regiões da Serra em áreas como oncologia, neurologia e cardiologia, resultado de uma pactuação do SUS forjada há vários anos e, portanto, ultrapassada.
— Já tivemos como referência o Hospital Pompéia, em Caxias, depois passou a ser um hospital de Passo Fundo, depois veio Farroupilha e hoje estamos sem ter para onde mandar pacientes. Os hospitais locais já fazem cirurgia de alta complexidade para os planos de saúde, mas não o fazem pelo SUS pela falta de credenciamento — conta Vanessa.
A pressão, portanto, recai sobre Caxias do Sul. O Pompéia, único hospital da Serra designado para esse serviço, não consegue atender plenamente os pacientes enquadrados como não urgentes de Veranópolis, Nova Prata e entorno. E mesmo que houvesse valores maiores, o hospital jamais venceria a alta procura, alerta a Amesne.
— O Pompéia e o Geral estão com demanda crescente nessas áreas justamente pelo crescimento de doenças crônicos-degenerativas, dos acidentes. É preciso essa repactuação e reverter a média complexidade para outras referências na Serra — apela o presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul, Francisco Ferrer.
Veja as principais propostas de secretarias municipais, hospitais, entidades e outros setores para amenizar a crise da saúde pública na Serra. O material foi organizado e incluído no Plano Estratégico Participativo de Desenvolvimento Regional do Corede Serra:
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