Bruno Pereira, sócio fundador da Radar PPP, consultoria especializada em PPPs, ressalta que ao optar por uma parceria público-privada, Caxias do Sul não estaria limitando a atuação do Samae na área de sanamento básico. A gestão ainda seria do município. Entenda as vantagens apontadas por Pereira e os desafios que a cidade tem pela frente para cumprir as metas do Plano Municipal de Saneamento. O objetivo é universalizar o acesso ao tratamento de esgoto, o manejo e a drenagem de águas pluviais, o abastecimento de água, o saneamento rural e a gestão dos resíduos sólidos em até 20 anos. O maior desafio do setor é o esgotamento sanitário, que exigirá grandes somas de dinheiro público para ampliar o tratamento de efluentes até 2038.
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Pioneiro: De que forma a parceria público-privada pode fazer com que a meta de universalizar o esgotamento sanitário em Caxias do Sul seja cumprida no prazo?
Bruno Pereira: o saneamento básico no Brasil é um setor que precisa de muitos investimentos e boa gestão para alcançar a universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Se o abastecimento de água vem avançando nas últimas décadas, o esgotamento sanitário segue ainda muito atrasado. Segundo o Instituto Trata Brasil, 55% (no país) do esgoto coletado é despejado diretamente na natureza, sem tratamento. Mantendo o ritmo, demoraremos 50 anos para universalizar os serviços de esgotamento sanitário.
Trata-se de um problema muito grave, que prejudica a saúde das pessoas, a evolução das cidades, o desenvolvimento econômico e social, assim como prejudica o ambiente.
Entretanto, infelizmente, o tema não é levado muito a sério por governos e pelos cidadãos, que ainda não estão sensíveis o bastante sobre a importância de universalizar o esgotamento sanitário. Caxias do Sul coleta 80% do esgoto produzido na cidade e trata apenas 47,95%. Entretanto, a rede de coleta de Caxias do Sul acaba por misturar drenagem pluvial com esgoto, ou seja, a rede de esgoto existente precisa ser trocada por redes inteiramente dedicadas ao esgotamento sanitário. Ou seja, há muito ainda a ser feito em Caxias do Sul no tema do esgoto.
A parceria precisa ser total ou o próprio município pode limitar a participação da iniciativa privada?
As parcerias público-privadas (PPPs) e as concessões nunca são totais. O que é total é algo chamado privatização, que se materializa quando o setor público decide vender um ativo. É importante não confundir os conceitos, pois são muito diferentes. No caso da PPP de esgoto, é o setor público, no caso o Samae, que decide o objeto do contrato, os indicadores de desempenho da futura concessionária (selecionada por concorrência pública), os investimentos mínimos que devem ser feitos, as metas que devem ser alcançadas e o pagamento máximo a que a concessionária terá direito, se ficar provado que alcançou as metas, tudo de acordo com o plano de saneamento básico recentemente proposto pelo Poder Executivo e aprovado por unanimidade pela Câmara. O dilema de Caxias do Sul agora é o seguinte: dado o objetivo do plano de saneamento, de universalizar os serviços de esgotamento sanitário até 2038, como isso será feito já que, segundo dados de 2016 (previstos no plano de saneamento), o Samae arrecadou R$ 45 milhões com os serviços de esgotamento sanitário e investiu aproximadamente R$ 3 milhões no sistema de esgoto da cidade? Adicionalmente, praticamente tudo que o Samae investiu em 2016 em água e esgoto (R$ 22 milhões) foi feito com recursos próprios. Ou seja, apenas com o caixa do Samae parece que será impossível cumprir as metas do plano de saneamento básico para os serviços de esgotamento sanitário. O Samae, portanto, precisa de soluções inteligentes para financiar os investimentos e serviços necessários no sistema de esgoto e a PPP é uma solução ao dispor da cidade.
Uma PPP também é vista como algo que deve dar lucro para quem administra um serviço público. A conta de água e de esgoto não ficará mais cara?
Em uma PPP, o setor público seleciona uma empresa que vai investir capital próprio em um ativo que pertence ao setor público, que vai se endividar em bancos para realizar os investimentos solicitados pelo governo no contrato e que terá a responsabilidade de gerir vários riscos do projeto no longo prazo. É lógico que uma empresa só irá investir em qualquer negócio se houver uma perspectiva/possibilidade de ter retorno sobre o capital investido que seja proporcional aos riscos e às responsabilidades assumidas.
Isso é assim em qualquer setor, não apenas em PPPs, não apenas em saneamento. Ora, o próprio Samae tem que ser eficiente, ou seja, ter resultado financeiro positivo, para poder melhorar a sua capacidade de investimento com recursos próprios. O cidadão e as empresas apenas passarão a pagar pela tarifa de esgoto quando o serviço estiver disponível. Cabe lembrar que a receita da tarifa seguirá sendo coletada e indo para o caixa do Samae que, então, pagará à eventual concessionária da PPP de esgoto.
Agora, sobre o tema do aumento da tarifa, é importante lembrar que não há mágica. Ou seja, se a cidade quer de fato cumprir o plano de saneamento e, por hipótese, os investimentos e custos operacionais decorrentes da implantação do plano não forem compatíveis com a atual estrutura tarifária, cabe aos cidadãos e as lideranças da cidade decidirem se querem pagar um pouco mais para cumprir o plano de saneamento, se estão confortáveis em não cumpri-lo ou se preferem prorrogar a meta de universalização para depois de 2038.
É importante deixar algo muito claro: o Samae deve ser preservado. Trata-se de uma autarquia que orgulha os caxienses e um privilégio para a cidade.