Rosana Menegotto, a presidente da Fundação de Assistência Social (FAS), expôs as perspectivas da entidade com relação às condições de atendimento das casas de acolhimento de Caxias. Embora admita falhas nos serviços, ela relatou que mudanças estão previstas para melhorar o sistema, desde investimentos até alterações nas modalidades de gestão.
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Confira trechos da entrevista:
Pioneiro: Funcionários da Casa de Passagem Carlos Miguel alegam que a entidade sofre precarização desde o início do ano. Entre as reclamações, eles relatam a falta de materiais de higiene e uma suposta perseguição por parte da FAS. Qual é a avaliação do serviço atualmente?
Rosana: O problema é que a Carlos Miguel pratica o conceito de albergue e na verdade essa modalidade deixou de existir há muito tempo. A própria nomenclatura identifica como uma Casa de Passagem. Tanto não é verdade esse descaso alegado que construímos dois novos banheiros lá neste ano. Foram feitas várias melhorias que estão documentadas. Tivemos dois ou três dias sem sabonete, é verdade, mas foi providenciado. É como se fosse a rotina doméstica, tivemos uma falta temporária. E recebemos muitas denúncias sobre problemas no atendimento da casa. Uma vez a cada 15 dias somos chamados para responder ou dar informações referentes à Carlos Miguel junto ao Ministério Público. Existe sim um descontentamento muito grande dentro da entidade desde quando anunciamos que íamos trabalhar com a parceria. E precisa ficar bem claro que não é terceirização, é uma parceria. A diferença entre as duas modalidades é que temos controle nas parcerias. Os servidores que estão naquela casa ficaram de fato chateados com essa decisão, mas eles foram os primeiros comunicados, assim como os usuários, que também foram avisados num primeiro momento.
Os servidores informaram que a falta de suporte da FAS teria sido proposital para precarizar o serviço e, com isso, justificar a terceirização.
As denúncias que existem sobre o que acontece na Carlos Miguel foram o que nos fez repensar a forma de administrar a casa. Outro motivo é que a alta complexidade é vista pelos servidores como uma punição. Temos muitos protocolos de servidores dentro do RH pedindo, ou com restrições, para não trabalhar na alta complexidade. Temos um número muito reduzido de servidores que conseguem permanecer muito tempo trabalhando nesses locais. Enfim, o que mais nos motiva a mudar o sistema na verdade é não termos servidores para trabalhar lá, não termos pessoas que se disponibilizam e o fato de os próprios usuários não enxergarem a Carlos Miguel como referência de serviço. É um baque muito grande para nós os usuários não gostarem mais da Carlos Miguel. Temos inúmeras denúncias tanto no MP quanto no Alô Caxias do que acontece na casa, desde servidores mandando pessoas deixar a casa, agressões verbais, limitação de acesso à casa, problemas com equipe, situações que chegam ao ponto de irem para o MP e à própria delegacia. Não podemos ser coniventes, temos que tomar atitudes, principalmente pelos nossos usuários.
Os servidores parecem concordar com a ineficiência do Caxias Acolhe, mas disseram que não houve uma organização adequada para absorver a demanda causada pelo fechamento da casa, e que o programa SuperAção (que visa fazer a pessoa sair da condição de rua) não estaria funcionamento devido à falta de investimento.
Isso é um movimento político que está sendo criado e a gente já conhece quem está fazendo isso e não nos causa estranheza ou pânico. O que acontece é que o Acolhe não tinha nada, era uma pernoite liberada. Quando instituímos o Pop (Centro Pop Rua, que atende a população em situação de rua durante o dia) como regulador, começamos a ter controle das vagas e saber quem são as pessoas que precisam ser acolhidas, qual situação delas e o que é preciso para saírem da condição de rua. A partir do momento que tivemos uma lista, passamos a instituir planos e perfis, ou seja, regulamos o serviço. Causou estranheza porque acaba mexendo num projeto antigo e cristalizado. Sabíamos que teria impacto para a Carlos Miguel por ser a única unidade pública e existir há 20 anos. E quanto ao SuperAção, ele está funcionando, mas precisa de melhorias. Falta investimento, de fato, mas o problema é mais profundo: quando o indivíduo chega na alta complexidade, ele passa pelo atendimento básico, que acaba não sendo eficiente. Por que a gente investe tanto na alta complexidade? Porque falhamos muito na básica, não estamos atendendo como deve ser atendido, e isso parece ser histórico.
Os servidores afirmam estar adoecendo devido ao estresse. Essa condição de fragilidade é conhecida pela FAS?
Nossos maiores problemas com servidores são constatados nos abrigos e casas de passagem. Em um ano tivemos 875 Licenças para Tratamento de Saúde (LTSs) — 246 na Carlos Miguel. O servidor também está fragilizado. É, de fato, uma complexidade alta, realmente demanda esforço grande. Por isso, gostaríamos que eles compreendessem que conhecendo justamente essa realidade e pensando na valorização deles que achamos que a parceria vai permitir que possamos deslocá-los daquela função e oportunizar que eles saiam da alta complexidade e trabalhem na básica. O pedido deles está protocolado, mas eu não tenho como fazer isso se não tenho gente para colocar. Nossa intenção é destinar esses servidores à proteção básica a partir da parceria, principalmente na abordagem social, que é o que precisamos reforçar para fazermos o SuperAção funcionar, pois é o que nos falta atualmente, tanto que a Guarda Municipal é que está fazendo as abordagens noturnas atualmente, e não seria dela essa atribuição.
Os funcionários também reclamam da necessidade de terem de manejar casos de saúde, quando deveria haver um trabalho intersetorial com a própria saúde. Por que isso não é feito?
Foi outra coisa que percebemos: a própria casa não se articula com a saúde. Tanto que estamos fazendo isso agora. O novo termo de parceria tem toda a articulação com a saúde pois não é qualquer indivíduo que pode entrar na casa, precisa haver triagem por conta da saúde, do álcool e da droga. O "cara" que está sob efeito de drogas primeiro tem de passar pela saúde para depois ir para a casa. A casa não tem habilidade de manejo desse tipo de usuário.
Mas é responsabilidade da Casa articular essa relação?
Sim, ela tem um diretor, é por isso que existe o PIA (Plano Individual de Atendimento). O indivíduo tem de ser encaminhado à saúde quando necessário e a casa tem equipe técnica para isso.
E os impactos do fechamento da Celeiro de Cristo? As entidades acreditam que por mais que haja remanejo inicial, há possibilidade de não ser o suficiente. Há algum planejamento quanto a isso?
Das cerca de 20 vagas ocupadas na Celeiro, oito vamos acolher, e os demais vão ser desligados, sendo 12 que irão para outros municípios para trabalhar nas safras e alguns porque estão trabalhando e aceitaram pagar pensão para permanecer lá, uma vez que a entidade vai prosseguir com os trabalhos, mas em modalidade de casa terapêutica e de forma reduzida (de forma privada). Mas claro que sabemos que a demanda vai aumentar. Por isso pretendemos investir na ampliação da Casa São Francisco, que passará a ofertar 50 vagas — atualmente são 34. Nosso objetivo é já termos encaminhado isso antes do inverno que é quando a procura pelos serviços aumenta ou, pelo menos até lá, queremos reforçar as abordagens.
Também houve reclamações sobre os abrigos de menores, para os quais não estariam sendo oferecidas condições, e que as mudanças previstas (com a implementação da modalidade de acolhimento familiar e abertura de três novas casas-lares) podem precarizar o atendimento.
Primeiro, não haverá fechamento de nada. Estamos redefinindo a modalidade de atendimento. Atualmente há três abrigos com capacidade para 20 jovens e todos eles estão superlotados, alguns com quase o dobro. As três novas casas-lares vão nos render 24 vagas e vão resolver inicialmente o problema da superlotação dos remanescentes das demais. O abrigo é um modelo obsoleto, ninguém quer trabalhar nesses locais porque o estresse é muito grande. Sem contar que o próprio Ministério do Desenvolvimento Social indica que o sistema de acolhimento familiar é o mais adequado, seguido das casas lares e, por último, os abrigos. Não podemos ir na contramão.