A maior alegria da vida do casal Lindolfo Gomes, 41 anos, e Andreza Quissini, 20, durou um mês e 15 dias, até se transformar na maior tristeza. Moradores de Farroupilha, Lindolfo e Andreza perderam na última quarta-feira o filho Miguel, antes mesmo que ele pudesse passar por uma cirurgia de coarctação da aorta em Porto Alegre. A demora em conseguir o transporte até a capital em uma ambulância com incubadora neonatal, que precisou ser deslocada desde Torres, pode ter sido determinante para que o bebê tenha chegado ao Instituto de Cardiologia fraco demais para passar pelo procedimento cirúrgico. Por isso, a morte do menino de 45 dias não foi apenas triste, mas também revoltante para o casal, que busca os culpados.
– Estávamos com tudo pronto para levar o Miguel desde o meio-dia. Seria uma cirurgia simples, comum em prematuros. A enfermeira do Hospital-Geral (em Caxias do Sul), onde ele estava na UTI Neonatal, fez o contato com o secretário de Saúde de Farroupilha, mas ele falou que só liberaria por via judicial. A equipe do hospital conseguiu a ambulância pelo Estado, mas até ela chegar de Torres, só conseguirmos sair às 17h20min. Não deu tempo nem de fazer a cirurgia, porque o bebê já chegou com os rins paralisados. Aos poucos os órgãos foram parando, e ele faleceu na quarta-feira de madrugada – conta o pai.
A única alternativa para Lindolfo e Andreza não dependerem da ajuda do Estado seria pagar por uma ambulância particular. Porém, o custo de R$ 2,3 mil era caro demais, uma vez que Lindolfo parou de trabalhar para cuidar de Andreza durante a gravidez, considerada de risco por conta de uma doença cardíaca que a jovem enfrenta.
– Faltou boa vontade. A prefeitura não sabia nem para qual hospital o meu filho seria levado, sendo que já estava reservada a vaga havia uma semana. E o secretário (de Saúde, Roberto Luiz Sebben) disse que não poderia ter sido uma enfermeira do hospital a ter feito o pedido do transporte, que teria de ser a administração. Mas numa emergência, como ela poderia esperar por isso? Já ingressamos na justiça contra a prefeitura. Sei que isso não vai trazer o Miguel de volta, mas vai responsabilizar os culpados – afirma Lindolfo.
Transporte é regulado pelo Estado
Para o secretário municipal de Saúde de Farroupilha, Dr. Roberto Sebben, a origem do imbróglio está no mal entendimento da funcionária do Hospital Geral que comunicou à família que a responsabilidade pelo transporte de Miguel seria da prefeitura de Farroupilha. Além do município não dispor do serviço de Ambulância de Suporte Avançado, utilizado para casos de alta complexidade, mesmo que tivesse a ordem teria de partir do Estado, que é responsável por regular as transferências de pacientes de alto risco.
– Essa responsabilidade em nenhum momento cabe a Farroupilha, primeiro porque não dispomos de ambulância com serviço neonatal, nem médico para essa especialidade. Se tivéssemos fornecido o transporte e essa criança tivesse ido a óbito no caminho, aí sim teríamos culpa. Segundo, porque quem regula essas transferências e poderia fazer uma determinação superior ao município é o Estado – afirma Sebben.
O secretário também considera que em nenhum momento a criança deixou de ser assistida, e questiona se teria sido, de fato, o tempo de demora no transporte o fator determinante para o falecimento de Miguel, uma vez que a espero pelo leito em Porto Alegre foi de uma semana.
O Pioneiro tentou contato com a administração do Hospital Geral para repercutir a declaração do secretário, mas não obteve retorno. O diretor Sandro Junqueira está em viagem.
O que diz a norma
O documento que respalda a posição da prefeitura de Farroupilha, de que a responsabilidade de transporte em casos de alta complexidade é regulada pelo Estado, é a Nota Técnica do Complexo Regulador Estadual/Central de Regulação das Urgências/SAMU, datada de julho de 2013. Abaixo, confira o que diz a nota no item 1 - Solicitação:
"As transferências devem ser solicitadas ao médico regulador da Central de Regulação de Urgências SAMU 192, e devem ser realizadas, conforme Portaria GM/MS nº 2048/2002, em ambulância Tipo D _ Ambulância de Suporte Avançado, ou seja, veículo destinado ao atendimento e transporte de pacientes de alto risco em emergências pré-hospitalares e/ou de transporte inter-hospitalar que necessitam de cuidados médicos intensivos, exigindo condições especiais que não agravem o quadro do paciente. Deve contar com os equipamentos médicos necessários para esta função".
Um dos parágrafos do item 2, Etapas de Autorização do Transporte, fala que "as solicitações não devem ser provenientes de serviços localizados nos municípios de Porto Alegre, Caxias do Sul, Bagé e Pelotas, tendo em vista existência de Central de Regulação Própria nestes municípios".
Caxias do Sul dispõe de uma incubadora neonatal para remoções de pacientes, contanto que sejam moradores do município (controle feito pelo cartão SUS). No caso de Farroupilha, a regulação é feita pelo Samu Estadual, que não tem gerência sobre a unidade de Caxias.