
O que era para ser uma consulta comum se transformou em um parto às pressas de uma mulher que não sabia que estava grávida. A mãe estava de 35 semanas e deu à luz a um bebê de 2,5 quilos, há cerca de três semanas, em Farroupilha. Esta é uma das histórias mais recentes e curiosas que formam a memória da médica Marina Spricigo Crocetta, 33 anos. Pediatra, ela optou por não ter consultório próprio e atua como plantonista do Hospital São Carlos. Tempo livre de qualidade e rotina dinâmica — e cercada pela adrenalina — estão entre as justificativas comuns de quem, segundo ela, escolhe o formato de trabalho.
Natural de Santa Catarina, Marina começou a trabalhar na Serra há quatro anos, depois de passagens por Santa Maria e Mostardas — onde se dividia entre os atendimentos no sistema público de saúde e no próprio consultório. Hoje, além do plantão do hospital de Farroupilha, Marina atende a pacientes em postinhos da rede pública em São Vendelino e Nova Roma do Sul.
A pediatra diz que a escolha atual por se dedicar aos turnos de plantão está, principalmente, na identificação com o ambiente hospitalar e o estilo de trabalho.
— No hospital pode chegar qualquer problema, desde o caso mais simples, uma consulta por um nariz trancado, até o mais complexo: um acidente, uma meningite, uma convulsão. É uma adrenalina, porque quando toca o telefone e eles dizem "emergência, vem", eu não sei o que está me esperando. Cada dia é um dia diferente, tem plantão que é extremamente cansativo e existem outros muito calmos — conta.
Os desfechos das histórias que chegam ao plantão nem sempre são positivos, por isso, também é preciso ter resiliência. Marina lembra outro caso marcante, próximo ao Natal do ano passado. Uma criança de nove anos que chegou comunicativa ao hospital, mas cujo quadro evoluiu rapidamente ao óbito. Exames posteriores indicaram hantavirose, enfermidade que é transmitida por roedores infectados e pode levar à morte em 72 horas.
— Era uma doença que até então eu só tinha visto em livros — diz a médica.
Para além da rotina agitada, que também inclui a sala de parto do hospital, está algo que Marina aprendeu a não abrir mão nos últimos tempos: o horário de descanso, longe do celular. Embora não seja obrigatório, é comum que pediatras forneçam o número particular para as famílias que fazem o acompanhamento em consultório. A disponibilidade online, no entanto, não está nos planos da médica atualmente.
— É a qualidade de vida que estou priorizando — comenta a pediatra.
E como é a rotina e o retorno financeiro?
Os plantões de Marina, por exemplo, podem variar de seis horas a 24 horas. Nos hospitais, normalmente, os médicos têm um quarto e chuveiro à disposição, onde podem descansar e tomar banho, principalmente nos períodos em que passam mais tempo no hospital.
Em Farroupilha, onde Marina trabalha, o espaço ainda é equipado com geladeira e microondas para aqueles que desejam levar comida ou pedir telentrega. Os funcionários também podem se alimentar no refeitório da instituição.
— Nós não temos intervalo. A hora que dá uma tranquilizada, paramos e comemos, tomamos banho, esticamos as pernas. Senão isso não acontece — comenta.
Questionada se os plantões valem mais a pena financeiramente do que o consultório, Marina entende que é variável:
— Se as consultas são apenas particulares, aí cada um estabelece seu preço. Temos consultas que hoje pagamos R$ 500, R$ 600 até R$ 800, como já paguei. Aí eu acho mais vantajoso. Agora se o consultório atende somente com plano de saúde, o plantão remunera melhor. Além disso, trabalhamos em horários em que o consultório estaria fechado, o que aumenta a carga horária e nosso ganho mensal — avalia a pediatra.
"As coisas têm que acontecer de forma rápida"

Na faculdade, a ideia inicial do médico Maicon Becker, 47, era seguir na área de gastroenterologia, especialidade que se dedica ao estudo, diagnóstico e tratamento clínico das doenças do aparelho digestivo. Os planos, porém, mudaram no momento em que ele fez a residência no Hospital Geral (HG), há cerca de 20 anos.
— Comecei a fazer plantão na UTI (unidade de terapia intensiva) durante a formação e isso mudou a minha concepção, a minha ideia. (A escolha) não foi pela questão do plantão em si, que faz parte do trabalho, mas na época, foi a especialidade, a terapia intensiva. É um trabalho em um ambiente fechado, mais controlado, com recursos disponíveis e com atendimento de pacientes realmente graves — detalha.
Hoje, o médico divide os turnos de trabalho como intensivista da UTI da Unimed Serra Gaúcha. O dinamismo do trabalho, que necessita de atuação rápida e atenção integral, são atrativos elencados por Becker para permanecer no plantão:
— As coisas têm que acontecer de forma rápida e temos que estar sempre muito atentos. São condutas e minutos que, às vezes, fazem a diferença para o paciente — acrescenta o médico.
A flexibilidade nos horários (com turnos diurnos e noturnos) permite Becker passar mais tempo com a família e se dedicar a atualização da profissão, com leitura de artigos ou estudos de casos que chegam à UTI do hospital da Unimed.
Para Becker, outro fator de interesse está associado à evolução da UTI. Se antigamente o espaço era visto quase como leito de morte, atualmente as evoluções da medicina e da tecnologia permitem a plena recuperação em boa parte dos casos.
— Antigamente, se tinha essa ideia de quem vai para a UTI é porque está morrendo. É uma lenda, a maioria das pessoas que vai para a UTI, sai da UTI ultimamente. O nosso objetivo é estabilizar o paciente grave ou potencialmente grave — aponta.

Embora o trabalho como plantonista gere menos vínculos do que a atuação em consultório, o destino eventualmente trata de aproximar médico e paciente. Becker lembra de um rapaz que sofreu um mal súbito na Avenida Júlio de Castilhos e recebeu o primeiro atendimento de um anestesista que passava pela rua, de carro. O caso era grave, exigiu entubação e a recuperação era vista como pouco otimismo:
— Ele ficou muito grave e a gente achou que, mesmo sendo jovem e tudo, que ia falecer. Mas não, ele foi melhorando, ao ponto de ter alta da UTI — conta Becker.
Cerca de três anos depois, em outra instituição de saúde, Becker foi abordado pelo mesmo rapaz, durante a janta, no refeitório. O paciente, com a saúde totalmente recuperada, estava acompanhando a mãe durante a internação.
— Ele me cumprimentou e me agradeceu. Se não fosse a agilidade do médico que ajudou na rua, do Samu e da nossa equipe da UTI, talvez ele não pudesse, três anos depois, estar ajudando a mãe — destaca o médico intensivista.
Em torno de 200 médicos fazem plantões em Caxias, segundo sindicato

Segundo o presidente do Sindicato dos Médicos de Caxias do Sul, Marlonei Santos, aproximadamente 200 médicos fazem plantões em hospitais do município e mais cem especialistas ficam de sobreaviso para atendimento de intercorrências. Ele aponta que não há um perfil comum entre os plantonistas:
— A preferência por fazer plantões é diversificada, dependendo da especialidade e da formação. Geralmente, o maior número de plantonistas são clínicos. Os especialistas fazem plantão de sobreaviso e só comparecem quando são solicitados para alguma urgência ou emergência. Também depende muito das oportunidades que aparecem — detalha Santos.