
As escolas estaduais da Serra gaúcha voltaram a perder estudantes nos últimos anos. Conforme dados das Coordenadorias Regionais de Educação (CREs) da região, a redução de matrículas foi de quase 11 mil entre 2018 e 2024. No fim de 2018, os 48 municípios das 4ª, 16ª e 23ª CREs tinham cerca de 77 mil alunos. No fim de 2024, o número foi reduzido para cerca de 66 mil.
A queda é ainda maior quando trata-se dos últimos 10 anos. Em 2014, a rede estadual na Serra tinha mais de 89 mil estudantes. Entre as coordenadorias, os recuos seguem uma proporção parecida.
Na 4ª CRE, que tem sede em Caxias do Sul e é a coordenadoria com o maior número de matrículas, a redução foi de cerca de 7 mil estudantes do fim de 2018 até 2024, enquanto no período de 10 anos foi de cerca de 14 mil alunos. Já na 16ª CRE, com sede em Bento Gonçalves, a queda foi de 3 mil alunos entre 2018 e 2024, e de 6 mil alunos em 10 anos. Na 23ª CRE, com sede em Vacaria, foi de mil estudantes entre 2018 e 2024, e de 2 mil entre 2014 e 2024.
A titular da 4ª CRE, Cristina da Silva Boeira Fabris, avalia dois fatores para a redução de alunos nas cidades da coordenadoria, como Caxias do Sul. No Ensino Fundamental, Cristina observa que há uma grande rotatividade de famílias chegando e deixando a região.
Já no Ensino Médio, a avaliação é de que há estudantes que trocam a escola pelo mercado de trabalho. A educadora nota esse movimento desde a pandemia:
— Nós perdemos eles para o mercado de trabalho. Então, eles foram buscar outras alternativas para terminar o Ensino Médio quando ficaram na maioridade, ou seja (sistema estadual de jovens e adultos), ejas (educação de jovens e adultos) particulares, evasão, abandono. Então, para nós, enquanto Estado, enquanto coordenadoria, é o nosso olhar.
Já na 16ª CRE, a coordenadora Iraci Vasques avalia que uma média de 16,8 mil alunos foi mantida nos últimos três anos, com a maior variação nos anos de pandemia (entre 2020 e 2022). Vasques afirma que as reduções foram por conta de outros municípios terem absorvido demanda da Educação Infantil e do Ensino Fundamental anos iniciais.
A coordenadora relata que, no caso da 16ª CRE, um aumento foi verificado em matrículas do Ensino Médio:
— Isso se deve aos programas do governo estadual de incentivo à permanência de todo Jovem na Escola, da conscientização de que a educação é prioridade e do trabalho incansável das nossas equipes escolares em realizar o acompanhamento diário da frequência desses estudantes.
Redução da população jovem
Um dos motivos para essa queda nas matrículas da rede estadual de ensino é a redução da população mais jovem, enquanto há um avanço da mais idosa. O professor de políticas educacionais da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Delcio Agliardi explica que essa realidade pode ser conferida ao comparar os dados do censo escolar com as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
— O IBGE ficou um tempão sem atualizar a amostra domiciliar. Por completo, fez isso recentemente. Nós olhamos em algumas faixas etárias uma redução do número de pessoas. Então, digamos assim, se você olhar a democracia brasileira, o encolhimento no número de nascimentos de crianças neste último período de 15, 20 anos, e você tem ali um aumento de número de idosos — explica o professor.

Por exemplo, segundo o IBGE, a taxa de fecundidade no Brasil teve redução nas duas últimas décadas. A média passou de 2,32 filhos por mulher em 2000 para 1,57 em 2023. Dentro dessa realidade, porém, existe uma outra preocupação. Como cita Agliardi, a obrigatoriedade escolar que deveria estar sendo cumprida por crianças e jovens pode não estar sendo seguida adequadamente.
— Nós temos um número enorme de estudantes do Ensino Médio da escola e quais políticas educacionais estão tentando olhar para isso. Se é o "Pé-de-Meia", se é política de bolsas, o que o Brasil vai tentar para manter essa população na escola? E o que fazer com os pais dessa população? Nós estamos falando de idade obrigatória escolar. A obrigatoriedade não tem sido obrigatória. Muitas vezes os dados nos traem porque lá no censo (escolar) é o número de matriculados, mas não significa que esse número de matriculados realmente está na escola — destaca o professor.
Agliardi observa que a situação é preocupante, especialmente para "pensar o país no futuro" ou até mesmo na profissionalização.
Necessidade de novas escolas
Mesmo que existam quedas consecutivas nas escolas estaduais, a rede pública de ensino segue com demandas recorrentes. Uma delas, como aponta a promotora Simone Martini, é a falta de escolas em determinados zoneamentos de Caxias do Sul – nesse caso, envolvendo rede municipal e estadual.
Somando as redes estadual e municipal, Caxias tem mais de 81 mil estudantes. A principal demanda está no Ensino Fundamental, em que não há vagas suficientes em algumas regiões da cidade — nesse caso, os alunos são transferidos para onde existe essa vaga. No Ministério Público (MP), o expediente sobre o tema em Caxias foi instalado em 2017. Dois casos citados são no Esplanada e no Loteamento Campos da Serra.
— Caxias já é muito mais crônica a situação porque nós precisamos de construção de escolas, especialmente no bairro Esplanada, que é desde 2017 que não tem vaga lá e os alunos ficam sendo transportados. E se insiste muito com os gestores para que coloquem nos orçamentos públicos construção de escolas — destaca a promotora.
No Loteamento Campos da Serra, a prefeitura anunciou no início de fevereiro que fará uma obra com custo de quase R$ 10 milhões, sendo $ 4,6 milhões de aporte do governo federal. Segundo o município, a Secretaria de Gestão aguardava trâmites da Caixa Federal para a assinatura do contrato e posterior ordem de início da obra.
A cidade não é a única com a demanda. Há expedientes abertos também em municípios como Bento Gonçalves, Canela, Farroupilha, Nova Prata, Vacaria e Bom Jesus.
— Conseguimos muita coisa nesse período, no sentido de fazer com que o Estado participe mais da oferta de Ensino Fundamental por território, porque apesar da Seduc (Secretaria de Educação) ter a orientação de não atender o Ensino Fundamental um, que é as séries iniciais, nós temos territórios que precisam da estrutura do Estado porque o município não consegue atender ou precisa disponibilizar transporte, o que também é custoso para as famílias, porque na verdade, a criança e o adolescente ficam no transporte escolar por um tempo e para o próprio ente público que gasta com transporte. Então nós conseguimos abrir turmas de séries iniciais em zoneamentos em territórios que o Estado não estava oferecendo — explica a promotora.
Simone detalha que houve períodos em que cidades como Bento e Farroupilha precisavam adquirir vagas de Ensino Fundamental na rede privada, enquanto em Canela havia um alto gasto com transporte escolar, enquanto havia estruturas do Estado ociosas. A promotora afirma que o trabalho teve êxito nesses territórios:
— Então a gente veio trabalhando com esse conceito e forçando tanto o Estado como o município a se organizarem melhor por territórios e ocupar esses equipamentos públicos que estão lá disponíveis para que se reduza esse transporte de alunos de um lado para outro, onerando os cofres públicos e fazendo com que as famílias consigam ter os seus filhos perto de casa, ou pelo menos a escola mais perto de casa. Ou, às vezes, fazendo um planejamento de que os pequenos fiquem perto de casa e os grandes se desloquem pela questão da segurança.
A promotora chama atenção que a situação é recorrente na Serra, mas não em outras regiões. Para Simone, pode ser um dos efeitos das migrações por conta da oferta de trabalho na região. O mesmo é visto na demanda que a Central de Matrículas recebe após o período das matrículas, especialmente de quem vem de fora do país.