
A Rua Plácido de Castro pulsou alegria e samba no pé com o primeiro desfile, em quase 10 anos, na noite deste sábado (8) e madrugada de domingo (9), em Caxias do Sul. O Carnaval de rua está de volta e foi assistido por um mar de gente com saudade de vibrar a maior festa popular brasileira. A Secretaria da Cultura informou cerca de 12,5 mil foliões presentes.
Os primeiros instrumentos soaram às 21h27min: entrava em cena a Acadêmicos Pérola Negra, cantando e dançando para Oxain, o axé da cura. O público foi junto, entoando “oferendas, orixás, o povo da mata vem cantar”, e apontando seus celulares para gravar cada coreografia. Foram 10 alas, mas quem fez a galera sair do lugar mesmo foram o mestre-sala e a porta-bandeira, em trajes azuis alusivos à Iemanjá.
— Um público empolgado, isso é muito importante na avenida para o nosso trabalho. Este desfile é diferente porque estamos acostumados a dançar para jurados, então evoluir constantemente é um desafio, tem que ter fôlego — conta o mestre-sala Renan Nunes, 23 anos, que vem do Carnaval da região metropolitana de Porto Alegre.
Não houve tempo para descanso: a Nação Verde e Branco continuou contagiando os foliões na sequência, pelas 22h35min. O tema da batucada foi a livraria Arco da Velha e o Bloco da Velha, que foram homenageados pela agremiação. Em um trecho da música principal, a bateria cessava para o público soltar a voz: "vou te encontrar, amor, no maior bloco da cidade".
Foi uma mistura de desfile com cortejo dos integrantes do Bloco da Velha, com a presença da personagem Bastiana das Dores, que animou os foliões com seu carisma.
— Hoje é mais emocionante do que o Carnaval de bloco porque é a volta das escolas de samba. Que Caxias não fique sem escolas de samba, porque Caxias tem salame, queijo e vinho, mas também tem samba, pagode e pandeiro — disse.
Às margens da avenida, o casal Marli Martins Ferreira, 62 anos, e João Antônio Ferreira, 68, aguardava ansiosamente pelo retorno do desfile na cidade.
— O Carnaval é um tributo às festas populares. O pessoal conta com nosso apoio, a valorização de um desfile de Carnaval, de uma agremiação, é a presença do público — observa o aposentado.
Em cadeiras de praia, com um cooler para bebidas, a família do pintor Fabiano da Silva, 30 anos, curtiu com vista privilegiada:
— Chegamos cedo para pegar um lugar bom, porque tem muita gente.
Quinze para meia-noite começou a brilhar as cores vermelho, preto e branco. Em tempos de Oscar inédito ao Brasil com o filme Ainda Estou Aqui, a Acadêmicos Filhos de Jardel, do bairro Jardelino Ramos, dominou a Plácido com samba-enredo voltado à sétima arte, o cinema.
— No escuro do cinema vamos viajar, sucesso na tela vai emocionar, brilham estrelas no céu, e o Oscar do carnaval vai pros Filhos de Jardel — vibraram os cerca de 170 integrantes da agremiação junto com os foliões.
Na comissão de frente, abrindo passagem, a encenação do clipe da música Thriller, do Rei do Pop, Michael Jackson. A missão de interpretar o artista norte-americano ficou com o dançarino Marcus Aurélio Alves, 45, que reproduziu passos históricos com os colegas, vestidos de zumbi.
— Sou dançarino há 37 anos, me arrepio quando visto a roupa do Michael Jackson, o coração está a mil por hora — revela.
Após isso, a aglomeração foi, aos poucos, esvaziando, afinal já era madrugada de domingo. Pena para eles, porque perderam a Unidos do É o Tchan, com um time de cerca de 300 pessoas desfilando em referência aos 150 anos do município de Quaraí. Sete alas apresentaram para Caxias lendas urbanas, tribos indígenas e outras histórias que fazem parte do município da Fronteira Oeste.
Estreante na escola de samba, Caroline Guedes, 29 anos, recebeu de cara a tarefa de cativar os foliões e carregar a imagem da agremiação como porta-estandarte.
— É um desafio muito grande, acontecem imprevistos, tem que manter o sorriso no rosto, não tem como ser diferente com esse povo maravilhoso nos acolhendo — confessa ela.
"Êêêh, salve o poderoso XV". Essa frase se espalhou pela Plácido na faixa das 2h com a apresentação da Acadêmicos XV de Novembro, do bairro Euzébio Beltrão de Queiróz, que desfilou o tema negritude.
Em 12 blocos, o XV transpirou representatividade, com alas exaltando a história dos negros, a chegada dos indígenas no Campo dos Bugres, homenagens a escolas de samba de Caxias hoje inativas e, ainda, espaço para cadeirantes do time de basquete da Associação dos Deficientes Físicos da Serra Gaúcha.
Para Cristina da Rocha, 50, ao destacar esses temas o desfile eleva a visibilidade desses públicos.
— No ano passado recomeçamos depois de sete anos. Hoje, ver a escola grande, bonita como está, é uma emoção enorme e uma honra desfilar com minha equipe de basquete.
Fechou com chave de ouro o reencontro de Caxias com o Carnaval de rua outra das tradicionais escolas de samba do município, a Associação Cultural e Esportiva São Vicente, que bradou "o quilombo que nunca se calou", com tema voltado ao continente africano, a ancestralidade e a resistência.
Em torno de 250 pessoas compuseram o espetáculo, entre elas, a porta-bandeira Cintia Machado, 43, que, após ser campeã do Carnaval de Florianópolis com a escola de samba Consulado, fez uma ponte aérea com Caxias para desfilar pela segunda vez com as cores da São Vicente.
Ela esteve na companhia do mestre-sala Leonardo Pereira, 41, e reverenciou a abordagem da agremiação caxiense:
— Esse tema aborda a África e a negritude, e também o que a gente vê sobre preconceito, sobre aceitação. A São Vicente está trazendo um tema lindo e grandioso, que deve ser sempre abordado e não esquecido.
Todas as apresentações contaram com a participação da corte do Carnaval: o Rei Momo, Diogo Braga da Rosa, a Rainha, Jéssica Jardim da Silva, e as princesas Natália Almeida Borges e Karine de Oliveira Ribeiro.
Premiação
O tradicional concurso, que ao longo da história do Carnaval caxiense escolheu uma escola de samba campeã, está previsto para ocorrer novamente em 2026.
Foi criado para a edição atual o Destaque Carnaval 2025: os presidentes das seis agremiações, com o compromisso de não votarem em seus próprios grupos, vão definir, na noite de segunda-feira (10), quem se saiu melhor em 18 categorias, incluindo comissão de frente, mestre-sala e porta-bandeira, evolução, harmonia musical, bateria e samba-enredo.