
Há 35 anos, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) finalizava o processo de tombamento de 47 edificações construídas por imigrantes italianos em Antônio Prado.
O acervo arquitetônico, formado por prédios de madeira e alvenaria ocupa as avenidas dos Imigrantes e Valdomiro Bocchese, uma homenagem àquele que foi um dos principais responsáveis pela preservação do patrimônio.

De propriedade da família Bocchese, o hoje museu e Centro de Informações Turísticas “Casa da Neni” foi a primeira construção a ser tombada puxando uma fila de outras dezenas de prédios com características próprias, e desde 1990, protegidas pelo patrimônio histórico e cultural.
O processo para que isso ocorresse, no entanto, não foi simples e concluído três anos após o início dos estudos. Centrais, os imóveis estão no que o Iphan chama de Zona de Proteção Rigorosa e diferente de outras cidades passaram a estar protegidos da especulação e valorização imobiliária.
Secretário de Turismo na época, Fernando Roveda lembra que uma associação de proprietários foi criada para buscar indenizações ou mesmo interromper o processo. Nenhuma delas foi aceita pelo Iphan.
— Houve um desentendimento e no início a ideia não foi aceita, economicamente os proprietários se ressentiram muito. Um deles inclusive entrou na prefeitura para me ameaçar porque eu organizei um folder com todas as casas e suas histórias, em 1995— recorda.
Isso porque, para reformá-las é preciso pedir autorização para o Iphan, a demolição é proibida e novas construções no terreno precisam atender a exigências detalhadas de medida e estilo. Determinações que causaram conflitos e ainda dividem opiniões.
Passadas mais de três décadas do tombamento, é a utilização dos prédios que tem dito se o processo valeu a pena. Antônio Prado é hoje uma cidade preservada, carrega o título de “A mais italiana do Brasil” e vê o turismo crescer a cada ano. Segundo a secretária municipal do Turismo, Patrícia Schenkel o aumento é de 900% entre 2019 e 2024.
— Esse conjunto (arquitetônico) não existe mais em outro lugar do país, então se torna mais importante para a nação do que para o proprietário. O próprio Iphan dizia na época que demoraria no mínimo 30 anos para reverter o pensamento. Que a geração da época não compreenderia 100% e sim os seus netos, e é o que está acontecendo. Estamos em um desenvolvimento muito crescente por ter uma relação público privada excelente com quem entende e quer investir na cidade.

Nas ruas do entorno da praça, cafés, barbearias, lojas de roupas, perfume e chocolate ocupam os casarios antigos. Na avenida, o Açougue Modelo, mantém a cabeça de vaca em concreto e que adorna a construção do final da década de 1930. O imóvel é alugado por Ismael Franceschini, proprietário do comércio de carnes e vinhos:
— A parte de baixo toda em pedra é o ambiente perfeito para abrigar as bebidas e foi o que mais me chamou a atenção quando escolhi o ponto. Antônio Prado é isso, somos a cidade que mantém a história em pé e são diversas as possibilidades de explorar essa característica.

Quase em frente ao açougue, é a associação municipal de artesãs que ocupa uma das salas da imponente Casa Grazziotin construída em 1930. De dois andares, o prédio com 15 janelas e cinco portas foi erguido para servir de residência em cima e mercado de secos e molhados no andar inferior. Atualmente recebe, de acordo com a coordenadora da associação Neura Balancelli, turistas de todo o país:
— Moro há 50 anos aqui, lembro das pessoas criticando e ainda ouço reclamações, mas essas não perceberam o bom disso, que é a vinda de turistas e que cidade ficou conhecida. Agora estamos colhendo os frutos, tem turistas todos os dias de Brasília, do Paraná, Porto Alegre e Santa Catarina, por exemplo.

Novas construções contrastam com o passado
Proprietários de terrenos onde estão instalados os prédios tombados não estão proibidos de construir novas edificações nos fundos e desde que respeitem especificações como o recuo de 10 metros entre os prédios.
Quem encarou a burocracia foi a família Vizentin que precisou de dois anos para erguer a nova construção que abriga hoje cinco apartamentos e duas salas comerciais. A arquitetura do prédio envidraçado e mais baixo que a edificação histórica de fato harmoniza com o ambiente e não agride o cenário cultural. Mas o processo, segundo a empresária Cristina Vizentin gerou muita dor de cabeça até ser concluído:
— Não sou contra o tombamento, sou contra a forma como ele é imposto que não estimula ninguém a comprar ou manter. Tudo que fizemos precisou ser autorizado, inclusive precisamos plantar uma árvore, de uma espécie já definida, são muitas normas. Quem ocupa os prédios tem que ser guerreiro.

Projeto mapeou história e criou uma maquete
Responsável por mapear os imóveis que contém, em cada um deles, placas informativas, Fernando Roveda é autor do livro Memória & Identidade. Roveda atualmente trabalha despertar nas gerações mais novas o interesse pela história preservada.
— A ideia enfrentou resistência porque a maioria dos imóveis, a não ser a prefeitura e a Igreja, eram privados. Quem tinha um terreno desses no centro, obviamente poderia se beneficiar no futuro com a valorização imobiliária. Então tomaram como uma perda — lembra.

Há 18 anos, impulsionado pela pesquisa, Roveda iniciou o projeto Nosso Patrimônio, Nossa História, que recebe estudantes com hora marcada e conta com uma maquete super-realista para explicar a história de cada uma das casas. Os alunos são convidados a montarem miniaturas das casas.
A sala de aula funciona na centenária casa azul Giácomo Grezzana, ao lado da Igreja Matriz Sagrado Coração de Jesus. Dentro dela, crianças entendem, segundo a professora Andréia Madalosso o porquê de tantas casas antigas ainda estarem de pé no centro da cidade onde moram:
— Isso não era falado nas escolas, quando eu estava por exemplo não aprendi sobre patrimônio, a gente ia aprendendo meio que sozinhos ouvindo dos mais velhos. Me sinto orgulhosa de estar contando nossa história, em outros lugares são só prédios que não tem como mostrar quem morou ali ou da onde vieram. Eu tento resgatar isso, pra quando eles crescerem saberem explicar pra quem visita a cidade.

Curiosidades do tombamento
:: Foi concluído em janeiro de 1990, depois de três anos de estudo
:: O primeiro prédio a ser tombado, em 1985, foi a Casa da Neni, que serviu de cenário para o filme O Quatrilho, de 1995
:: É considerado o mais íntegro, homogêneo e significativo conjunto arquitetônico produzido imigrantes italianos no Brasil
:: É um dos sete conjuntos tombados no Estado, junto de Pelotas, Jaguarão, Porto Alegre, Vila de Santo Amaro, em General Câmara, Novo Hamburgo e Santa Tereza
Fonte: Iphan