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Basta circular por Caxias do Sul para perceber que a cidade tem se tornado a escolha de migrantes em busca de oportunidades e segurança. Das mais de 68 mil pessoas que solicitaram refúgio ao Brasil em 2024, 406 apontaram o município da Serra como moradia. Os dados são do Sistema de Regularização Migratória (SisMigra).
Esse é o maior número da série contabilizada desde 2017 (confira os números abaixo). Cuba, com 260, lidera a lista, seguido pela Venezuela (54) e pelo Paraguai (15). Em relação à 2023, o número de solicitações de pessoas que apontaram Caxias como cidade de moradia cresceu 40,9%. Naquele ano foram 288. Porém, o SisMigra não fornece dados aprofundados quanto ao perfil dos migrantes, mas é possível identificar que 50,7% são homens, enquanto 49,2 são mulheres.
Tadeu Oliveira, coordenador do estatístico do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), que compila os dados, diz que não é possível afirmar se essas pessoas seguem morando no município da Serra.
— Caxias do Sul, como não faz fronteira, tem tendência de receber pessoas que entraram por outras cidades do país vieram para cá. Infelizmente os dados ainda não permitem afirmar se as pessoas permanecem residindo naquele local porque a mobilidade é muito grande — diz o Oliveira.
De acordo com a Lei 9474, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados, de 1951, será reconhecido o refúgio:
- Devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
- Não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
- Devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. Esse caso, atualmente, é reconhecido a países como Venezuela, Síria e Afeganistão.
O advogado e coordenador do Centro de Atendimento ao Migrante, Adriano Pistorelo, explica que, após a solicitação de refúgio, as pessoas passam por um processo junto ao governo federal, e não há um prazo para a decisão. No entanto, neste período, eles recebem uma autorização de moradia provisória no país, e têm todos os direitos de um morador. Os pedidos são analisados pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare)
— Em regra, essa análise é individual. Tu vais pedir e será analisado. Quando é reconhecido, tu vais ser reconhecido como refugiado, é como se tivesse uma proteção do Estado brasileiro. Tem o direito de estada regular, para fins de documento tem uma série de dispensas, por exemplo, como alguém da Síria que vai fazer a revalidação do diploma no Brasil se a universidade explodiu, só tem essa dispensa no caso de refugiado reconhecido — explica Pistorelo.
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Ainda segundo a legislação brasileira, uma vez aprovada a condição de refúgio, ela será estendida a cônjuges, ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que do refugiado dependerem economicamente, desde que se encontrem em território nacional.
— Agora, quando é grave e generalizada violação dos direitos humanos, é mais rápido, porque tu tens o contexto prima facie, contexto de tudo. Basta ser nacional daquele país que vai levar (a decisão de refúgio) — complementa o advogado do CAM.
Por outro lado, conforme a Lei 9474, há quatro ressalvas em que não será reconhecido o direito de refúgio:
- Pessoas que já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur);
- Residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro;
- Pessoas que tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas;
- Pessoas que sejam consideradas culpadas de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.
A escolha por Caxias
Em 2009, o enfermeiro cubano William Alberto Oliva Benitez, 54 anos, foi à Venezuela para uma missão médica. E foi no país sul-americano que conheceu a atual esposa, Marilyn DelValle Sanchez de Oliva, 43. Porém, a tensão política e econômica, principalmente em virtude do governo de Nicolás Maduro, motivou a migração rumo ao Brasil há três anos.
Eles chegaram ao país pela cidade de Pacaraima, em Roraima. Inicialmente, passaram cerca de um mês em Manaus, capital do Amazonas, mas o clima não era agradável. Assim, um amigo cubano, que havia feito o processo de mudança um ano e meio antes, indicou o município da Serra gaúcha. Aqui, moram com a filha Maryan Victoria, de sete.
— Ele sempre me ligava (pedindo) se queria morar no Brasil, que a cidade de Caxias é muito bonita, muito boa para trabalhar, que havia futuro. Busquei a cidade no Google, gostei muito, e decidimos então morar em definitivo — conta Benitez.
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Marilyn já tem todo o processo finalizado junto com o governo brasileiro, e o direito de morar no país por nove anos, que pode ser renovado. No entanto, William ainda aguarda a definição sobre a situação de refugiado.
O casal acredita que a principal dificuldade na migração foi o idioma. Hoje, já estão mais familiarizados com o português. Marilyn está empregada, enquanto Benitez busca por uma recolocação profissional após ter sido desligado do último trabalho há sete meses. Apesar de estarem passando por uma dificuldade financeira, se sentem à vontade na cidade. Ela não sente falta do país de origem, já ele pensa em um dia voltar à Venezuela.
— A situação na Venezuela é muito difícil. A segurança, a violência. Há muita alimentação, o que não há é dinheiro, os pagamentos são muito baixos. Eu tinha minha casa própria na Venezuela, não pagava aluguel, não pagava luz, água. E para poder vir, tivemos que vender a casa.
Atendimentos no CAM
O Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) é referência não somente em Caxias e região, onde atende, mas para todo o Brasil. Conforme dados, em 2024 foram 65.996 atendimentos a migrantes — uma pessoa pode ser atendida mais do que uma vez. Para efeito de comparação, no ano anterior foram 14.107. Mesmo assim, o CAM não tem o número de quantos migrantes moram na cidade.
Em se tratando de refugiados, no ano passado foram 161 registros de migrantes reconhecidos como refugiados e atendidos pelo CAM, 64 renovações de protocolos de refúgio, e 92 pedidos de refúgio. Dados que são da Serra como um todo.
— Somos uma equipe muito pequena com atendimento só na parte da tarde. Fazemos muito com poucas pessoas — diz Adriano Pistorelo, advogado do CAM.
Os números de atendimentos a migrantes no CAM:
- 2017: 1.827
- 2018: 3.826
- 2019: 5.568
- 2020: 17.939
- 2021: 6.650
- 2022: 12.056
- 2023: 14.107
- 2024: 65.996
Pedidos de refúgio ao Brasil
Confira quantas pessoas pediram refúgio ao Brasil e apontaram Caxias do Sul como moradia desde 2017:
- 2017: 7
- 2018: 3
- 2019: 2
- 2021: 7
- 2022: 363
- 2023: 288
- 2024: 406
Fonte: SisMigra