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Com apenas quatro meses de vida, Alexandre Pohren sofreu a primeira convulsão. Dali em diante, foram muitas internações, acompanhadas de questionamentos e incertezas. Somente aos dois anos e oito meses, o menino teve o diagnóstico de uma doença considerada rara: a Síndrome de Dravet.
— Eu já sabia que essas convulsões não eram normais. Cheguei a perder as contas de quantos médicos consultamos, mas foram cerca de 10, até que o André Palmini (chefe do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas, da PUC), de Porto Alegre, diagnosticou a síndrome na primeira consulta — relembra Alexsandra Pohren, 47 anos, mãe de Alexandre, hoje com nove anos.
A síndrome rara foi descrita pela primeira vez em 1978 pela epileptologista francesa Charlotte Dravet. É uma forma de epilepsia caracterizada por convulsões recorrentes e regressão no desenvolvimento neurológico, o que afeta a fala e a locomoção, e que tem início na infância. Trata-se de uma doença de causa genética, que afeta entre um a cada 40 mil pessoas no mundo. Até hoje, a mãe relata que quando o menino sente muito calor ou é exposto ao sol por mais de cinco minutos, as crises acontecem.
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Não há cura para a síndrome de Dravet, no entanto, alguns tratamentos podem beneficiar o paciente, como medicamentos anticonvulsivos e terapias ocupacionais, físicas e de linguagem. Entre os diversos medicamentos pelos quais Alexandre faz uso diariamente, está o Diacomit, produzido apenas na França e que custa para a família cerca de R$ 5 mil por mês e que ainda não foi garantido judicialmente. Doses de canabidiol também ajudam Alexandre a não convulsionar:
— Entre plano de saúde, medicamentos, transporte e terapias, eu gasto em torno de R$ 12 mil por mês. São muitos empréstimos e rifas para alavancar recursos.
Diagnóstico tardio que custa qualidade de vida
Vivian Grieger Bordin, 45, também passou por um longo processo de busca por respostas com o filho, Carlos Henrique, de 10 anos. Ele nasceu prematuro, com 24 semanas e pesando apenas 670 gramas. Aos três anos e meio, foi diagnosticado com paralisia cerebral e autismo, além de problemas pulmonares e ortopédicos. Apenas aos seis anos, e após exames genéticos, a mãe descobriu que o menino tinha uma doença rara.
— De tão rara, a síndrome dele nem nome tem. Ela só tem o número do sequenciamento genético. No final do ano passado, encontramos uma pesquisa de Israel com 28 pacientes no mundo que tem a doença, então ele (Carlos) seria o 29º. Através desse estudo, descobrimos uma tabela de 25 possibilidades de doenças e sequelas, que tinham relação com a síndrome — conta a mãe Vivian.
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Assim como Alexsandra, Vivian também teve que passar por vários médicos especialistas em Caxias do Sul e Porto Alegre, até chegar ao diagnóstico de Carlos Henrique. Hoje, o menino faz uso de remédios como anticonvulsionantes, além de tomar vitaminas e suplementos alimentares que contribuem para o crescimento.
Com esperança, Vivian reforça a necessidade de maior conscientização sobre essas doenças, além de políticas públicas que garantam acesso ao diagnóstico precoce e tratamento adequado.
— O diagnóstico do meu filho foi tardio, apenas aos seis anos, e porque eu pesquisei, busquei, e fui atrás. Então, nós, mães, precisamos de visibilidade também do poder público, para termos políticas mais eficazes para que consigamos diagnosticar e ter um acompanhamento mais completo — diz.
Mães se unem pela causa
Por conhecer e lidar com a realidade das doenças raras, Alexsandra criou a Associação das Doenças Raras de Caxias do Sul. Segundo ela, o objetivo é prestar apoio e ajuda às famílias que possuem alguém com doença rara, além de arrecadar fundos para custear tratamentos.
Para ser criada de fato, a associação ainda depende de alguns trâmites legais, que devem ser concluídos nos próximos dias. Outras iniciativas buscam arrecadar fundos para a associação ajudar as famílias, como a campanha de arrecadação de tampinhas plásticas, liderada pelo vereador Calebe Garbin (PP).
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No dia 28 de fevereiro será celebrado o Dia Municipal das Doenças Raras, projeto de lei do vereador Alexandre Bortoluz (PP), aprovado no ano passado. Nessa data também é lembrado o Dia Nacional das Doenças Raras, criada em 2008, pela Organização Europeia de Doenças Raras (Eurordis), com o objetivo de conscientizar a população sobre a existência e a necessidade de divulgar informações sobre as mais de oito mil patologias raras existentes no mundo.
De 23 a 28 de fevereiro ocorrerá em Caxias do Sul a Semana Municipal das Doenças Raras. A programação contempla palestras com especialistas e, durante a semana, como forma de conscientização, alguns espaços de Caxias, como a Igreja de São Pelegrino, serão iluminados com as cores dos raros – azul, rosa e verde.
Raros, mas não invisíveis
Segundo o Ministério da Saúde, o número exato de doenças raras não é conhecido. Estima-se que existam entre seis e oito mil tipos diferentes de enfermidades dessa natureza. De acordo com Cristiane Kopacek, endocrinologista pediátrica e membro da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo (SBTEIM), o diagnóstico de uma doença rara é desafiador:
— Para um profissional da saúde poder reconhecer e identificar uma doença rara não é tão simples, pois algumas são mais fáceis e outras que não contam nem mesmo com descrição. De forma geral, quando a gente está diante de um caso diferente, precisa haver também uma disposição do profissional de saúde de buscar informações que lhe auxiliem para poder chegar até o diagnóstico.
O diagnóstico geralmente começa com uma avaliação clínica detalhada, incluindo histórico do paciente, exame físico e análise de sintomas. Além disso, exames de imagem, testes genéticos, biópsias e outros procedimentos laboratoriais podem ser necessários. Conforme Cristiane, o teste do pezinho ajuda a identificar seis tipos de doenças em recém-nascidos.
— Evidente que o teste do pezinho não cobre toda essa gama de doenças raras, mas as que são identificadas pelo teste são tão importantes e tão significativas que fazer essa identificação já é um passo muito grande dentro do contexto das doenças raras — recomenda a endocrinologista pediátrica.
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De acordo com Cristiane, segundo dados do Serviço de Referência em Triagem Neonatal (SRTN), no Rio Grande do Sul, cerca de 2,2 mil pessoas possuem algumas das seis doenças raras que são triadas pelo teste do pezinho (fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, doença falciforme e outras hemoglobinopatias, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase).
Segundo levantamento do Ministério da Saúde, as doenças raras atingem cerca de 13 milhões de brasileiros. Elas são definidas pela prevalência. No Brasil, são aquelas que acometem 65 pessoas em cada grupo de 100 mil habitantes.
— Precisamos estar em constante construção de um cenário mais facilitado. O desafio é avançar no programa da triagem precoce. As iniciativas que buscam ajudar quem tem alguma doença rara também precisam receber incentivos governamentais para que possam crescer. O Dia Nacional das Doenças Raras, assim como o mês de fevereiro, é uma oportunidade para que possamos avançar na busca por prognósticos cada vez mais positivos — finaliza.