Mais antigo que a icônica Catedral de Pedra, um edifício construído na década de 1950 no Centro de Canela, na Serra, voltou a ser totalmente ocupado. As salas de aula dos andares superiores do então ginásio Nossa Senhora Auxiliadora — "o colégio das irmãs" — agora foram restauradas e transformadas em quartos e apartamentos de um hotel com vista privilegiada para o cartão-postal das Hortênsias. Os primeiros hóspedes serão recepcionados neste sábado (7).
O espaço, chamado de Casa Auxiliadora, é administrado pelo casal de empresários gaúchos Rafael Zilio e Patrícia Piccoli, que chegou à cidade da Região das Hortênsias em 2000. Os dois eram vizinhos do prédio: eles são donos de uma loja de móveis e decoração vindos, principalmente, do sudoeste asiático, e localizada no entorno da Praça da Matriz. Em 2014, de forma despretensiosa, Rafael ouviu de um corretor de imóveis que o antigo ginásio de propriedade da igreja estava à venda.
Não titubeou ao fechar o negócio, mesmo sem conhecer as condições do edifício.
— Olhávamos e pensávamos em como esse prédio merecia ser reformado. Nunca imaginamos que seria vendido. Era um espaço que estava se deteriorando, com muitas infiltrações, que não rendia financeiramente para a igreja. Precisava de alguém que devolvesse esse espaço para a comunidade — conta Zilio.
Sem ter planos de como ocupar o espaço, o casal manteve inicialmente os antigos locatários no primeiro andar. Em seguida, planejaram a ocupação dos demais andares. Tiveram o desejo inicial de instalar uma escola de arte, mas que não prosperou. A ideia de construir um hotel ganhou força principalmente pela localização, mas que precisava ser acompanhada de um conceito de preservação e modernidade — em uma cidade em que não existem leis que preservem prédios históricos.
Preservação acompanhada de modernidade
As obras para restauração da parte interna da estrutura levaram seis anos. Toda a parte hidráulica e elétrica precisou ser refeita. Os corredores são originais, mas os espaços internos ganharam novas dimensões. Ao todo, foram seis anos de obras. No segundo andar, onde eram as salas de aula do colégio, foram construídos 12 quartos.
No terceiro, onde funcionavam dormitórios, foram instalados também 12 apartamentos, com sala, cozinha, quarto e banheiro. É ali também que está a sacada do prédio, que fica em um espaço de uso coletivo entre hóspedes, com serviços de vinhos, espumantes e café em que o visitante mesmo se serve.
O último andar, uma espécie de sótão que antes era um espaço apenas para a localização de caixas d'água, foi adaptado para também receber apartamentos disponíveis para locação. Tem capacidade para até 60 pessoas, com diárias que variam de R$ 480 a R$ 1,2 mil na baixa temporada, chegando a R$ 1,6 mil na alta movimentação.
Para a operação dar certo, 10 pessoas estão envolvidas — a ideia é não ter uma equipe enxuta, justamente porque alguns serviços são automatizados.
— Conseguimos preservar o piso das escadarias, com o ladrilho original. As janelas também são originais. A madeira era de tamanha qualidade que conseguimos aproveitar quase na totalidade: retiramos, construímos uma laje para não deixar somente o assoalho, e colocamos o material de volta. Eram tábuas que ganharam novos desenhos. Algumas vigas também viraram cadeiras — conta Zilio.
Ao mesmo tempo em que preserva a história de um espaço importante da cidade, a decoração e os detalhes do novo hotel levam os hóspedes a um passeio pela arte e cultura do mundo. Em todos os cômodos, há coleções de itens de decoração garimpados em outros países, priorizando matérias-primas de reaproveitamento, sejam eles exclusivos ou que podem ser encontrados na loja — como quadros, telas e até mesmo uma banheira que veio da Indonésia.
— Não temos experiência nenhuma no setor hoteleiro, mas temos de viagens. Conhecemos muito da Índia, Indonésia, Tailândia, China. Reunimos aqui conceitos que vimos, que funciona e que simbolizam o bem receber — conta Patrícia.
Futuramente, os corredores do hotel se tornarão uma galeria de arte com visitas guiadas para serem apreciadas pelos moradores de Canela. Uma forma de o morador da cidade matar a saudade de um espaço tão querido.
— O que queremos é curtir essa experiência. Vai valer a pena se a gente puder aproveitar tudo o que essa operação nos permitir. A gente sabe dos desafios que é essa operação, mas temos o luxo de ter um outro olhar e pensar em aproveitar — resume o proprietário.
Colégio formou mais de 1,5 mil estudantes
O prédio de três andares, localizado em um ponto nobre à direita da Igreja Matriz, foi erguido por um desejo do padre João Marchesi, que chegou em Canela em 1945 — dois meses depois do então distrito ganhar status de município.
Na época, além de mobilizar a comunidade para comprar o terreno e encomendar o projeto do futuro colégio, o padre enfrentou a resistência de parte dos moradores que desejavam a construção de uma nova igreja — que viria a se tornar a Catedral de Pedra, que começou a ser construída em 1953 e inaugurada em 1987.
O objetivo de Marchesi era oferecer um espaço de qualidade para a educação dos filhos dos moradores de Canela, já que a única escola da cidade estava em condições precárias. Foram quatro anos em obras até que o ginásio Nossa Senhora Auxiliadora foi inaugurado, em agosto de 1952. Em 24 anos de atividade, cerca de 1.546 jovens estudaram no Nossa Senhora Auxiliadora com o apoio das Irmãs Bernardinas.
Prédio sediou campus da UCS nas Hortênsias
O espaço começou como uma escola mista, mas que depois, com a instalação do Colégio Marista, ficou exclusiva para meninas. A chegada de uma nova instituição inviabilizou a continuidade das operações.
— O padre Marchesi também articulou para trazer o Colégio Marista para Canela. A cidade acabou tendo mais oferta do que demanda de ensino. Por isso, o Nossa Senhora Auxiliadora acabou dividindo os estudantes e quebrando. Era uma instituição que oferecia muitas bolsas, com cada vez menos alunos e as contas não fechavam mais — conta Rafael Zilio.
Nos anos seguintes, sob o comando da Mitra Diocesana, o espaço passou a ser ocupado como seminário e também ganhou caráter social, com diferentes serviços oferecidos ali. O campus de Canela da Universidade de Caxias do Sul também ficou instalado no prédio do antigo ginásio por um período.
Essa capilaridade na função fez com que praticamente toda a cidade, em algum momento, visitasse o local, gerando memória afetiva.
— O prédio foi mais usado no período após a escola. Oitenta por cento da cidade passou por aqui — explica Patrícia.
De posse dos novos donos, o edifício foi reformado e manteve, inicialmente, os locatários nas quatro salas comerciais do primeiro andar. Em seguida, com novos planos de ocupação do casal, eles foram retirados e novos empreendimentos instalados. Em 2022, Rafael e Patrícia abriram uma cafeteria no segundo andar, que também faz o serviço de café da manhã dos hóspedes, mas em um espaço exclusivo.