Se estivesse pronta hoje, a chamada Cadeia Pública de Caxias do Sul, anunciada pelo governador Eduardo Leite no início de setembro, supriria somente 53,3% do déficit de vagas no sistema penitenciário da Serra. Segundo dados da Polícia Penal, faltam cerca de 1,5 mil vagas para atender adequadamente as unidades prisionais da região. O novo presídio, no Apanhador, que ainda não começou a ser construído, terá capacidade para 800 detentos.
A Serra gaúcha está inserida na 7ª Região Penitenciária, que compreende nove estruturas em Caxias do Sul (três), Canela, Bento Gonçalves, Guaporé, Nova Prata, São Francisco de Paula e Vacaria. A população carcerária, conforme levantamento em 25 de setembro, é de 4.217 pessoas, sendo que, dessas, 1.108 são monitoradas por tornozeleiras eletrônicas.
— O anúncio feito pelo governador impactará em um importante acréscimo de vagas, qualificando ainda mais o trabalho desenvolvido na região. Essas melhorias representam um marco no sistema penal e na valorização daqueles que dedicam a vida para manter a ordem dentro dos muros — sinaliza o superintendente da Polícia Penal, Mateus Schwartz, acrescentando que, em 2019, o déficit de vagas no sistema prisional gaúcho era de 14.264 e, hoje, é de 9.751.
A superlotação em presídios, no entanto, não é um problema atual nem mesmo exclusivo da Serra — o levantamento mais recente do Sistema Nacional de Informações Penais indica que até dezembro do ano passado havia 160 mil pessoas presas além da capacidade do sistema no país.
Em 2018, o excesso de detentos interditou as unidades de Caxias do Sul, fazendo com que presos tivessem que aguardar por vagas nas celas de passagem da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA). Mais recentemente, no dia 31 de julho, a Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, na localidade do Apanhador, foi alvo de uma interdição parcial a pedido do Ministério Público. A capacidade do local é de 432 pessoas e, em junho, estava em 1.243.
A determinação, que segue mantida, na prática impede o recebimento de detentos com condenação definitiva. A penitenciária, entretanto, continua recebendo presos em flagrante, preventivos, temporários e com regressões de cautelas de regime.
Procurado para comentar sobre o caso, o promotor de Justiça Vinícius de Melo Lima, que fez o pedido de interdição, disse que a ação civil pública segue em andamento, com liminar parcialmente deferida para a instalação dos extintores de incêndio.
— Vamos encaminhar réplica à contestação e pedir a designação de uma audiência de conciliação na ação civil pública, depois do anúncio do Estado da construção de uma nova casa prisional — explica, via assessoria.
" Se não dermos condições, a gente acaba fortalecendo o grupo criminoso"
À frente da 1ª Vara de Execuções Criminais (VEC) da Serra, a juíza Joseline Mirele Pinson de Vargas é responsável por inspecionar os presídios mensalmente. Para ela, a superlotação é o problema mais crítico do sistema carcerário da região e que será aliviado com a construção de uma nova unidade.
— Para nós vai ser um grande auxílio — acredita.
A magistrada explica que o esgotamento de vagas impacta na oferta de insumos básicos e também impossibilita que mais detentos tenham acesso à educação e ao trabalho dentro das unidades prisionais. O resultado, para ela, é o fortalecimento de facções, que acabam garantindo os itens essenciais e também protegendo os apenados em troca de favores:
— Se não dermos condições, a gente acaba fortalecendo o grupo criminoso, e não a sociedade, como imaginamos. Se queremos fortalecer a sociedade, diminuir a criminalidade, diminuir a incidência, é ao contrário: a gente tem que garantir esses direitos básicos, para que o preso possa entrar lá e cumprir sua pena sem depender de ninguém — opina Joseline.
A convivência dentro das celas também fica prejudicada, com reflexos, principalmente, nas condições de higiene e descanso:
— Às vezes, temos celas com quatro camas e 12, 13 apenados dentro. Os presos acabam se revoltando com essa situação. Se quisermos efetivamente manter a ordem dentro de uma casa prisional, temos que ir diminuindo o número desta população na prisão — finaliza.
Nova cadeia ainda em tratativas iniciais
O processo para contratação de projeto e construção do novo presídio deve ocorrer ainda em 2024, segundo a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS) do Estado.
A penitenciária vai ser erguida em um terreno do Estado ao lado do presídio do Apanhador, no limite com São Francisco de Paula. A previsão é de que o espaço tenha 800 vagas e custe em torno de R$ 120 milhões.
Segundo o governador Eduardo Leite, a expectativa é de que as primeiras movimentações das máquinas vão demorar pelo menos um ano e meio. Enquanto isso, o município também terá que implantar uma rede de água de 10 quilômetros de extensão para atender a localidade.
Não há uma data estimada para que a nova unidade entre em funcionamento.
Obras
Recentemente, pelo menos quatro unidades passaram por melhorias na estrutura, segundo a Polícia Penal. No Presídio Estadual de Guaporé, por exemplo, foi realizada a reforma das celas e a substituição da rede elétrica.
— Na Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, iniciamos, no dia 1° de setembro, a reforma de três guaritas, além da troca completa da rede elétrica, a instalação de refletores e pinturas. Também está em andamento o cercamento com muros do Presídio Estadual de Vacaria. No Presídio de Canela, também houve reformas que contemplaram pintura, garagem, muro e um pavilhão de trabalho. Ocorreu, ainda, a instalação de salas de videoconferência e readequação do setor administrativo — cita Schwartz.
Raio X do sistema penitenciário da Serra*
- Nove estabelecimentos prisionais em sete cidades.
- 4.217 detentos ao todo, sendo 1.108 monitorados por tornozeleira eletrônica.**
- Presos definitivos: 2.905. Provisórios: 1.312.**
- 643 detentos estão estudando, sendo 411 no Ensino Fundamental, 220 no Ensino Médio, sete em cursos técnicos e cinco cursando Ensino Superior.
- 580 pessoas privadas de liberdade são beneficiadas com a remição pela leitura.
- 1.249 presos estão desenvolvendo alguma atividade prisional, sendo que 88 realizam atividades de artesanato e 746 atuam na manutenção, limpeza, entre outros trabalhos nas cadeias. Os serviços não são remuneradas.
- Em relação ao trabalho remunerado, 93 presos são contratados por empresas ou poder público, por meio de termos de cooperação, e recebem, pelo menos, 75% de um salário mínimo.
- Sobre os presos do semiaberto, 136 exercem atividades com carteira assinada e 186 atuam como autônomos.
*Fonte: Polícia Penal.
**Dados do dia 25 de setembro.