A inédita captura de um lobo-guará no cânion Fortaleza, no Parque Nacional da Serra Geral de Cambará do Sul, ganhará um documentário. Com o título Nas pegadas do leão-baio e lobo-guará, o filme mostrará como uma pesquisa de anos levou à primeira campanha de captura da espécie no Estado, em novembro do ano passado. Uma prévia tratando sobre este momento já foi lançada (veja abaixo). O momento é importante para o estudo sobre a espécie, uma vez que, em décadas, o animal teve raras aparições na região, ganhando até o apelido de Fantasma dos Aparados.
O filme tem direção de André Costantin e produção executiva de Daniel Herrera, em projeto do Instituto Vento, uma organização dedicada às paisagens culturais brasileiras. As imagens mostram ainda parte do trabalho dos pesquisadores com o lobo capturado, uma fêmea de cerca de sete anos que ganhou o nome de Viração, fazendo referência à típica neblina que surge nos Aparados da Serra.
Como explica Costantin, a equipe está acompanhando uma segunda campanha em Cambará, em que mais dois lobos já foram capturados. O documentário ainda não tem data de lançamento, mas a previsão é de até o início do próximo ano.
— A segunda etapa vai ser agora o registro da cultura regional dos Aparados, vamos falar com antigos moradores, os últimos remanescentes das fazendas, que podem contar como que ao longo do tempo ouviram falar desses animais ou viram até o lendário relacionado a eles — detalha o diretor.
A captura é importante porque a partir dela o grupo pôde colocar um rádio-colar no animal. A partir disso, os pesquisadores têm acesso a todos os passos da loba, bem como podem estudar comportamentos da espécie que habita a região.
— A captura da loba Viração é muito significativa. É o lobo-guará que passa a ser monitorado mais ao sul do Cerrado, bioma central da espécie. Começaremos a entender como o guará resistiu durante todo esse tempo aqui nestes banhados, campos e peraus, se migrou de outro bioma, seus hábitos e territórios de vida — explica Fábio Mazim, ecólogo gaúcho especializado em felinos.
O documentário tem patrocínio da Anselmi, via Lei Rouanet.
Do rastro até a captura
Esta busca pelo lobo-guará iniciou ainda em 2021 pela bióloga Juliana Nascimento Martins, em parceria com Eduardo Anselmi, proprietário de uma fazenda limítrofe ao cânion Fortaleza. Na época, Juliana mapeou corredores ecológicos de mamíferos predadores na região e instalou armadilhas fotográficas. Meses depois, uma das armadilhas registrou a presença da espécie. Foi isso que motivou a campanha que reúne pesquisadores e Ibama, com supervisão do ICMbio.
A campanha busca monitorar outros grandes carnívoros que habitam os cânions de Cambará, como o puma, chamado de leão-baio. As duas espécies são nativas da região, como explica Paulo Wagner, do Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama.
— As armadilhas fotográficas estão sendo fundamentais para isso, para conseguir localizar. Nós temos vários e vários vídeos deles. Inclusive, o número que nós temos são três animais capturados — atualiza Wagner.
O plano futuro é expandir a pesquisa para outras áreas, buscando ter noção de qual é a população desses animais. A pesquisa e o levantamento de dados servem especialmente para proteção das espécies. Saber da existência delas e onde transitam pode, por exemplo, evitar problemas nas estradas que ligam Cambará aos cânions dos parques nacionais.
Paulo Wagner chama atenção para a RS-427. A rodovia liga Cambará ao Cânion do Itaimbezinho e tem a circulação dessas espécies. Wagner esclarece que o Ibama não é contra a pavimentação que é planejada pelo Estado, mas que para o licenciamento ambiental ser liberado é necessário estabelecer limites de velocidade e aparatos para que acidentes não ocorram.
— Não se trata de deixar a estrada no estado que está hoje. Não é isso. Não é voltar a ter uma estrada intrafegável. E hoje eu vejo gente trafegando ali a 70, 80, 90 quilômetros por hora, correndo naquela estrada. E de carro, né? Não sei porquê. Então imagina se você asfaltar aquela estrada daquela maneira. Isso vai ter acidente, inclusive, com risco humano — alerta Wagner.
História da juventude
Um dos apoiadores da campanha e do documentário tem uma história particular com o lobo, que vem da juventude. Eduardo Anselmi relembra um possível encontro com o bicho quando o proprietário da fazenda tinha apenas 15 anos.
— Aos 15 anos eu vim pela primeira vez com um amigo aqui nos Aparados. De Cambará, fomos a pé pela estrada do Fortaleza. Veio uma viração, escureceu. Acampamos no caminho. À noite, dois olhos brilhantes nos vigiavam. No nosso imaginário, aqueles olhos sempre foram os olhos do lobo-guará — relembra Anselmi.