
A distância de quase 12 mil quilômetros não foi o suficiente para que o morador de Caxias do Sul Adamir Anghinoni Júnior, 44 anos, não ficasse impactado com o que viu no noticiário. Júnior, como é mais conhecido, viu uma criança ensanguentada após um bombardeio em uma creche na Ucrânia. Foi quando decidiu ir como voluntário para a guerra contra a Rússia, iniciada há quase dois anos. Ele atua no lado ucraniano.
Pernambucano e técnico em enfermagem, após 13 anos trabalhando no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em Recife, Júnior pediu exoneração para seguir a vida em Caxias do Sul, onde mora desde 2017. Em junho do ano passado, decidiu deixar temporariamente a vida em Caxias para ajudar as pessoas vítimas da guerra. Atualmente, são 50 brasileiros entre 158 voluntários estrangeiros. Há pessoas de outros países, como Colômbia, Alemanha e Venezuela.
— Só que eu não sabia que ia ficar no front. Eu achava que ia ficar no lugar mais calmo, um hospital, mas foi opção minha. Hoje eu faço questão de estar na trincheira, ajudando meus colegas de farda e a população — acrescenta.
Apesar de não ser médico formado, ele é classificado pelo exército ucraniano como médico de combate, em razão de outros treinamentos que fez anterior à guerra. Júnior faz o primeiro atendimento de feridos, antes deles serem encaminhados a um hospital. Neste caso, apesar de ser técnico em enfermagem, o homem é liberado para fazer procedimentos que normalmente não teria autorização, com pulsão torácica e pequenas cirurgias, como suturas.
O dia a dia do voluntário de guerra é todos dias envolvido com o conflito. Durante as missões, os combatentes passam de três a seis dias em trincheiras, ao Leste do país, onde atacam, dormem e comem. Uma equipe atua em cinco trincheiras, por onde se deslocam por buracos, principalmente Júnior, em casos de atendimentos. Em dias de "folga", vai com a equipe para vilas militares ou casas, mas a vigília permanece, em caso de ataque na base ou aéreo. E também há treinamentos de primeiros socorros para equipes que chegam.
— Eu entendo que é um propósito realmente de eu estar ali ajudando. Eu acho que é algo que, sei lá, o homem lá de cima deve ter mexido os pauzinhos, porque quando eu pedi minha demissão do outro emprego, eu tentei dois meses arrumar outra coisa para trabalhar e tudo dava errado. Estava certo no outro dia para poder ir fazer entrevista e diziam "não, não precisa mais", "a vaga não tá mais disponível". E aí a Ucrânia veio. Então eu acredito que foi um propósito. Eu me sinto realmente assim usado para estar ali, salvando a vida dos meus colegas, irmãos de farda, e de pessoas — explica.
Até então, o mais perto que o pensamento de Júnior havia chegado sobre guerra, era em filmes e videogames, o que garante ser totalmente diferente.
— No jogo tem o restart, eu posso voltar e jogar novamente se eu morrer. Ali não, tem que estar vivo e tem que estar vivo. Algumas pessoas foram contra, dizendo que a guerra não é minha. Eu não estou lá por conta da guerra, eu estou para ajudar pessoas — destaca.
De férias em Caxias
Júnior está com a noiva e a enteada, de dois anos, passando um período de férias em Caxias. Elas permanecem no Brasil e têm contato por videochamada, quando está em locais que não identifiquem onde ocorre a missão. Por vezes, passam 10 dias sem se falarem.
Uma das piores experiências foi quando levou um tiro no capacete, o que o fez até ficar em dúvida sobre retornar. O principal motivo é quando pensa na enteada, a Rosa:
— No dia 3 de outubro, eu levei um tiro no capacete. Fiquei ali 30, 40 segundos desorientado. A única coisa que veio na minha cabeça foi minha enteada. Às vezes eu estou querendo 100% estar lá, não importa o que eu tenho aqui. Aí quando a Rosa vem da escola, tudo é diferente, penso se isso não foi uma oportunidade que Deus me deu. Mas eu sinto falta de estar lá com meus irmãos. A Rosa, uma hora, vai entender. Só em saber que, daqui a uns anos, quando ela entrar na escola e que alguém falar da guerra da Ucrânia, que o padrasto dela estava presente... São coisas que vão ficar para vida toda — conta.

Apesar das férias, ele mantém contato com a equipe e, em grupos, fica a par de tudo que ocorre no continente europeu.
O psicológico
Júnior conta que, quando algum soldado apresenta alguma condição psicológica diferente, é afastado para atendimento. O homem avalia que está conseguindo separar as vivências da guerra com a vida pessoal. Quando nota estar com a adrenalina alta, ainda no Brasil, busca respirar fundo e se distrair, com um videogame, um livro ou com instrumentos musicais. Conta que, nas últimas semanas, testemunhou dois acidentes em Caxias e fez o primeiro atendimento às vítimas.
— Eu consegui atender com o mesmo humanismo de antes, sempre fiquei pensando se eu ia conseguir atender com a mesma tranquilidade, porque lá no front tem tiro, tem gritaria, bomba, e eu achei que não ia conseguir diferenciar isso — diz.
Relata que, dentre os momentos mais difíceis, estão perdas de companheiros de combate, como um deles chamado Hagnar:
— No dia da minha folga, eu acordei de manhã cedo, abracei todo mundo, dizia "se cuida, be safe", e quando eu estava na casa onde a gente estava posando, ligaram pedindo que eu fosse com mais dois de forma urgente. Quando a gente chegou lá, ficamos sabendo que o Hagnar tinha levado um tiro de tanque. Eu sei que talvez não pudesse fazer nada por ele, só que quem é da área de saúde sempre acha que vai fazer alguma coisa.
Medo de morrer
De frente com a morte por diversas vezes, Júnior diz não ter medo dela, que é o maior medo para muitos.
—Eu já sorri para ela várias vezes, mas acho que a minha hora ainda não chegou. Eu tenho medo de não ter tempo de me despedir de quem eu amo, mas se eu morrer lá na guerra, eu estou fazendo o que eu fui atrás e o que eu amo, que é salvar vidas — finaliza.