A sensação de dever cumprido marca os últimos dias de Katiane Boschetti da Silveira à frente do serviço de assistência social de Caxias do Sul. A pedagoga, instrutora de Justiça Restaurativa e consultora em prevenção e resolução de conflitos, assumiu a presidência da Fundação de Assistência Social (FAS) em 2021, sob indicação da gestão municipal do prefeito Adiló Didomenco e vice-prefeita Paula Ióris. Depois de pouco mais de dois anos, ela encerra o ciclo local tendo em vista novos desafios: um projeto voltado à Educação, realizado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso em parceria com a Unesco. A partir de segunda-feira (10), a FAS passará a ser presidida pela atual diretora administrativa, Geórgia Ramos Tomasi. Nesta mesma data, Katiane já estará compondo a equipe de Cuiabá, em projeto que tem a Justiça Restaurativa como principal frente.
— A Justiça Restaurativa é algo que escolho como forma de olhar para as situações. Busco como forma de me relacionar, por isso (à frente da FAS) tentei fazer composições nas relações. Precisei tomar decisões impopulares, mas nenhuma irresponsável. Sempre busquei olhar tudo o que estava por trás de cada situação. Estar em um cargo público te mostra o quanto as coisas estão conectadas e dependem umas das outras. A gente depende de uma série de fatores, desde a questão orçamentária, de prioridades, das limitações da administração pública. Neste novo projeto vou ter bastante contato com as prefeituras para implementação nos municípios e esta experiência certamente me ajuda a compreender muito mais — avalia Katiane, que cumpre a última semana na cidade.
Com carinho, ela destaca que o interesse por esta área se deu justamente durante a primeira experiência na FAS, no período de 2004 a 2012. Como gestora, no ciclo mais recente, ela precisou lidar com os desafios sociais gerados pela pandemia, em ações de cunho emergencial. Tudo isso diante de um orçamento restrito, definido ainda pela gestão municipal anterior, que agora está 30% ampliado.
— Eu estou saindo muito leve, tranquila, muito orgulhosa do que fizemos, orgulhosa dessa rede assistencial. Tínhamos muitos planos, mas com a pandemia precisamos, ao invés da prevenção na assistência, trabalhar na urgência e emergência. Mas, com a equipe qualificada, a gente vem dando conta e conseguiu também ampliar os serviços — avalia.
Destaque para ampliações de vagas
Dentre as ampliações, ela destaca o aumento de 26 vagas em acolhimento institucional a crianças e adolescentes, passando de 180 para 206. Segundo ela, a demanda saltou aos olhos quando as crianças voltaram a frequentar presencialmente as escolas públicas da cidade, no final de 2021. Em apenas cinco meses foram 85 novas crianças retiradas do convívio familiar, onde eram alvo de violências como a física, social ou psicológica; ou vítimas de desnutrição.
Jovens e adultos com problemas físicos e cognitivos, provenientes de abrigos ou abandonados pelas respectivas famílias, contam, a partir desta semana com 16 vagas a mais em parceria da FAS com o Projeto Mão Amiga. Já eram 14 vagas oferecidas na cidade, que agora conta com 30. Segundo Katiane, em ação mais recente, também foram ampliados em 40 vagas os serviços de acolhimento a pessoas em situação de rua, totalizando 120 vagas custeadas pela FAS atualmente.
À frente da fundação, Katiane diz que buscou olhar para trabalhadores e parceiros que integram a rede SUAS (Sistema Único de Assistência Social) e, para superar as dificuldades orçamentárias, segundo ela, herdadas da gestão anterior, sua gestão acabou recorrendo ao Fundo Municipal da Criança e Adolescente e Fundo Municipal do Idoso. Uma medida que ela diz ter sido fundamental para manter o serviço e ampliar vagas.
— O cenário orçamentário foi extremamente desafiador, foi uma emergência, mas tenho toda clareza que fundo da criança foi para a criança, e o fundo do idoso foi para o idoso. Tivemos demandas e dificuldades, mas agora conseguimos ampliar o orçamento em 30% — celebra.
Sementes de prevenção plantadas
Após a superação de desafios mais iminentes, a FAS vive um momento de estruturação de projetos que, segundo Katiane, focam na prevenção. Um deles é um projeto de lei para cuidado subsidiado do idoso. A proposta contará com recursos do Fundo Municipal do Idoso, que serão destinados a familiares de pessoas idosas, a exemplo do Guarda Subsidiada Criança e Adolescente, programa que beneficia, hoje, 60 famílias responsáveis por cerca de 125 crianças e adolescentes. A ideia, segundo Katiane, é que em um futuro próximo, familiares de Pessoas com Deficiênica (PCDs) também tenham acesso ao subsídio municipal.
— É mais barato do que (o município) acolher, mas falamos também de traumas que podem ser causados no rompimento dos vínculos. Sabemos que um dos motivos para o abandono de PCDs e idosos é o alto nível de estresse causado pelos cuidados, mas há famílias que ainda têm condições de manter estes vínculos e proteger esta pessoa — avalia.
Uma campanha foi lançada pela Câmara de Caxias para estimular e ensinar os contribuintes que fazem a declaração completa a destinar o Imposto de Renda devido em benefício à causa das crianças e dos idosos. O Projeto de Lei referente ao subsídio para famílias de idosos está em fase de elaboração no Conselho Municipal do Idoso e a previsão é de que seja discutido em Plenário no dia 14 de abril. Atualmente, a FAS tem 80 vagas de acolhimento para pessoas idosas em ILPI (Instituição de Longa Permanência de Idosos).
— Outra coisa que me orgulha muito são os programas que conseguimos desenvolver para a infância, como Programa P. E todas as nossas entregas e parcerias para criar vagas para Jovem Aprendiz. Temos hoje a garantia de cursos somente para 95 jovens da assistência social. Sempre olhei a assistência como emancipatória e, por isso, nossos esforços também foram concentrados nesse sentido — completa.
Legados administrativos
Administrativamente, Katiane destaca a realização de alterações que vinham sendo demandadas há anos pela FAS. Uma delas foi a divisão da diretoria de proteção especial para média e alta complexidade, que antes era administrada por apenas uma pessoa. Desde o início de 2022, cada nível é encabeçado por um profissional, o que garante mais atenção às demandas.
Também foram ampliadas as cadeiras no Conselho Municipal do Idoso e efetuadas mudanças na forma de captação do Fundo Municipal do Idoso, que agora pode ser proposto pelas entidades da cidade, que vai em busca do recurso. Além disso, com a nova legislação, 30% do que for captado retorna para o fundo, com destinação a ações na cidade.
— Conseguimos mudar esta forma de captação no ano passado. Agora, a gente tem um olhar de que "quando eu busco pra mim, eu busco para todos", e faz com que mais dinheiro fique na cidade — comenta a presidente.
Outra reformulação administrativa que ela destaca é a mudança da Coordenadoria Municipal do Idoso da FAS para a Secretaria de Segurança Pública e Proteção Social (SSPPS). A alteração foi oficializada em janeiro deste ano.
— É uma coordenadoria que não pode estar dentro de uma política. Ela acaba não sendo tão vista e desenvolvida como deveria — explica.
Sobre a nova presidência, Katiane acredita que os trabalhos desenvolvidos terão continuidade e que a FAS estará em boas mãos:
— A Geórgia tem currículo exemplar e fica com uma equipe incrível da qual ela mesma faz parte. Participou da gestão comigo. Entendo que ela terá liberdade de dar o tom dela como gestora, dentro deste caminho já trilhado. Meu desejo é de que a equipe se mantenha coesa, porque desafios vão acontecer, mas é o olhar conjunto que faz com que as coisas fluam e possam, inclusive, ser aprimoradas — afirma Katiane.
Quando assumiu a FAS, a presidente que se despede elencou os cinco principais desafios que se propunha a enfrentar durante a gestão. Confira as avaliações, agora, realizadas por ela:
1. Manter o serviço durante a pandemia
"Assumimos durante uma pandemia, não contávamos com a bandeira preta, alguns incêndios na cidade, a questão do tornado em Vila Oliva. Foram muitas situações que tornaram extremamente desafiador estar à frente da FAS mas, com certeza, com uma equipe qualificada e, inclusive, apoio da gestão, conseguimos dar conta e ampliar, enquanto muitas cidades até mesmo fechavam serviços em assistência social".
2. Atender às necessidades das pessoas em situação de rua
"Além de ampliarmos as vagas de acolhimento institucional, também criamos um comitê interssetorial para trabalhar políticas para as pessoas em situação de rua. Foi uma grande luta minha, batalhei muito nessa questão. Primeiro, para ampliar o nosso olhar de que eles não são especificamente da política de assistência social. As pessoas estão na rua, hoje, porque não têm casa, então temos a questão da Habitação; porque muitas delas têm dependência química e problemas de saúde mental, então precisa da política de Saúde; preciso da política de Educação para a questão da escolaridade dessas pessoas. A gente tem aí, então, o comitê se encontrando mensalmente justamente para pensar ações".
3. Amparo interligado às famílias
"Conseguimos desenvolver programas, tanto para a infância, como o Programa P, que trabalha a paternidade, em parceria com o Instituto Promundo; passando pelas nossas parcerias para vagas de jovem aprendiz, no 'Ser Jovem Cidadão'; até a estruturação, para os próximos meses, da Guarda Subsidiada do Idoso e PCD".
4. Foco na atenção básica
"Isso é um pouco da prevenção, que foi meu principal objetivo quando eu entrei, mas com as necessidades, atuamos na ampliação da alta complexidade, para trabalhar urgência e emergência. Agora, a gente voltou o olhar para serviços de convivência e fortalecimento de vínculos, na proteção social básica e, nos próximos meses, vamos ter mais crianças e adolescentes, e suas famílias, inseridos".
5. Conscientização da responsabilidade social
"Entendo que me esforcei muito para isso, fiz desde carta aberta, até mesmo alguns vídeos nas minhas redes para explicar, também, porque a assistência social ainda é uma política extremamente importante mas pouco reconhecida e valorizada. Por muito tempo, isso é cultural, se enxerga a assistência social como cesta básica e pessoas em situação de rua. É muito mais do que isso. Como gestora, tentei sempre mostrar a importância da assistência social e entendo que, desde a ampliação do orçamento até entregas que estamos fazendo, demonstram uma ampliação da conscientização, até mesmo da própria gestão municipal. A gente lançou o primeiro 'FAS em Números', informativo anual para mostrar todos os números da assistência social, trabalhando a transparência de dados que basearam muito as nossas decisões, contribuindo para que a gente elencasse prioridades e fosse mais assertiva no atendimento às necessidades reais das pessoas".