A Polícia Federal (PF) informou na última sexta-feira (17) que não vê indícios de que três vinícolas da Serra, envolvidas no caso de trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, tenham cometido algum crime. Veja como estão as investigações pela própria PF, Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE):
Ministério Público do Trabalho (MPT)
Desde a operação que trouxe à tona o caso, em 22 de fevereiro, o MPT convocou audiências com as vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi e com a fornecedora da mão de obra, Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão em Saúde Ltda. Das quatro empresas, as vinícolas decidiram seguir em frente com o TAC — ao contrário da Fênix. No acordo, as vinícolas aceitaram pagar uma indenização de R$ 7 milhões — sendo R$ 2 milhões para os resgatados e R$ 5 milhões para danos morais coletivos, que serão revertidos para entidades, fundos ou projetos de recomposição do dano, conforme o MPT, que ainda não informou se o pagamento total já foi realizado.
De acordo com a assessoria de imprensa do MPT, as empresas respondem, agora, pelo "cumprimento do que foi estabelecido no TAC, estando sujeitas a penalizações expressas no acordo se for verificada violação ou descumprimento de alguma das cláusulas".
O termo engloba 21 obrigações, que visam melhorar o processo de contratação e de acompanhamento das empresas com os trabalhadores, principalmente se forem admitidos a partir de uma terceirizada. Outro ponto também é promover uma conscientização sobre o assunto com o setor, os associados e colaboradores. A multa pelo descumprimento de cada cláusula é de R$ 300 mil e pode ser cumulativa.
Além disso, as vinícolas concordaram que se a Fênix não garantir o pagamento das indenizações individuais dos trabalhadores resgatados, as empresas assumem esta obrigação.
Inicialmente, a Fênix assinou um termo emergencial, quando os safristas foram resgatados, aceitando pagar R$ 1,1 milhão de verbas rescisórias aos trabalhadores. Ao não assinar o TAC, o MPT entrou com uma ação na Justiça para bloquear R$ 3 milhões de Pedro Augusto Oliveira de Santana, o proprietário da terceirizada. O pedido foi aceito pelo juiz Silvionei do Carmo, titular da 2ª Vara do Trabalho de Bento Gonçalves.
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
O MTE segue com fiscalização nas vinícolas para averiguar se as empresas têm envolvimento no trabalho análogo à escravidão e para verificar se as normas trabalhistas nas empresas estão regulares. De acordo com o gerente regional do órgão, Vanius Corte, neste momento não há como ter uma conclusão sobre as vinícolas. Por isso, o MTE aguarda o resultado das fiscalizações.
— Abrimos uma fiscalização, que ainda não encerrou, para verificar várias coisas. Mas não têm nada concluído em relação às vinícolas — explica Corte.
Caso seja verificada alguma irregularidade, o órgão emite autos de infração, para posterior defesa das empresas e análise do MTE. Até este momento, o Ministério do Trabalho e Emprego constatou a responsabilidade apenas da Fênix no caso de trabalho análogo à escravidão na empresa terceirizada.
Polícia Federal (PF)
A PF realiza a investigação em relação à área criminal. Na última sexta-feira, o delegado Adriano Medeiros do Amaral declarou que a força policial não encontrou provas de que as vinícolas tenham participação direta no crime de exploração dos trabalhadores. Conforme Amaral, o que foi identificado é "um contrato de fornecimento de mão de obra por uma empresa terceirizada".
— Até o presente momento, e a gente pesquisou bastante sobre isso, nas provas que a gente tinha aqui, não foi encontrado nenhum indício de participação das vinícolas no crime de redução ao trabalho análogo ao escravo — disse o delegado responsável pela investigação.
Até por esse motivo, as investigações seguem concentradas na empresa terceirizada.
O que diz a defesa de Pedro Santana, da Fênix
O advogado Augusto Giacomini Werner divulgou nota a respeito da ação da PF realizada na sexta-feira, dia 17, em que foram apreendidas armas e munições:
"O senhor Pedro é o maior interessado que a verdade dos fatos seja desvelada, motivo pelo qual, desde o início, colabora com as investigações realizadas pelas autoridades. No que se refere às armas, sua propriedade trata-se de um direito do Sr. Pedro, que as mantinha em condições regulares e registradas perante o órgão competente, de forma que as mesmas, ao contrário do que listado pelos meios de comunicação, somente foram apreendidas pelo fato de que, com a abertura do inquérito, abre-se processo administrativo junto à instituição para que apure sobre a manutenção da idoneidade do titular do direito. A desinformação da sociedade prejudica tanto as investigações, como a própria vida do Sr. Pedro, empresário de carreira sólida e reputação inquestionável que, antes de exercer o seu direito de ampla defesa no decorrer do devido processo legal, já é tratado por muitos como culpado".
Manifestação das vinícolas
Após a operação de sexta-feira as vinícolas que contrataram a empresa investigada se manifestaram.
A Cooperativa Vinícola Garibaldi declarou que "confia na correta apuração dos fatos, o que cabe às autoridades competentes".
A vinícola Aurora declarou, em nota, que "apoia todas as investigações em curso e continua à disposição das autoridades. Paralelamente, atua em diversas frentes para o restabelecimento dos direitos dos colaboradores terceirizados, vinculados à empresa Fênix, bem como na implementação das melhores práticas para gestão de terceiros e fornecedores. À sociedade brasileira, a Aurora reafirma seu compromisso de aperfeiçoar cada vez mais os processos produtivos e mecanismos de fiscalização."
Também por meio de nota, a Salton manteve posicionamento já publicado. Leia a nota na íntegra:
"A Vinícola Salton firmou, nesta quinta-feira (09/03), acordo com o Ministério Público do Trabalho para reparar danos causados a trabalhadores e à sociedade, em função de resgate ocorrido nas dependências da empresa Fênix Serviços Administrativos, flagrada mantendo trabalhadores em condições degradantes em um alojamento em Bento Gonçalves (RS). A Salton contratou 14 trabalhadores desta prestadora de serviços para carga e descarga de caminhões de uva na safra 2023.
Os termos do acordo, assinado pelas vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi, reforçam que as empresas concordaram voluntariamente com o pagamento, sob a forma de indenização, no valor de R$ 7 milhões, a ser rateado pelas empresas. Além de compor o fundo dos trabalhadores resgatados, o valor será revertido a entidades, projetos ou fundos que permitam a reparação dos danos sociais causados, a serem oportunamente indicados pelo Ministério Público do Trabalho.
A Salton ressalta que a assinatura voluntária deste termo tem o intuito de reforçar publicamente seu compromisso com a responsabilidade social, boa-fé e valorização dos direitos humanos, bem como a integridade do setor vitivinícola gaúcho.
A Salton e as demais vinícolas construíram conjuntamente com o Ministério Público do Trabalho procedimentos para fortalecer a fiscalização de prestadores de serviços para evitar que episódios lastimáveis voltem a ocorrer. Além disso, o acordo prevê, também, ampliar boas práticas em relação à cadeia produtiva da uva junto aos seus produtores rurais.
Por fim, o texto final do TAC declara que a celebração do acordo “não significa e não deve ser interpretada como assunção de culpa ou qualquer responsabilidade das COMPROMISSÁRIAS pelas irregularidades constatadas no curso da ação fiscal empreendida entre os dias 22 e 25 de fevereiro de 2023 em Bento Gonçalves, que culminou no resgate de trabalhadores que prestavam serviços para a empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde Ltda”.
A Salton reforça que cumprirá prontamente as determinações do acordo e reitera que atuará ainda em frentes adicionais já apresentadas em nota pública, tais como revisão de todos os processos de seleção e contratação de fornecedores, com implantação de critérios mais rigorosos e que coíbam qualquer tipo de violação aos dispositivos legais, incluindo direitos humanos e trabalhistas; contratação de auditoria independente externa para certificar as práticas de responsabilidade social; adesão ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, entre outras.
A empresa reitera que repudia, veementemente, qualquer ato de violação dos direitos humanos e expressa, também, seu repúdio a todas e quaisquer declarações que não promovem a pacificação social. A Salton procura reafirmar com este acordo a sua não omissão diante deste doloroso fato, a sua demonstração genuína de amparo aos trabalhadores e à sociedade e o seu dever moral e legal em assumir uma postura mais diligente em relação aos seus prestadores de serviços.
Família Salton"
Relembre o caso
O caso dos trabalhadores em situação análoga à escravidão foi denunciado após seis homens conseguirem fugir do local onde eram mantidos e buscar contato com a Polícia Rodoviária Federal, que prestou auxílio e deu início à operação. Um dos denunciantes já havia gravado vídeo com um celular e publicado em uma rede social reclamando das condições de trabalho. Ele relata que foi agredido pelos supostos empregadores por isso. O homem contou à polícia que aproveitou quando os agressores foram atender uma ligação e pulou de uma janela, correndo até um mato próximo do local onde estava. Ele e mais dois trabalhadores, que estavam com ele, aguardaram até as 3h da quarta-feira (22) para sair e pedir ajuda.
Ainda na quarta, uma operação conjunta de PRF, Polícia Federal (PF) e MTE flagrou 180 homens no alojamento, em situação precária de hospedagem, higiene e alimentação. À equipe, trabalhadores relataram que sofriam violência verbal, física, ameaças de morte e eram alimentados com comida estragada. Após o primeiro flagrante, outros 27 homens foram resgatados, na quinta, e encaminhados ao ginásio.
O aliciador da mão de obra e administrador da empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, Pedro Augusto Oliveira de Santana, chegou a ser preso ainda na quarta, mas foi liberado no dia seguinte após pagar fiança de R$ 39.060. Natural de Valente (BA), o empresário está sendo investigado. Ele trabalharia na região, com prestação de serviço, há pelo menos 10 anos, conforme o MTE.
Os homens resgatados atuavam, principalmente, na colheita da uva, em propriedades rurais do município. As três vinícolas — Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton —, citadas pelos trabalhadores e que contrataram o serviço terceirizado da prestadora, afirmaram em notas não ter conhecimento da situação em que os homens eram expostos até a operação, e que irão colaborar com a investigação. As investigações seguem com o MTE, Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal (PF).
Além de vinícolas, 23 proprietários rurais contratavam serviços de trabalhadores resgatados em Bento. Os nomes dos 23 não foram divulgados. A investigação ainda aponta que os trabalhadores atuavam na carga e descarga da uva em vinícolas e na colheita da uva nas propriedades rurais.