Na busca pelo equilíbrio entre corpo, mente e espiritualidade, Mariana Pinto Alvares, 45 anos, superou, dia após dia, os desafios a ela impostos desde que foi diagnosticada com câncer de mama, há pouco mais de dois anos. A doença causou um profundo impacto em diversos âmbitos da vida da moradora de Caxias do Sul, que passou por quimioterapia e cirurgia de remoção dos ovários, e que ainda utiliza medicamentos para controle da metástase identificada por exame, em maio de 2020.
Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de mama, tipo mais incidente da doença no Brasil, atinge, em média, 5,5 mil pacientes por mês. A cada diagnóstico, a vida de uma mulher — ou homem, em casos menos recorrentes — é invariavelmente impactada, assim como aconteceu com Mariana. Mas, como dizem os especialistas, cada caso tem suas especificidades; e pode demandar diferentes abordagens clínicas, sendo, portanto, variável e incomparável o processo vivenciado por cada paciente.
Foi na parte que lhe cabia, a de como encarar a situação estabelecida, que Mariana decidiu trilhar caminhos que combatessem não apenas o câncer, mas também qualquer sofrimento que pudesse estar atrelado a ele. Durante o período de tratamento, ela apostou nas chamadas terapias integrativas, que ainda atuam como importantes aliadas em sua recuperação.
— Algumas terapias já existiam na minha vida antes do câncer e, quando descobri que precisaria passar por um longo tratamento, busquei mais opções que pudessem me auxiliar nessa caminhada. Hoje eu vejo que algumas foram essenciais no meu tratamento, porque entendo que a gente não só um corpo físico. A gente tem o corpo, a mente e o espírito; e muitas dessas terapias atuam nestes três corpos. Sei que todos somos finitos e que o diagnóstico assusta, mas escolho estar no presente, mantendo alegria de viver, e buscando ver o câncer como experiência de crescimento, afinal de contas, eu tive uma segunda chance, e sou muito grata por isso — afirma Mariana.
São as práticas de Yoga, que envolvem exercícios e meditação, que hoje aliviam algumas dores físicas que a acometem, como efeito colateral dos medicamentos, assim como contribuem, segundo ela, para acalmar a sua mente. Outra prática meditativa, o Hoʻoponopono, que promove o perdão, também foi intensificada na rotina da paciente. Com a massagem chamada de drenagem linfática, ela obteve redução de inchaço e, diariamente pratica Reiki, junto da utilização de cristais. Na Fitoenergética — sistema que utiliza as plantas para benefício espiritual — ela encontrou a tranquilidade que hoje também compartilha por meio do comércio de banhos energéticos e tinturas elaborados com plantas que cultiva em casa.
Mariana afirma que cada uma das inúmeras práticas que aderiu foi sendo agregada à rotina conforme sentia que os efeitos eram benéfico, sempre com acompanhamento de profissionais qualificados. Ela também entende que não necessariamente as opções que buscou, surtirão o mesmo resultado para outras pessoas.
Ela é uma das pacientes acompanhadas pela médica oncologista Janaina Brollo, que atua no Hospital Geral, de Caxias do Sul, referência regional para tratamento em câncer de mama pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A partir dos bons resultados constatados em pacientes que associavam práticas ao tratamento, a profissional conta que passou a buscar informações sobre o assunto e que hoje recomenda as práticas integrativas às pacientes.
— Estamos tendo muitos avanços no tratamento do câncer, e muitas pacientes acabam se tornando crônicas, também. Ter equilíbrio e ver como vai conviver com isso, além do apoio da família, é fundamental — afirma a médica.
Ela afirma que, independente de religião, percebe que as situações vivenciadas a partir do diagnóstico trazem à tona questões relacionada à espiritualidade e fazem a pessoa repensar a vida, entendendo, por vezes, o câncer como "um aviso".
— O que a gente tem hoje sobre prevenção do câncer tem relação com manter uma vida saudável, incluindo a prática de exercícios e alimentação balanceada. Quando o câncer aparece, é porque algo não vai bem, há um desequilíbrio. Com certeza somos "um todo" e o equilíbrio é fundamental — observa.
Diante de casos como o de Silvana Andelieri, moradora de Caxias do Sul, que morreu após deixar a quimioterapia para aderir a um método orientado por um suposto "curandeiro" — fato que ganhou repercussão nacional nesta semana — a médica destaca:
— É fundamental enfatizar que quando falamos de terapias integrativas, não estamos falando de terapias alternativas. Em hipótese alguma as integrativas refutam ou negam o tratamento padrão do câncer com quimioterapia, radioterapia, imunoterapia, cirurgia ou terapia de alvo-molecular.
Prática pela saúde
Vanessa de Souza Cedro é terapeuta integrativa em Caxias do Sul. Segundo ela, as práticas propõem um olhar integral sobre a pessoa — corpo, mente, emoções e consciência — e também complementam qualquer outro tipo de tratamento que a pessoa esteja realizando. Jamais substitui. Além disso, ela alerta para o cuidado no momento das escolhas.
— É importante procurar um profissional sério, que guie dentro dos preceitos de ética e disciplina, que conheça e principalmente ensine como fazer. As terapias integrativas incluem práticas ancestrais que precisam de regularidade, comprometimento, disciplina para terem benefícios reais. Não estão ligadas a nenhuma religião, mas o Yoga por exemplo, tem uma base inicial na cultura Hindu, que algumas pessoas confundem com religião. Todas as pessoas podem praticar, independente de crença, religião, idade ou mobilidade — destaca.
A profissional, que atua com diferentes técnicas terapêuticas, relata que, em determinado momento da vida, sofreu de ansiedade crônica, o que a levou a tomar medicamentos, para além do tratamento terapêutico. Foi neste período que ela diz ter entendido mais sobre a forma que ambos processos se complementavam.
— Por muito tempo se tratou apenas a doença, hoje percebe-se a necessidade de tratar a pessoa, a doença pode ser a mesma, mas para cada pessoa a causa é diferente, então esse olhar único para cada ser é o que as terapias integrativas geram, acolhimento para que a pessoa possa entender mais sobre si mesma e autoconhecimento é necessário para que isso tudo funcione —avalia.
— Hoje existem ferramentas que estão disponíveis para auxiliar e para facilitar a vida de todos, a ciência e a espiritualidade avançam e se complementam, não precisamos carregar tanta dor, existem ótimos profissionais que estão qualificados para ajudar quem está disposto — completa.
O autocuidado, o amor próprio, e o sentimento de gratidão, estão entre os benefícios que as terapias interativas proporcionaram a Mirian Furlan que é terapeuta e buscou colegas profissionais para práticas durante o tratamento contra o câncer de mama que teve diagnosticado em 2020, quando tinha 37 anos. Na rotina estiveram yoga, meditação, reiki e o uso de Florais de Bach (compostos extraídos das flores). Dois anos depois, de volta ao trabalho, ela lembra do processo vivenciado durante o tratamento, realizado no Hospital Geral, em Caxias do Sul, e do quanto as terapias a fortaleceram.
— Ao mesmo tempo que estava num hospital, tirando duas mamas, em estava agradecendo pela chance de ficar bem e continuar a vida aqui fora. Enxerguei a doneça por outro ângulo, pela oportunidade que tive pra evoluir. Não estou dizendo que é fácil, cada um vive a dor de uma forma. Pra mim foi assim. Consegui olhar pro que importa de verdade afirma.
Reconhecimento
A incorporação de recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais, por vezes anteriores à própria medicina convencional, nos atendimentos em saúde, não é novidade. O movimento de adesão às chamadas Práticas Integrativas Complementares (PICs) foi impulsionado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda na década de 1990 e ganhou reconhecimento no Brasil em 2006, com a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS).
Embora ainda não faça parte do rol de atendimentos prestados pela maioria das unidades de saúde do país, o serviço público, por meio dos municípios, pode integrar profissionais qualificados em alguma das 29 práticas reconhecidas pelo Ministério da Saúde, contando com auxílio da 5ª Coordenadoria Regional da Saúde. Dentre as cidades abrangidas, 29 tiveram atendimentos de terapias integrativas neste ano, em serviços que tendem a ser ampliados, uma vez que o Programa Estadual de Incentivos para Atenção Primária à Saúde (PIAPS), do Estado, prevê este tipo de atendimento.
Na alta complexidade, que abrange o tratamento oncológico, por exemplo, as terapias integrativas ainda não chegam à maioria dos pacientes, mas, para quem consegue encontrar formas de praticá-las fora da rede pública, os resultados tem sido satisfatórios e, justamente por isso, atraído o olhar da medicina, que conta com uma especialidade emergente, a chamada Oncologia Integrativa, com foco em melhorar a saúde, a qualidade de vida e os resultados clínicos do paciente ao longo do contínuo cuidado oncológico.
Um guia publicado pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco) inclui recomendações como a meditação, musicoterapia, yoga, acupuntura, massagem e relaxamento para reduzir a ansiedade. A acupressão e eletroacupuntura, gengibre e relaxamento, segundo o documento, podem ser considerados como possíveis acréscimos aos medicamentos para controlar náuseas e vômitos durante a quimioterapia. Para melhorar a fadiga durante o tratamento, a hipnose também é uma das técnicas a ser considerada.