A necessidade de adaptação do ano letivo diante da pandemia de coronavírus causou um temor na educação dos jovens. Por maior que foi o esforço dos professores e diretores, as atividades online não estavam prontas para substituir as práticas presenciais. Em Flores da Cunha, um estudo municipal apontou que um em cada cinco alunos apresentava dificuldades de aprendizagem. Para enfrentar esta situação, a prefeitura disponibilizou aulas de reforço no contraturno e retomou a qualidade do ensino. O projeto florense de apoio pedagógico foi reconhecido pelo Ministério Público Estadual como um exemplo no Rio Grande do Sul.
O foco inicial é nas áreas de alfabetização, letramento e operações matemáticas. Com turmas de, no máximo, 15 alunos, os professores podem atender às necessidades individuais. O projeto também é adaptado à demanda cada escola, com diferentes conteúdos e horários, além de apoio na alimentação e no transporte, por exemplo, na área rural. A missão é equalizar o nível de aprendizagem, como se a pandemia nunca tivesse sido um fator.
— Uma disparidade (no estágio da aprendizagem) prejudica o andamento da turma. Se a professora avança muito (o conteúdo), quem está mais para trás não consegue acompanhar. E se ela vai mais devagar, acaba atrasando quem está mais para frente. Por vezes, esta disparidade, traz quatro ou cinco demandas diferentes na sala de aula — explica Melissa Vanelli Conz, diretora da Escola Municipal São José, a maior de Flores da Cunha.
— Cada aluno tem seu nível de necessidades e, numa turma menor, a professora consegue avaliar e trabalhar isto. A coordenadora pedagógica da escola é a responsável por fazer esta ponte da professora (da turma) com a professora do reforço. As atividades são preparadas para atender cada necessidade — conclui.
O projeto em Flores da Cunha, contudo, começou pela questão emocional dos jovens. Em novembro do ano passado, logo após o retorno das aulas 100% presenciais, a Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto iniciou ações para reduzir os impactos da pandemia, principalmente na dificuldade de socialização, que é uma parte importante do ensino.
— (O apoio psicológico) foi um pedido das escolas. Questões de perdas, de não poder abraçar, crianças que procuravam a direção o tempo inteiro ou que queriam ir embora "por não estar se sentindo bem". Eram diversas questões que prejudicavam o ensino — aponta Graziele Dall'Acua, coordenadora pedagógica do município.
Para fortalecer o apoio emocional, a Secretaria de Educação contratou cinco psicólogos para atuar nas 11 escolas municipais, além de uma equipe para gerenciar o projeto. No total, são cem horas semanais de atendimentos. Também foi disponibilizada a rede de assistência social municipal, dependendo da necessidade de cada caso. Além dos alunos, os professores e funcionários das escolas também podem buscar esse apoio.
No segundo trimestre, começou o reforço no contraturno. Para este projeto, foram contratados 12 profissionais: quatro professores de Matemática, quatro de Língua Portuguesa e quatro pedagogos.
— O nosso projeto foi combater essa defasagem imediatamente. Foram dois anos de pandemia, então certamente serão mais de dois anos para repor, e depois queremos seguir potencializando nossos alunos. Educação é investimento, não despesa. Estamos investindo na construção de uma uma sociedade cada vez melhor, com cidadãos melhores, que serão advogados, professores, médicos, ou a frente dos nossos negócios e empresas. A educação está sempre de mãos dadas com o empreendedorismo e inovação — ressalta o secretário municipal, Itamar Brusamarello.
Após sanar as perdas em português e matemática, a tendência é de Flores da Cunha expandir o projeto com outros conhecimentos e competências. A experiência se apresenta como uma base para outras iniciativas no contraturno.
— O projeto pode se tornar permanente nos diferentes contextos, e pode ir se modificando também. Em breve, os alunos podem vir no contraturno para aprender robótica, música e desenvolver outras habilidades. Muitos alunos, pela pandemia, ficaram muito tempo sem praticar esportes ou atividades físicas. Imaginamos que, num cenário de dois ou três anos, consigamos dar a volta nestas perdas, mas o projeto pode ir além — propõe a coordenadora Graziele.
"Sinto que minha vida mudou"
A estudante do sétimo ano da Escola Municipal São José Pietra de Souza Borges, 12, conta que tinha dificuldade na disciplina de matemática. Com o reforço, ela diz que passou a ter muito mais confiança, principalmente, durante as provas ou em resolução de exercícios.
— Sinto que minha vida mudou, porque eu consigo entender muito melhor a matéria. Posso dizer que não fico mais com aquele nervosismo de não saber. Eu me sentia a pior pessoa por não entender a matéria. Mas, a partir do momento que a gente aprende métodos novos, experiências diferentes, tudo muda. Agora, estou muito mais tranquila — destaca a adolescente.
O destaque do Ministério Público
Com o intuito de fomentar mecanismos de busca ativa e recuperação de aprendizagem, o Ministério Público liderou, em fevereiro, um acordo de cooperação interinstitucional. As experiências municipais inscritas foram avaliadas e os projetos contemplados foram convidados para momentos de compartilhamento em eventos específicos, além de disponibilização no site do Ministério Público.
Foram 95 projetos inscritos, sendo quatro selecionados em cada temática. A experiência de Flores da Cunha foi destaque na recuperação de aprendizagem.
Caxias investe em 11,7 mil horas de aulas a mais
Em Caxias do Sul, o desafio é a recuperação no Ensino Fundamental, que conta com 32 mil alunos. Para tal, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) fez uma avaliação nas 82 escolas municipais e elencou 22 estabelecimentos que são prioritários. Deste grupo, ainda foram destacadas 10 para receberem um alargamento do tempo de atividades, com um reforço na alimentação escolar para que os alunos possam vir no contraturno estudar.
As demais 60 escolas, que não fazem parte do grupo prioritário, também recebem apoio de professores do Projeto de Recuperação de Aprendizagem (PRA), só que com uma carga horária menor. A Smed afirma que trabalha com equidade conforme cada necessidade. São aproximadamente 150 profissionais envolvidos, disponibilizando cerca de 11,7 mil horas a mais de professores em sala de aula.
— Escola inclusiva é aquela que não deixa ninguém pra trás. Está constantemente tentando reorganizar o seu tempo e seu espaço pra dar conta das aprendizagens. Temos uma rede muito engajada, com 95% dos professores com pós-graduação, e sabemos que as crianças precisam de intervenções diferenciadas, de tempos diferenciados. É diferente trabalhar numa turma de 26 alunos e estar em um grupo com três ou quatro que tem a mesma necessidade de aprendizagem, independente da série ou idade — explica a secretária municipal de Educação, Sandra Negrini.
Para o projeto, a folha de pagamento dos professores foi reforçada em mais R$ 730 mil por mês. A estratégia foi dar mais horas para aqueles profissionais que já faziam parte da rede de ensino. A preferência foi com aqueles que possuem formação em neuropsicopedagogia, psicopedagogia e pedagogia.
A principal dificuldade, conforme os estudos, é nas séries iniciais, onde 22% dos alunos do 2º ao 5º ano não estavam alfabéticos (sem domínio básico da linguagem escrita). Outro grupo que requer atenção, segundo a Smed, é o que está terminando o Ensino Fundamental, pois precisa estar preparado para o Ensino Médio.
— Esses dois extremos acreditamos que irá levar uns quatro anos, no mínimo, para deixá-los num patamar ideal de desenvolvimento e aprendizagem. É um trabalho em constante evolução, com avaliações periódicas, como terá agora ao final do ano, e que requer união. Estamos aderindo a iniciativas dos governos Estadual e Federal. E começamos um programa específico para definir quais são as habilidades fundamentais que um aluno precisa ter constituído com tal idade.
A Smed também ressalta que há projetos paralelos de incentivo à aprendizagem, como aulas de robótica e lançamentos de e-books. A secretária Sandra diz que Caxias do Sul possui um grupo pedagógico qualificado que tem se desafiado não apenas a recuperar alunos, mas retomar a evolução deles.