Desde 2012, a Lei federal 12.764/2012 institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Aos olhos dela, isso garante às pessoas com autismo os mesmos direitos de pessoas com deficiência. Um desses benefícios está no transporte coletivo, com os assentos preferenciais. Mas, até então, não existia uma identificação igual para o público autista. Não são poucos os relatos de pessoas com autismo que utilizam o transporte coletivo e são atacadas por usarem o assento prioritário. Por conta disso, a advogada Andrea Argenta Stefenon e a assistente social Nicole Caprini sugeriram uma mudança na identificação dos lugares nos ônibus de Caxias do Sul, adicionando um dos símbolos do autismo (que é um laço com estampa de quebra-cabeça) na sinalização. A iniciativa, que se tornou um projeto de lei protocolado pelo vereador Rafael Bueno (PDT), com coautoria de Andrea e Nicole, já tem aprovação da Viação Santa Tereza de Caxias do Sul (Visate), e das Secretarias de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMTTM) e de Segurança Pública e Proteção Social (SMSPPS).
A expectativa é de que o projeto entre na pauta da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul até o final de maio. Bueno destaca a importância de conseguir uma aprovação rápida. A Visate, inclusive, já está com os novos adesivos prontos, apenas aguardando o trâmite do Legislativo para trocar a sinalização de toda frota.
— O meu projeto, aparentemente simples, tem um grande impacto social, principalmente no que diz respeito à acessibilidade das pessoas com autismo, porque muitas vezes o autismo, ele não é visível. Muitas vezes, a pessoa com autismo não tem um aspecto visível e é desrespeitada, sofre algum tipo de humilhação. Então, esse projeto tem como objetivo fomentar a inclusão e a facilidade de mobilidade deste grupo — destaca o parlamentar, lembrando que o Brasil tem um grupo de 2 milhões de pessoas com autismo.
As profissionais que sugeriram a mudança pensam que o projeto vai além da sinalização. A advogada e a assistente social acreditam que esta inclusão abre a oportunidade de conscientização sobre o autismo para os setores público, privado e para sociedade, para que todos entendam como atender e auxiliar uma pessoa com Transtorno de Espectro Autista (TEA).
— É sabido que o TEA possui alguns sintomas, sendo um deles a questão sensorial. Essa sensibilidade sensorial afeta a capacidade dos indivíduos em entender e processar, gerando possíveis crises. Apesar de não ser um sinal único do autismo e de não se manifestar de forma igualitária entre todos, as questões sensoriais estão em grande parte presentes. Essa sensibilidade surge de barulhos altos, cores, cheiros, luzes fortes, espaços com muitas pessoas entre outros, causando irritabilidade, agressividade, ansiedade e uma possível desorganização. Também é sabido que em muitos horários o fluxo dos ônibus aumenta e para o autista por vezes é difícil lidar com imprevistos. O uso do assento preferencial é de suma importância para garantir um acesso facilitado e também para inclusão oferecendo visibilidade e integração na sociedade — explica a assistente social Nicole Caprini.
Cidades como São Paulo adotaram o mesmo modelo. No caso da capital paulista, o símbolo do autismo está incluído na sinalização desde 2020.
A advogada Andrea acredita que os direitos garantidos por leis, como a que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, devem ser transformados em mais ações para atender essa parte da população e os familiares.
— A imediata necessidade de conscientização da sociedade sobre o autismo é avançar na luta contra os preconceitos que ainda marcam a forma como grande parte da sociedade lida com as diferenças, sem dúvida é o primeiro passo, seguido de políticas públicas realmente efetivas em nosso Município, que hoje infelizmente deixa desassistida esta parcela da população que tanto necessita do poder público — opina a advogada.
Caxias e Visate têm ações para identificar pessoas com autismo
Para a sociedade poder identificar as pessoas com TEA, a própria Visate lançou no ano passado o cordão girassol. De forma discreta, o acessório mostra que o usuário tem uma necessidade especial que não é aparente, como o caso do espectro do autismo ou como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Doença de Crohn, Colite Ulcerosa e fobias sociais. A iniciativa foi sugerida por Aline Prestes Rosolen, usuária do transporte coletivo urbano e mãe do Johnatan, que tem autismo.
A Visate adotou oficialmente o cordão girassol, notando a necessidade de identificação das pessoas com deficiências ocultas. A ação levou a empresa de transporte coletivo a apoiar o projeto de lei protocolado pelo vereador Rafael Bueno.
— Este item já é realidade em grandes cidades do país e, com certeza, auxiliará os Autistas e familiares, que precisam utilizar o transporte público para se locomover, na garantia dos seus direitos. Mais do que um simples adereço no ônibus, o adesivo trata da inclusão de um grupo que por muitos é desconhecido e precisa cada vez mais estar em voga na sociedade — conta a coordenadora de marketing da Visate, Jaqueline Mostardeiro Pereira.
O cordão é distribuído gratuitamente pela Visate e pode ser retirado na Central Caxias Urbano (na Rua Bento Gonçalves, entre Coronel Flores e Moreira César).
Outra possibilidade para identificação é a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA), criada a partir da Lei Federal 13.977/2020. Além de garantir uma forma de reconhecimento, com dados amplos do cidadão, a carteirinha pode ajudar no levantamento de quantas pessoas com autismo moram em Caxias, oportunizando a criação de mais políticas públicas (veja aqui como emitir a CIPTEA).
Funcionários também recebem orientações para conscientização
Um relato comum entre mães, pais ou responsáveis de crianças e adolescentes com autismo no transporte coletivo é sobre a situação em que eles são questionados por ficarem nos bancos prioritários, até mesmo antes da catraca. Lucélia Fontoura, 41 anos, é mãe de João Henrique, 15, que tem autismo, e explica que o melhor para o filho, principalmente nos horários de pico, é descer pela frente do ônibus, por ter menos movimento. Por muitas pessoas não entenderem a condição do menino, elas tentam obrigá-lo a passar para o outro lado do veículo.
Na última vez em que um caso como esse aconteceu, Lucélia e o filho foram abordados, dentro do ônibus, por um funcionário da Visate. A situação fez com que a mãe procurasse a empresa de transporte coletivo. Lucélia viu como um passo importante e apoiou a iniciativa do cordão girassol, e agora acredita que os colaboradores devem também se conscientizar sobre o autismo.
— Acreditamos na vontade de fazer a inclusão com o cordão girassol, mas não adianta se não são capacitados, se não tem informações sobre a TEA, pois a empatia e se colocar no lugar do outro, faz a diferença — diz Lucélia.
Desde o lançamento do cordão girassol, no final de 2021, a Visate trabalha a conscientização com os colaboradores, buscando reduzir casos como os de João Henrique. A companhia tem um trabalho interno com campanhas e treinamentos. A empresa de transporte tem 850 colaboradores e tenta alcançar a todos com a informação.
— Se a situação aconteceu lá fora, entre em contato com a Visate, pelo SAC, pela assessoria de comunicação, que nós vamos tomar uma providência — informa a coordenadora de marketing Jaqueline Mostardeiro Pereira.
Sobre os pedidos para passar a catraca, existe uma orientação para que os passageiros liberem o espaço frontal do ônibus para que o embarque possa ser mais rápido e que o local também não fique lotado. Dessa forma, os usuários que precisarem podem usar os bancos prioritários da frente, que em breve devem estar sinalizados também com o símbolo do autismo.
Como fazer o cartão de transporte coletivo para pessoas com autismo
Pais, mães ou responsáveis de pessoas com autismo devem seguir o mesmo procedimento de pessoas com deficiência para tentar conseguir a gratuidade no transporte coletivo. Para isso, devem procurar uma UBS (Unidade Básica de Saúde) ou uma entidade que auxilie PCDs (Pessoas com Deficiência) para que um médico dê um atestado.
No mesmo local, um cadastro será feito para a pessoa com TEA. Por isso, os pais ou responsáveis devem levar os seguintes documentos:
- Documento de identificação de todos os membros que moram na residência (como RG e CPF);
- Comprovante de renda de todos os membros da família com mais de 16 anos;
- Comprovante de residência ou domicílio;
- Atestado médico com CID (código da Classificação Internacional de Doenças)
Após o cadastro, os pais ou responsáveis devem procurar o setor de Acessibilidade da Secretaria de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMTTM). A secretaria está localizada na Rua Moreira Cesar, nº 1666, bairro Pio X. Se o pedido for aprovado, ele é repassado para Visate.