
As fotos em preto e branco ainda são um esteio de uma das poucas memórias que se mantêm preservada no Cemitério Público Municipal de Caxias do Sul. Isso porque os sinais de depredação de jazigos e túmulos que estão mais afastados do portão de entrada demonstram que histórias podem sumir aos poucos. Os indícios de abandono são vários, que vão desde roseiras que invadem corredores, portas de jazigos arrombadas, alguns túmulos sem identificação da família ou da pessoa que ali está sepultada.
A reportagem esteve no local durante a semana passada e, numa rápida caminha pela rua denominada F, ao menos 15 capelas estavam arrombadas. Se forem contabilizados pequenos corredores, esse número aumenta rapidamente. Em meia-hora, ao menos 22 túmulos tinham algum sinal de arrombamento ou até de ocupação recente. Em um dos jazigos, onde até a porta foi arrancada, estava uma calça jeans já velha, apontando que alguém dormiu por ali. O fato não demorou para se confirmar. Mesmo às 15h de uma terça-feira, um homem ocupava um jazigo como refúgio. O descaso vem das próprias famílias, que parecem ter desistido de proteger esse patrimônio.
— Tudo o que se tem numa sociedade está refletida em um cemitério. No momento em que iniciam as depredações, você perde muito da história. Em muitas localidades, os cemitérios são objetos de estudos que analisam a estatuária, simbologia de todas essas obras de arte. Muitos desses locais são verdadeiras obras de arte — analisa o historiador caxiense Juventino Dal Bó.
A falta de preservação do espaço caxiense de 4,5 hectares e que possui praticamente todos os principais personagens que construíram a cidade sepultados é latente. A capela do ex-prefeito de Caxias Dante Marcucci e sua família está com uma das gavetas aberta. Esse é apenas um exemplo dentre inúmeros casos. A cena, no entanto, não é algo novo.
— (Antes) Existia todo um caminho que ia do centro até o cemitério, todo ladeado por ciprestes, que normalmente se planta num cemitério. Infelizmente, em Caxias não se tem essa coisa de conservar. Não há nenhum túmulo tombado, nenhum túmulo específico que possa chamar a atenção. Apesar de alguns serem grandiosos e luxuosos, não foram conservados, não tem nenhuma grande obra de arte, por exemplo — complementa Dal Bó.
Algumas famílias sequer são localizadas
A prefeitura de Caxias é responsável pela limpeza, exumações e túmulos temporários. Quando há sinais de depredação nos jazigos, a responsabilidade recai sobre os permissionários. Ainda assim, a administração reconhece que é difícil encontrar algumas famílias, muitas vezes pelo fato de o contato telefônico estar desatualizado.
— A administração chama os proprietários e eles têm que providenciar manutenção ou conserto dos túmulos. Na hipótese de não se conseguir contato telefônico e haver danos no túmulo, a própria equipe do cemitério tenta providenciar os reparos imediatos, para não surgirem outros problemas e não se deixar exposto o caixão ou restos mortais — afirma a diretora de serviços da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), Vânia dos Santos Moura.
Sobre a questão de segurança, a responsabilidade fica a cargo da Guarda Municipal. Segundo o poder público, rondas são realizadas periodicamente ou quando se recebem denúncias de pessoas ocupando os jazigos. O administrativo do cemitério está ligado à central de alarme da Guarda. Ainda assim, inibir as ações de furtos que ocorrem rotineiramente no local ainda é algo difícil.