O aumento consecutivo do combustível, do pneu e de peças de manutenção, o surgimento dos aplicativos de transporte de passageiros, além da queda no número de usuários do transporte público são protagonistas de uma crise no setor que se agrava a cada ano. Estes são pontos defendidos por especialistas que analisam a situação, não só das principais cidades gaúchas como também de todo o Brasil.
Em Caxias do Sul, o assunto vem ganhando força desde o aumento na tarifa, no início deste mês, de R$ 4,75 para R$ 5,50 e, logo após, o início do debate sobre o início do subsídio por parte da prefeitura para auxiliar no custo do transporte. O aporte, que está sendo analisado na Câmara de Vereadores, seria uma complementação da tarifa, que pode ser reduzida ao usuário e então entra a contrapartida do governo municipal para atingir a tarifa técnica de R$ 5,50 para a Viação Santa Tereza (Visate).
O secretário municipal de Trânsito, Transporte e Mobilidade (SMTTM), Alfonso Willenbring Júnior, explica que o custeio dos ônibus e toda a operacionalização do transporte coletivo era feito exclusivamente pelos usuários pagantes, ou seja, através do valor da tarifa. Entretanto, ele avalia que, nos últimos 11 anos, há uma queda ano a ano no número de pessoas que utilizam os ônibus como meio de transporte.
— Nós tínhamos em 2011 mais de 150 mil passageiros por dia aqui em Caxias, de lá para cá a população aumentou e, no entanto, hoje nós temos uma média de 90 mil a 95 mil. Então tem um decréscimo de usuários e isso é ruim para a cidade inteira. Certamente essas pessoas estão transitando por outros meios como o automóvel. E, um número maior de automóveis é algo que prejudica a mobilidade como um todo — analisa Júnior.
Ele defende também que o subsídio da prefeitura já deveria ter sido efetivado anos atrás, o que evitaria a atual crise.
— A partir do ano de 2016, a chegada dos aplicativos de transporte, foi um segundo golpe muito forte no transporte coletivo. Não bastasse isso, em 2020 teve um golpe que quase foi fatal, com a pandemia. Em muitas cidades houve quebra, houve intervenções de municípios. Nós não temos muitas alternativas, nós temos que fazer ele ser viável. Se não tivermos o transporte coletivo no futuro, a cidade torna-se intransitável. Uma gama muito grande de pessoas vai perder a sua capacidade de trafegabilidade, então não existe alternativa. É um serviço de caráter essencial, que deve ser oferecido pelo município. O serviço precisa continuar — complementa o secretário da SMTTM.
Vereador e presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano, Transporte e Habitação (CDUTH), Adriano Bressan (PTB), aponta que um fator histórico que mais impactou na situação do transporte é o valor do diesel, combustível usado nos ônibus, além dos insumos, como pneus mais caros e o aumento do valor do aço.
— Nunca tivemos o valor (do diesel) tão alto, pela questão da pandemia, que agravou demais a nossa situação em todo Brasil. Então não é uma questão só do nosso município, mas todos os municípios do Brasil. Os insumos também, porque não é só o diesel, a gente tem que pensar que o pneu aumentou em torno de 80%, o chassi de ônibus passou também por um aumento do aço, então tudo isso impactou e muito na questão do transporte — diz.
Bressan salienta que, na sua opinião, o setor do transporte foi o setor mais afetado pela pandemia e que a atual empresa responsável, a Visate, é transparente nos gastos.
— Ela (Visate) teve uma perda muito grande na questão de usuário de transportes até pelos aplicativos. A gente tem que colocar que há alguns anos atrás o transporte coletivo dava certo porque nós não tínhamos o aplicativo, é uma tecnologia, temos que aceitar, é válido, ajuda e muito, mas também impacta no transporte coletivo — destaca o vereador.
O que dizem especialistas?
O professor do Departamento de Transportes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Carlos Félix, estuda a situação do transporte público no Brasil há mais de dez anos e pontua que, no mesmo período, o governo federal já exige a licitação do transporte para que, no ponto de vista legal, os municípios tenham a estruturação necessária para fazer o acompanhamento e planejamento do setor.
— A maioria das cidades estão subsidiando durante a pandemia, porque se não o sistema já tinha acabado. (Cidades como) Caxias, Santa Maria, Pelotas e Canoas não pensaram em subsídio antes, o sistema sobrevivia, cumprindo uma tabela de horário determinada pelo gestor público e somente era remunerado por quem entrava e pagava a passagem — informa.
Quem também estuda o tema é o diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (Faurb) da Universidade Federal de Pelotas, Mauricio Polidori, que garante que a crise não é algo novo na realidade mundial e brasileira.
— O transporte é algo essencial para sair do estado de pobreza, porque quem não tem mobilidade, não tem acesso, não consegue dar um passo à frente dentro do processo produtivo. Esta crise no transporte é uma opção do sistema capitalista em espremer o usuário. Hoje nós não temos interesse dentro do sistema capitalista internacional, nacional e municipal de dar atenção ao trabalhador, então ele é absolutamente abandonado nas políticas públicas e o transporte coletivo é uma delas. Se entende que quem não tem dinheiro que se vire dentro da cidade. A crise não é de hoje, não é nova e é esperada — frisa.
Félix complementa que existem soluções para a crise, algumas mais viáveis, como a economia verde, ou também a descentralização dos horários de picos, como mudança em entradas e saídas de escolas, para distribuir a ocupação, esta mais difícil.
— Temos grandes oportunidades econômicas e ambientais da chamada economia verde, mas para avançarmos nisso precisamos estabelecer estratégias e ações possíveis. Investir no transporte público gera mais empregos e muito mais oportunidades do que investir na chamada infraestrutura viária só para circulação de carros — ressalta o especialista.