Adotado de maneira emergencial diante da necessidade de distanciamento e como alternativa para um retorno mais seguro às salas de aula em 2021, o ensino remoto também evidenciou as desigualdades dentro da própria rede pública de Caxias do Sul. Segundo um levantamento realizado pela Secretaria Municipal da Educação (Smed), em 79 das 83 escolas municipais, 5.639 dos 30.539 estudantes matriculados informaram não ter nenhum tipo de dispositivo eletrônico, como celular, tablet ou computador, para auxílio na realização das atividades escolares. Como alternativa para solução desse problema, a prefeitura de Caxias abriu uma licitação para a compra de notebooks, que serão disponibilizados aos alunos que não tem acesso à tecnologia e que também devem ser incorporados no dia a dia das escolas municipais a partir do ano que vem.
O equipamento pretendido é do modelo Chromebook, que é menor, mais leve e fácil de transportar que os notebooks tradicionais. Além disso, ele opera com o sistema do Google, o Chrome OS, que é voltado para atividades educacionais com o auxílio de ferramentas, como montagem de slides, planilhas e chamadas ao vivo. Pela plataforma Classroom, um mural de recados coloca os professores em contato com alunos e tem espaço para orientações e esclarecimento de dúvidas. O aparelho exige também conexão à internet para funcionar plenamente, mas mesmo offline é possível criar documentos, planilhas e checar e-mails. Outro diferencial é a duração da bateria, que possui autonomia mínima de 8 horas sem estar plugada na tomada.
Além dos estudantes, as coordenações pedagógicas das escolas municipais também serão contempladas com o equipamento, mas com um modelo mais robusto em comparação com a versão que será entregue aos alunos. Também faz parte da licitação a aquisição de gabinetes para armazenamento, transporte e recarga dos notebooks. No total, o processo de compra prevê a possibilidade da aquisição de 34 mil chromebooks (para alunos e professores) e 850 gabinetes (cada acessório pode armazenar até 40 laptops). Caso não tenha interesse, a prefeitura não precisa comprar todo o quantitativo previsto na licitação.
A compra dos notebooks chama a atenção porque foi autorizada em um momento que os alunos já retornaram ao ensino presencial. Mesmo assim, segundo a titular da Smed, Sandra Negrini, atividades extras são repassadas aos estudantes como forma de recuperar o ensino perdido durante a pandemia e que continuarão sendo adotadas no ano que vem. Por isso, em um primeiro momento, devem ser adquiridos entre 6 e 7 mil chromebooks para suprir a demanda dos estudantes que não possuem acesso à tecnologia em casa. Aqueles que têm aparelhos eletrônicos continuarão os utilizando normalmente.
Entretanto, em uma segunda etapa, também haverá a possibilidade de empréstimo do equipamento em determinadas atividades para todos os estudantes da classe. Como forma de evitar problemas, os computadores portáveis terão chip para localização e poderão ser desativados à distância em caso de furto ou roubo.
A secretária reconhece que os equipamentos poderiam contribuir mais com o ensino se fossem adquiridos antes, quando as escolas estavam fechadas, mas entende também que a aquisição busca elevar a qualidade da escolas municipais e melhorar o ensino ao longo dos próximos anos.
— O dispositivo será colocado à disposição para qualificar os processos de ensino e aprendizado. Tudo será combinado com os professores. Estamos buscando alternativas para levar o ensino digital para quem não tem acesso, mas isso não impedirá que outras crianças que tenham um celular ou computador em casa não possam utilizar os chromebooks — explica Sandra.
Segundo ela, também é um desejo que o dia a dia nas escolas seja com mais espaço para a utilização de aparelhos eletrônicos, com o objetivo de preparar os estudantes para novos desafios.
— Usar a tecnologia na sala de aula não se baseia somente em fazer pesquisas na internet. Inserir o pensamento computacional permite o desenvolvimento de uma capacidade necessária em lógica e matemática, por exemplo. É trabalhar o lúdico nos ensinos iniciais, mas começar a colocar temas como robótica no dia a dia das demais séries. Queremos proporcionar para o estudante da rede pública as mesmas condições e a mesma qualidade do ensino das escolas privadas — explica.
Na visão da pedagoga, psicopedagoga e mestre em Gestão Educacional, Simone Martiningui Onzi, independente do momento, os investimentos em tecnologias e inovações na educação são bem-vindos.
— A iniciativa é excelente, mas sim, era necessário ainda no ano passado, quando iniciamos na pandemia. A inclusão digital é essencial para um processo educativo integral e conectado com a realidade que vivemos. Contudo, o último um ano e meio também mostrou o quão importante é a figura do professor. Nesse cenário, fica claro que o professor e a tecnologia precisam caminhar juntos, no intuito do computador não ser uma ferramenta de trabalho e sim, a possibilidade de criação de estratégias pedagógicas e auxiliar no processo de ensino-aprendizagem dentro e fora da sala de aula — avalia.
Professores de escolas estaduais utilizam o mesmo equipamento
Essa não será a primeira vez que os chromebooks farão parte do ensino público. No ano passado, o governo do Estado adquiriu 50 mil equipamentos desse mesmo modelo e distribuiu para professores e coordenadores pedagógicos das instituições da rede. Nesse caso, os alunos não foram contemplados.
Para a 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), que abrange 14 municípios da Serra gaúcha, foram entregues 2.167 chromebooks para 118 escolas. No Instituto Estadual de Educação (IIE) Cristóvão de Mendoza, em Caxias, foram recebidos 18 equipamentos.
— É muito prático, principalmente para usar os recursos tecnológicos do Google. Muitos professores só tinham o computador de mesa, em casa, mas que agora têm à disposição o chromebook para acessar em qualquer lugar e que ajuda na preparação das aulas — avalia a diretora do Cristóvão, Roseli Bergozza.
Orçamento para a compra dos notebooks não é divulgado
Pela primeira vez, a prefeitura de Caxias do Sul está utilizando um formato de licitação que não a obriga a divulgar o orçamento realizado para a aquisição dos chromebooks. Dessa forma, não é possível saber quanto a Smed deve investir em cada um dos aparelhos e do acessório para armazenamento. A modalidade adotada é o pregão eletrônico por Sistema de Registro de Preço (SRP) do tipo menor preço por item. O SRP funciona como um cadastro eletrônico de produtos e fornecedores para eventual e futura contratação de bens e serviços.
A administração se ampara em um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU), que diz que quando a licitação for na modalidade pregão, "o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários não constitui um dos elementos obrigatórios do edital, devendo estar inserido obrigatoriamente no bojo do processo relativo ao certame, ficando a critério do gestor a avaliação da oportunidade e conveniência de incluir esse orçamento no edital ou de informar".
Segundo a secretária Sandra Negrini, a restrição de acesso à informação do orçamento implica na eficácia da fase de negociação da proposta. Ainda de acordo com ela, quando as empresa interessadas na licitação já conhecem o valor que a administração se propõe a pagar pelo objeto do contrato, as ofertas de preço giram em torno do valor estimado para a licitação. Dessa forma, aquelas que poderiam oferecer abaixo do preço máximo divulgado, acabam elevando a proposta e inviabilizando uma eventual economia na aquisição dos equipamentos.
— As licitantes devem elaborar suas propostas a partir de seus próprios custos e expectativas de lucratividade, e não baseados em um preço de referência estimativo dado pela administração. É possível que se tenha, sim, preços melhores do que o inicialmente orçado e, por isso, a divulgação no edital não é feita. É um teste, vamos ver como vai funcionar — sustenta.
Para se ter uma ideia, sem considerar a quantidade e a marca da fabricante do aparelho, a prefeitura de Porto Alegre adquiriu, no ano passado, 46 mil chromebooks ao custo unitário de R$ 1.572 em um investimento total de mais de R$ 3,9 milhões.
Outra possibilidade do pregão é que prefeituras que fazem parte da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne) também poderão aderir à licitação e adquirir os equipamentos para inseri-los nas salas de aulas, caso tenham interesse.
"Fica difícil comprar um único celular, o que dirá um computador", diz mãe de quatro estudantes
Os desafios da educação à distância foram multiplicados por quatro na casa da diarista Alika Bielgemayer, 27 anos. Mãe de João Miguel, 13, Gabriel, 11, Giulia, 10, e Pedro Antônio, 8, ela conta que teve dificuldades para organizar a rotina dos filhos durante o ensino na pandemia.
A família tem um notebook, doado por uma patroa de Alika, mas um defeito no microfone do aparelho fez com que ele pouco contribuísse para que os filhos pudessem acompanhar as aulas online. Ela e o marido, que é vendedor, possuem um celular, mas utilizam o aparelho durante o trabalho, o que torna difícil o empréstimo aos filhos.
A saída encontrada pela família e por diversas outras foi retirar as tarefas impressas na escola, possibilidade destinada especialmente para crianças sem acesso à tecnologia.
— Foi difícil para nos organizarmos porque precisei entender o que era de cada um para poder auxiliá-los. E foram bastante atividades, folhas, acabamos nos perdendo algumas vezes. Mas a escola sempre colaborou bastante, organizando tudo para que quem não pudesse fazer online não fosse prejudicado — conta.
Os quatro filhos de Alika estão matriculados na Escola Municipal Ilda Clara Sebben Barazzetti, no bairro Santa Fé, e estão frequentando as aulas presencialmente. Entretanto, ainda existem atividades que precisam ser feitas em casa para recuperar o aprendizado prejudicado durante a pandemia.
Segundo a mãe, a família não possui recursos para adquirir um equipamento eletrônico para os quatro estudantes. Por isso, na visão dela, a intenção da prefeitura em disponibilizar um equipamento para os estudantes da rede municipal é bem-vinda.
— Pagamos aluguel e tudo está mais caro, é a conta de luz, o mercado. Fica difícil comprar um único celular, o que dirá um computador. E se pudesse eu compraria um computador mesmo porque é melhor para o conforto deles. A tela do celular é pequena e não ajuda muito — explica Alika.