Nem a expressão “frio de renguear cusco” explicaria a sensação térmica dos Campos de Cima da Serra nesses últimos três dias de junho. A temperatura negativa de 2,8ºC registrada em Bom Jesus durante a madrugada da terça-feira (29) não teve grandes amplitude no decorrer do dia. Em São José dos Ausentes, o vento forte e gelado parecia cortar a face deixando a sensação ainda mais congelante durante a tarde.
Viver nessas condições exige paciência e resiliência. Ausentes é a cidade mais alta do Rio Grande do Sul, com 1,2 mil metros de altitude, e um dos locais mais gelados do Estado. Ainda assim, essa onda de frio surpreende aos moradores. Elton Paim Guimarães, de 61 anos, tem uma propriedade rural e, mesmo acostumado ao frio, teve que adaptar sua rotina.
— Hoje terminamos de tirar o leite era 10h30min, não tem como tirar mais cedo. Não tem como pegar a vaca, cheia de gelo porque fizemos um processo rigoroso para coletar — disse Seu Elton, que completou:
— Fizemos um sistema que não é adequado, tiramos o leite, deixamos os bezerros mamar e já apartamos eles. Em dias normais, nós buscamos os terneiros por volta das 16h e soltamos as vacas, mas hoje ficamos entocados o dia inteiro — revela.
Outro fato que chama atenção é a conhecida geada preta, que congela a água nos canos e nas vertentes. Até os motores dos tratores precisam ter a água retirada para não congelar. Questionado sobre a temperatura dessa água, Elton respondeu rapidamente:
— Congela até a alma da gente.
O único posto de combustível da cidade fecha às 21h. É um dos últimos estabelecimentos abertos num dia normal, após esse horário só as lancherias vão além.
— Me agasalho bastante e tento me esconder ao máximo dentro da guarita. Mas não tem como fugir desse frio — diz o frentista Mikelme Santos, de 17 anos.
Para trabalhar nesta terça (29), Mikelme estava com quatro blusas, manta, dois capuzes e três calças. Ainda assim, o frio assustava o jovem.
O paranaense Allan Paz, de 21, trabalha no mesmo local, mas protegido no caixa e com o ar-condicionado ao seu lado. Isso enquanto trabalha, porque em casa é preciso habilidade, conta:
— Em casa só fico debaixo das cobertas, aquecedor e fogão a lenha — relata Allan.
Até as atividades mais simples como tomar banho exigem uma certa coragem.
— Tomar banho a água precisa estar bem quente, saindo bem fraquinha do chuveiro — conta ele, aos risos.
Outra característica do município que se recolhe por volta das 18h está no visual. A fumaça dos chaminés vai aumentando no perímetro urbano conforme a noite chega e os moradores retornam para casa. Só assim para sobreviver a tanto frio.
Neve não veio
Nas conversas com moradores da região mais alta do Estado, eles defendiam a tese de que fazia muito tempo que não se tinha uma onda de frio tão forte. Bom Jesus conviveu com a expectativa de neve até o final da manhã da terça-feira (29), com o céu encoberto. O mais próximo do fenômeno foram apenas alguns pingos de chuva congelada visíveis nas ruas do município.
A madrugada com frio extremo, segundo o INMET -2,8ºC, não teve a umidade suficiente para ocorrência de neve. Durante a manhã, alguns moradores acreditavam na possibilidade de ver os flocos, que foi encerrando conforme o sol abria. A terça-feira foi apenas mais um dia de muito frio nos altos do Rio Grande do Sul.