A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul decidiu manter a suspensão das aulas presenciais em escolas públicas e privadas em todo o Estado enquanto durar a bandeira preta. Os desembargadores negaram, por unanimidade, o recurso do governo do Estado.
A sessão ordinária virtual começou às 18h35min, desta segunda-feira (26), e julgou o mérito do primeiro recurso do governo estadual à decisão da Justiça em primeira instância, de 28 de fevereiro, que suspendeu as aulas. O julgamento estava previsto para ocorrer na quarta-feira (28) mas foi antecipado. Três desembargadores participaram do julgamento. O relator, desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, abriu a sessão. Após, o representante da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), Victor Herzer da Silva, em sustentação oral, pediu o deferimento do recurso, e disse que os indicadores sobre a pandemia no Estado são, agora, menos graves do que ao tempo da decisão que suspendeu o retorno das aulas.
Já o advogado Pedro Magadan, representante do sindicato dos professores da rede estadual (CPERS), também defendeu posicionamento da entidade, dizendo que os índices atuais da pandemia não autorizam reabertura das escolas e que, sob bandeira preta, o risco de contágio segue altíssimo. Ele pediu o indeferimento do agravo.
A Associação Mães e Pais pela Democracia, autora do pedido judicial de suspensão das aulas que deu origem ao recurso analisado nesta sexta, foi representada pelo advogado Júlio Sá. O entendimento da entidade é que ainda não há razões para reforma da decisão que suspendeu o retorno às aulas, e que escolas não são atividades isoladas da sociedade, referindo-se ao risco de contágio.
Na sequência falou o procurador de Justiça do Ministério Público Estadual, Luiz Achylles Petiz Bardou. O parecer dele foi pelo parcial provimento do recurso, enquanto houver bandeira preta, mas desde que sob cogestão. Salientou importância do ensino para os jovens e a redução consistente nos números da pandemia.
Desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, relator do processo, começou a proferir o voto por volta das 20h. Ele ponderou que "o retorno pretendido deve se dar mediante a constatação de circunstâncias sanitárias seguras para toda a comunidade envolvida, não apenas as crianças, mas também aos pais, professores, auxiliares, atendentes, encarregados da limpeza, merendeiras, colaboradores das escolas e transportadores coletivos." Que "não há como transigir com a vida ou com a morte."
— Vivemos um período notadamente de exceção, equiparável a um estado de guerra diante de um número tão elevado de mortes, o que requer medidas excepcionais com o intuito de preservar bem maior. O que não significa ignorar a existência de danos colaterais inevitáveis. Lamentavelmente essa é a realidade —disse durante o voto.
Segundo o Desembargador Antonio Vinicius, não se desconhece que lugar de criança deve ser na escola. Tampouco se está a restringir as políticas de gestão do governo estadual, no tocante à educação, ressalvou, defendendo que a autonomia de gestão é ampla e deve estar em consonância e coerência com os dados de risco decorrentes da pandemia. Mencionou que ainda que o balizador seja a bandeira preta, não há como se negar a existência de flexibilizações já implementadas tendo em vista o abrandamento da situação dos leitos hospitalares. Mas todas as medidas devem ser coerentes com o quadro geral, explicou.
Por fim, explicitou os efeitos do alcance da decisão, "para que seja mantida enquanto vigente a decretação de bandeira preta do sistema de distanciamento controlado do Rio Grande do Sul, ou enquanto não houver outra forma de viabilizar o retorno seguro às atividades escolares, evidenciada por ato jurídico devidamente motivado."
Depois do relator, que negou provimento ao recurso do Estado, o desembargador Eduardo Uhlein votou no mesmo sentido. "Apenas acrescentaria que o decreto que está em julgamento foi editado na pior situação da pandemia do Estado". Ele não viu a demonstração de redução efetiva e científica de condições sanitárias para permitir retorno seguro às escolas. Reconheceu a independência dos Poderes, mas que efetivamente cabe ao Judiciário verificar a legalidade dos atos.
O terceiro voto foi do desembargador Alexandre Mussoi Moreira, que lamentou protesto em frente à casa da magistrada que proferiu a decisão de 1º Grau. Entende que não há elementos novos que autorizem a volta às aulas, como a vacinação de professores, por exemplo. Disse que espera que a situação mude em breve e se possa voltar às aulas e acompanhou o relator.
Com isso, por unanimidade, os desembargadores negaram provimento ao agravo, mantendo suspensas as aulas durante a bandeira preta. As informações e o resultado foram divulgados em rede social do Tribunal de Justiça.
Colegiado julgou ainda dois recursos de Agravo de Instrumento: do Ministério Público e do próprio Estado do RS, ambos contra nova decisão da magistrada de 1º Grau, proferida no domingo, reiterando a liminar, mesmo ante os termos do novo decreto do Estado. Ambos os recursos foram negados. O relator, desembargador Vinicius, observou que há parâmetros para definição das bandeiras e o índice balizador não foi alcançado. Os índices que impuseram a bandeira preta persistem. Por isso, a incoerência do novo decreto, ainda que sob cogestão.
Entenda o caso:
:: Em 22 de fevereiro, o governo do Estado acatou pedidos de prefeitos para manter as aulas presenciais mesmo sob a bandeira preta do sistema de distanciamento controlado para a Educação Infantil e os 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, sob justificativas de muitos pais não terem com quem deixar os filhos para trabalhar e da dificuldade de alfabetização das crianças em aulas virtuais.
::A Associação Mães e Pais pela Democracia e o Cpers-Sindicato ajuizaram uma ação civil pública contra o governo do Estado para reverter a liberação das aulas presenciais sob bandeira preta.
:: Na noite de 28 de fevereiro, a 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre determinou a suspensão da reabertura das escolas públicas e privadas enquanto o Estado estivesse em bandeira preta "independentemente de eventual flexibilização de protocolos".
:: O governo gaúcho recorreu ao Tribunal de Justiça, mas um despacho do desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, em 3 de março, indeferiu efeito suspensivo da liminar. No texto, o magistrado apontou "incoerência" do governo ao tentar retomar as aulas físicas em um cenário de agravamento da pandemia.
:: O Piratini recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas também não obteve sucesso. O presidente do STF, Luiz Fux, negou o pedido do governo em decisão divulgada dia 4 de março.
:: O governo do Estado anunciou na última sexta-feira (23) a liberação da retomada das aulas presenciais a partir desta segunda (26) por meio da publicação de um novo decreto. Esse decreto incluiu a Educação Infantil e o 1º e 2º anos do Ensino Fundamental na chamada cogestão, que permite flexibilizar atividades para a bandeira imediatamente anterior do distanciamento controlado.
:: Além disso, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) ingressou com um novo pedido de efeito suspensivo da liminar que, em 28 de fevereiro, impediu a volta às aulas. O desembargador da 4ª Câmara Civil Antonio Vinicius Amaro da Silveira não acatou o recurso, observando que um recurso prévio do Piratini seria apreciado pelo colegiado em uma sessão virtual com término previsto para a quarta-feira (28).
:: No domingo (25), a Federação dos Professores, Trabalhadores Técnicos e Administrativos e Auxiliares Empregados em Estabelecimentos de Ensino (Fette-Sul) apresentou petição à Justiça questionando a validade do novo decreto estadual. O juiz de plantão encaminhou o processo para análise da 1ª Vara da Fazenda, onde o tema já vinha tramitando.
:: A Juíza Cristina Luísa Marquesan da Silva, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, após outra petição questionando o decreto estadual apresentada pela Associação Mães e Pais pela Democracia, reafirmou que a liminar divulgada em fevereiro seguia em vigor e mantinha suspensas as aulas presenciais.
:: O governo estadual solicitou uma manifestação do Tribunal de Justiça, em caráter de urgência, esclarecendo que o novo decreto não violaria decisões judiciais anteriores. O desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira não atendeu ao pedido, mas antecipou o julgamento previsto para a quarta-feira (28) para as 18h desta segunda-feira a fim de evitar insegurança ainda maior em relação à volta às aulas.
:: Além disso, o Ministério Público também entrou com recurso contra a liminar que suspendeu as aulas presenciais. Em plantão, ainda na noite de domingo, o desembargador Luiz Felipe Silveira Difini negou a solicitação.
:: Em seu despacho, Difini considerou incoerente que o governo tenha mantido as aulas presenciais suspensas no ano passado sob bandeiras mais brandas, e pretenda retomá-las sob a bandeira preta. Determinou ainda intimação do governador, do prefeito da Capital e do presidente do Sindicato do Ensino Privado (Sinepe) para cumprirem a decisão que mantém as aulas suspensas "sob pena de responsabilidade". O desembargador considerou ser necessário aguardar o julgamento do Agravo de Instrumento pelo colegiado da 4ª Câmara Cível nesta segunda.
:: Em manifestação nesta segunda-feira (26), o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, alegou que a gestão do distanciamento controlado é "inerente à independência do poder Executivo" que estaria "respaldada nas decisões proferidas pelo relator do agravo ao Tribunal de Justiça".
:: Nesta segunda-feira pela manhã, o governo estadual recuou e anunciou a suspensão da retomada das aulas presenciais no Rio Grande do Sul.
:: Antes disso, muitas escolas abriram as portas e receberam os alunos.
:: A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ) do Estado julgou em segundo grau o mérito do primeiro recurso do Executivo à decisão da Justiça em primeira instância, de 28 de fevereiro, que suspendeu as aulas.