A queda no número de passageiros diante da avassaladora concorrência dos transportes por aplicativo forçará revisões na lei que rege os táxis em Caxias do Sul. Relativamente nova, a legislação de 2014 já é considerada obsoleta em alguns pontos por manter exigências demais num mercado onde o grande apelo tem sido regras não convencionais e simplificação. Em junho do ano passado, a prefeitura já havia oficializado três modificações, mas que não tiveram muito impacto.
Agora, uma ideia é extinguir a obrigatoriedade da jornada mínima de trabalho e permitir descontos de tarifas. A proposta também estabelece a possibilidade de punição para casos de agressão entre taxistas e motoristas de transporte por aplicativo, notórios desde a chegada das plataformas em 2016.
As mudanças são uma tentativa de fortalecer uma classe que reinava soberana e agora está fragilizada pela redução dos rendimentos, mas presa a uma legislação anterior à chegada dos aplicativos na cidade. A regra considerada mais inviável é a que obriga uma quantidade mínima de trabalho diário para os detentores das permissões e concessões de táxi.
A legislação atual exige que o veículo esteja disponível 12 horas, consecutivas ou não, por dia durante a semana e outras oito horas aos domingos e feriados nos pontos de embarque. O não cumprimento da jornada pode resultar na cassação da permissão e até mesmo no descadastramento da função de taxista. Visto como uma forma de controle para impedir o aluguel e a até mesmo a venda das permissões, esse item nunca funcionou por falta de fiscalização.
Com a advento dos aplicativos e a visível ociosidade dos taxistas, o Executivo não vê mais razão para manter a frota em operação 24 horas e obrigar o condutor a permanecer horas a fio no serviço.
— Abrimos mão do item, mas por conta da vinda do transporte por aplicativo. Como não é exigido que tivesse horas trabalhada para o aplicativo, e não faria o menor sentido, deixamos de exigir isso do táxi — diz o secretário de Trânsito, Transportes e Mobilidade, Cristiano de Abreu Soares.
Se a proposta passar pela Câmara, a prefeitura exigirá do permissionário apenas o desempenho da função independentemente da quantidade de horas.
— Tem que ser taxista, a quantidade de horas pouco importa — ressalta Cristiano.
A flexibilidade pode até ajudar, mas possivelmente não resolverá a debandada de passageiros. Estimativa do Sindicato dos Taxistas é de que metade dos 311 táxis em operação fiquem na garagem à noite durante a semana por falta de clientes, número que é um pouco maior nas sextas e sábados. Há inclusive um rodízio informal aos domingos e feriados.
— Tu é obrigado a trabalhar até no domingo, hoje não tem como, não tem serviço. A classe está se dividindo, parte trabalha num domingo e parte no outro — revela o presidente do Sinditáxi, Adail Bernardo da Silva.
"Saio de casa para trabalhar e fico parado"
Quase invisível para muitos passageiros, mas na mira certeira da fiscalização como boa parte dos colegas, o taxista Gilberto Bogno, 67, sentiu mais uma vez a sensação que lhe acompanha há meses na porta do Aeroporto Regional Hugo Cantergiani, em Caxias do Sul. Como alguém à espera de atenção, na última segunda-feira (3) viu quatro ou cinco passageiros do voo das 15h30min embarcarem nos táxis enfileirados a frente. Um número quatro vezes maior optou para ir para casa por meio de de transportes por aplicativo. Bogno e seu táxi, com todos os equipamentos e documentos em dia, ficou no quase.
A melancólica cena de motoristas sem clientes naquele que já foi um dos pontos mais nobres e concorridos para os taxistas marca um momento complicado para a profissão. A classe não faz gritaria apenas para a queda de passageiros. Para Bogno, não há razão para tantas cobranças por parte da fiscalização enquanto que a concorrência trabalha de forma totalmente diferente.
— De manhã até agora fiz duas corridas que renderam R$ 31. Olha só: tenho que manter o carro em dia, com pneu novo, limpo, pagar seguro. Caso contrário, corro o risco de ser multado — lamenta o experiente motorista ao apontar as exigências para que ele possa trabalhar com táxi em Caxias.
O colega de ponto é mais cético.
— Para nós, acabou — sentencia Cleomar Polita, 70 anos, 36 deles dedicados ao ofício de motorista.
Bogno diz que não abre mão do táxi, pois depende da renda, complementada pela aposentadoria de um salário mínimo.
— Tenho vergonha de dizer que saio de casa para trabalhar e fico parado. Não é justo ter tanta obrigação e não ter nada. O transporte por aplicativo é mais barato porque não tem compromisso com nada. Não quero regalia, só que acabaram com a gente — desabafa Bogno.
Ideia é baratear operações
Há alguns anos, os táxis foram alvos de denúncias por venda ou aluguel de permissões e não exercício da função, situações que geram investigações do Ministério Público. Os inquéritos foram abertos num período em que o serviço era considerado uma concessão e dependia de licitação. Decisão do Supremo Tribunal Federal é de que o segmento não possui caráter de serviço público e, portanto, cabe ao município apenas estabelecer requisitos para a exploração da atividade. Essa brecha abriu caminho para mudanças na lei municipal.
A nova formatação foi costurada entre o Sinditáxi, a prefeitura e os vereadores. O projeto de lei 64/2019 foi protocolado no final de maio.
_ Encaminhamos para a PGM (Procuradoria-geral do município) fazer análise disso, pois é o município que determina quais são os critérios. É para tentar facilitar o serviço, baratear, não criar algo que seja de difícil controle e que onere ainda mais o taxista que está passando por dificuldades _ ressalta o secretário Cristiano.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJL) da Câmara de Vereadores levou o projeto para análise da Comissão de Desenvolvimento Urbano, Transporte e Habitação (CDUTH) no dia 26 de junho, que deu parecer favorável no dia 1º de julho. Em seguida, a proposta passou novamente pelo crivo dos taxistas e atualmente tramita CCJL. A intenção é encaminhar o projeto para votação em breve.
PRINCIPAIS MUDANÇAS
Jornada mínima
Não há mais motivos para exigir que o táxi fique 12 horas à disposição todos os dias, como diz o texto atual da lei. Por outro lado, a prefeitura admite que não fiscaliza o cumprimento da jornada por falta de agentes. A implantação de um equipamento de controle das horas trabalhadas também seria impraticável, pois traria mais gastos aos permissionários. O artigo será revogado.
Agressões
Agressões físicas e verbais envolvendo taxistas, passageiros e motoristas de transportes por aplicativo são um problema recente. A proposta prevê a suspensão ou cassação do prefixo e o descadastramento do condutor ou do motorista auxiliar de táxi acusado de ter cometido a infração. Antes, porém, será aberto processo administrativo que permita a ampla defesa e a autuação correspondente.
Fim da escolaridade mínima
Pelo texto vigente, o município diz que o taxista precisa, na renovação do cadastro, comprovar o Ensino Fundamental completo. Contudo, muitos taxistas não têm essa formação e ficariam de fora na renovação do cadastro. A exigência vai cair.
Transporte de animais
Ficará facultado ao taxista a decisão de transportar animais de pequeno e médio porte. Animais de grande porte serão vedados.
Identificação
As faixas na cor azul serão exigidas novamente para diferenciar veículos da categoria comum. Serão implantadas as faixas na cor verde em veículos adaptados para pessoas com deficiência.
Potência dos carros
Não será mais obrigatório ter um carro com motor 1.4 para atuar na categoria executiva, uma vez que há carros com configurações 1.3 com potência igual ou superior. A exigência será apenas para que os veículos tenham, no mínimo, 88 CV.
Conforto
Será permitido aos taxistas oferecer itens extras para dar mais conforto aos passageiros, algo nunca previsto em lei. O uso de guarda-chuva para buscar o cliente na porta de casa é citado como exemplo. Para se diferenciar dos táxis comuns, os taxistas também poderão evidenciar os confortos estabelecendo subcategorias como serviço premium.
Aplicativo
Embora as corridas de táxi já sejam contratadas por meio de plataformas, isso não estava previsto na lei. Com a nova redação, a alternativa será regularizada.
Descontos
O dispositivo que impedia o taxista de dar desconto será revogado. Com isso, a negociação entre motorista e passageiro ficará flexibilizada.