Cinco crianças de Caxias do Sul, Guaporé, Nova Prata e Vacaria vivem histórias de superação na luta para vencer o câncer infantil. São histórias que trazem um alerta em comum: a demora para a doença ser diagnosticada.
Dificuldade para caminhar, dores nas pernas e manchas roxas no corpo. A suspeita era de desconforto provocado pelo crescimento até porque Henrique Herves Vieira, então com oito anos, era considerado alto. Teve consulta com o oftalmologista, já que a dor de cabeça que surgiu podia ser a visão. Os sintomas continuaram e a mãe do menino, Márcia Herves, 38, foi chamada na escola quando ele passou mal na aula de Educação Física. Não era só o crescimento e ele não precisava de óculos. O menino de Vacaria agora está em tratamento contra a leucemia.
Garganta inflamada, dor de ouvido, extração de um dente e caxumba eram as suspeitas dos médicos que atenderam Victória Camargo Neves, 10, em Caxias. Com um inchaço próximo à mandíbula, a menina foi levada ao posto de saúde do bairro e na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Zona Norte. Victória tomava antibióticos, mas o inchaço não passava. Um mês depois, a mãe, Sheron Fonseca Camargo, 33, levou a menina por conta própria até o Hospital Geral (HG) e se negou a ir embora até que tivesse o diagnóstico da doença: câncer de mandíbula.
Feridas no rosto, que pareciam uma espinha, foram diagnosticadas como infeção bacteriana. Machucados no canto interno da boca eram atribuídos a mordidas. Febre, vômito, bolhas de sangue na mão e troca de medicação até que Maria Júlia Alcantar da Cruz, então com dois anos e cinco meses, amanheceu toda roxa. Dezoito dias depois da primeira consulta e, após ser atendida por quatro médicos, veio o diagnóstico para a criança de Caxias: leucemia mieloide aguda.
Manchas roxas faziam parte da infância de Quelvin Hoffmann Minozzo, um menino sapeca e cheio de energia, que morava no interior de Nova Prata. Aos 10 anos, subia em árvores, jogava bola e caía como qualquer criança. O nariz sangrava com frequência, mas era algo normal para a família, não havia motivos para se preocupar. Veio o cansaço extremo e a falta de apetite, o sangramento aumentou. Como o sangue não estancava, a diretora da escola avisou a mãe Zelinda Hoffmann que ele estava pálido. Ao chegar ao pronto-atendimento da cidade, os enfermeiros perguntaram sobre as manchas roxas no corpo do menino. Depois do exame de sangue, veio o diagnóstico e o encaminhamento para a UTI do Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves e o início do tratamento no HG. Quelvin, hoje com 14 anos, foi tratado contra leucemia linfática aguda B (LLAB), mas teve recaída e precisará de transplante. A operação está marcada para outubro, mas o dia ainda está indefinido.
Febre alta por 15 dias, garganta inflamada, virose e nada de Wesley Vítor Massoco Araldi, então com sete anos, melhorar. O menino de Guaporé só foi diagnosticado com leucemia um mês depois de um exame de sangue, realizado há três anos.
Chances de cura são maiores
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), cerca de 12,5 mil crianças e adolescentes são diagnosticados com câncer anualmente no Brasil. O número representa uma média de 32 casos por dia, sendo que os tipos mais comuns são as leucemias, tumores do sistema nervoso central, linfomas e tumores sólidos como o neuroblastoma e os sarcomas.
O câncer infantil é, geralmente, mais agressivo que o câncer em adultos porque as células que sofrem a mutação no material genético não conseguem amadurecer como deveriam e permanecem com as características semelhantes da célula embrionária, multiplicando-se de forma rápida e desordenada. Por outro lado, as crianças e adolescentes reagem melhor ao tratamento, com 80% de chances de cura, de acordo com o Inca.
A oncologista pediátrica Kárita Cristina Naves Corbellini ressalta que muitos pacientes demoram para chegar no serviço de oncologia.
— No caso das crianças, o início do tratamento precisa ser rápido, não precisa haver diagnóstico definitivo para transferência, como um exame confirmando a presença de câncer. Uma biópsia via posto de saúde costuma ser muito demorada, por isso, havendo uma suspeita já acolhemos o paciente. Mesmo com esse fluxo favorável, muitas vezes as crianças demoram para chegar até o tratamento — diz.
A médica ressalta o diagnóstico precoce é fundamental para o aumento das chances de vencer a doença:
— A biologia dos tumores pediátricos é diferente dos tumores adultos. Em geral, são células que se multiplicam muito rápido, logo, na maioria dos casos, o tumor não estava ali há anos, como ocorre com adultos. Mas isso de crescer rápido não é exatamente um ponto negativo porque é exatamente ali, nessas células que estão se multiplicando, que as medicações agem. Então, as taxas de cura em crianças são melhores.
Consultas frequentes são essenciais
Kárita Corbellini acrescenta que os sintomas são inespecíficos na maioria das vezes, mas há sinais de alerta que podem antecipar o diagnóstico como ínguas no corpo, suor noturno, perda de peso, hematomas, palidez, dor nas articulações, dor de cabeça com vômitos, sono, dificuldade para caminhar, dor persistente em qualquer parte do corpo, fraqueza e tumores.
— Os sintomas podem aparecer por outras causas benignas, mas sempre devem ser avaliados por um médico, se possível pediatra e melhor seria se fosse aquele profissional que acompanhou o desenvolvimento da criança e conhece o contexto da família _ destaca.
Como os sintomas são parecidos com doenças comuns entre as crianças, a médica ressalta que as consultas frequentes aos pediatras são essenciais para identificar os primeiros sinais do câncer.
— São doenças raras, com sintomas inespecíficos na maioria das vezes. Não devemos culpar os pais pelo atraso do diagnóstico, pois muitas vezes é a insistência deles na procura de diferentes médicos que leva à identificação do câncer infantil — explica Kárita.
O diretor-executivo da Associação de Amparo à Criança e ao Adolescente com Câncer da Serra Gaúcha (Domus), Rocco Francesco Donadio, frisa a importância do diagnóstico precoce para reduzir o risco de morte:
— Identificar com antecedência o câncer é um aliado para aumentar as chances das crianças de enfrentar a doença. Nossa entidade trabalha fortemente para ampliar o acesso às informações e, assim, tentar elevar o percentual de cura do câncer pediátrico. Nosso trabalho é contínuo e as doações e verbas de ações são utilizadas para acolher, amparar e trabalhar a assistência psicossocial das famílias, mas também para trabalhar a prevenção com base nos sintomas. É difícil admitir uma criança com câncer. A nossa missão é tentar fazer com que a doença seja um peso mais leve para as crianças e as famílias.
Pressão política
Os deputados federais criaram no dia 13 deste mês uma frente parlamentar sobre prevenção e combate ao câncer infantil. A ideia do grupo é concentrar esforços para combater a doença e permitir o acesso ao diagnóstico e ao tratamento. Entre os principais pontos está a ampliação da cobertura de tratamento, elevação do número de crianças tratadas, ampliação da disponibilidade de exames e de cuidados, aumento da adesão à pesquisa clínica, melhora da capacitação dos profissionais de saúde e aumento da disponibilidade de estruturas adequadas para reduzir o abandono do tratamento.
Para Rocco Donadio, a criação da frente é um avanço já que há lacunas na política pública para a prevenção e o combate ao câncer infantojuvenil:
— Esta carência passa por um setor importantíssimo que é a formação médica para a área. Infelizmente, os cursos de Medicina não dedicam tempo suficiente para que os seus formando tenham conhecimento da área. Isso reflete diretamente na questão da identificação dos sinais e sintomas da doença e daí o decorrente diagnóstico precoce que salva vidas.
Donadio ressalta que é preciso olhar mais atentamente para o câncer infantil:
— Falta informações da sociedade, dos pais, da família e até dos professores porque são eles que convivem diretamente com as crianças. Existe um grande preconceito em tratar do câncer e uma crença que "comigo não vai acontecer", "meu filho não tem câncer", e essa negação retarda o tratamento, já que os pais demoram para procurar os médicos. Por isso, percorremos os municípios da região para abordar o assunto e mostrar os sinais que detectam a doença e que podem ajudar a iniciar o tratamento o quanto antes.
COMO AJUDAR A DOMUS
Você pode guardar tampinhas plásticas e doar para a Domus. Há diversos pontos de coleta que podem ser localizados nas redes sociais da entidade. A arrecadação é uma maneira de levantar recursos financeiros e manter a casa e os serviços que beneficiam crianças e adolescentes em tratamento contra o câncer em Caxias. Você também pode doar mensalmente uma quantia fixa com depósitos na conta da entidade. Para saber mais, contate pelo telefone (54) 3221-0849.
ELES PRECISAM DE AJUDA
As crianças e os adolescentes têm tratamento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas precisam de ajuda financeira para custear os gastos com deslocamentos, alimentação, medicações e outras necessidades que surgem com a doença. Confira como depositar valores ou apoiar com outro tipo de ajuda
Henrique Herves Vieira, 9 anos
Banco: Banrisul
Agência: 1175
Conta: 39.092849.0-2
CPF: 01262485088
Titular: Henrique Herves Vieira
Maria Júlia Alcantar da Cruz, 2 anos
Ela precisa de doação de plaquetas porque depende de transfusões quase diariamente. As doações de sangue devem ser realizadas no Hemocentro de Caxias do Sul (Rua Ernesto Alves, 2.260). Para que sejam direcionadas a Maria Júlia, basta informar o nome da menina.
Banco: Caixa Econômica Federal
Agência: 1589
Operação: 013/conta poupança
Conta: 00080697-6
CPF: 059.938.180-93
Titular: Maria Júlia Alcantar da Cruz
Victória Camargo Neves, 10 anos
Quem quiser ajudar, pode doar no link vakinha.com.br/vaquinha/ajude-a-victoria-vencer ou na conta.
Banco: Caixa Econômica Federal
Agência: 0465
Conta: 306043-9
Titular: Victória Camargo Neves
CPF: 040.678.960-69
Quelvin Hoffmann Minozzo, 14 anos
Banco: Banco do Brasil
Agência: 0409-X
Conta: 19.241-4
Titular: Zelinda Hoffmann
CPF: 006.596.100.51
Wesley Vítor Massoco Araldi, 10 anos
Banco: Caixa Econômica Federal
Operação: 013/conta poupança
Agência: 0846
Conta: 00070382-8
Titular: Daniel Araldi
CPF: 012.227.230-77