O amadurecimento moldado por momentos tristes e alegres estava na bagagem que Andressa Brum de Camargo, 18 anos, trouxe para a Casa de Acolhida Papa Francisco, no bairro São Caetano, na manhã desta segunda-feira (1º). Como primeira moradora do lar reformado com ajuda de voluntários e doações da comunidade, a estudante do 3º ano do Ensino Médio vive o recomeço de quem passou a infância e a adolescência entre abrigos e lares provisórios e precisa tocar a vida por conta própria.
Se antes muitos jovens não tinham para onde ir ao atingir a maioridade, agora encontrarão apoio na Papa Francisco, serviço gratuito criado para receber adolescentes que estão prestes a completar 18 anos e não foram adotados. Nessa idade, os internos são obrigados a deixar casas lares e abrigos públicos. Com o auxílio da equipe técnica e social da Papa Francisco, Andressa pretende conquistar a autonomia e torce pelos futuros moradores da casa.
— É um mundo totalmente ao contrário fora do abrigo. Na hora de sair, é chocante: o que fazer, para onde ir? — conta Andressa.
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A estudante já conhecia a Papa Francisco de visitas anteriores. Ontem, a sensação de estar no novo lar era diferente. O local é simples e agradável. Há uma mesa para refeições coletivas ao lado da cozinha. Os banheiros são grandes e uma sala de estar separa a área dos quartos. Dos quatro beliches do dormitório feminino, um já é de Andressa. Ela vive longe da família biológica desde os 10 anos. Tem três irmãos, mas raramente mantém contato com eles.
— Já sei me virar. Tive dois anos de incertezas, parei de estudar, daí percebi que dependia de mim mesma. Se quero algo, tenho que fazer, tenho que ir atrás — afirma a estudante.
Andressa residiu dois anos com uma parente, período em que aprendeu a cozinhar, habilidade necessária uma vez que os jovens da Papa Francisco serão responsáveis pelo preparo das refeições e pela organização da casa. A estudante não estará sozinha. A educadora-residente Vanderlene Marreira dos Santos ficará de olho nela e nos futuros moradores.
A estudante não dará espaço para a ociosidade, pois sabe que o limite para permanecer na Papa Francisco é até os 21 anos. Por isso, passa as tardes trabalhando como estagiária na agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em Caxias. À noite, frequenta a escola. Nas horas vagas, mergulha nos livros, pois planeja cursar Enfermagem e Administração. Também quer estar preparada para arrumar um emprego e realizar o maior desejo: alugar uma casa e trazer dois irmãos que vivem em abrigos.
— Sempre falo para meus irmãos que a gente tem que se organizar. Quanto mais rápido eu me estruturar, mais rápido eles vão morar comigo — sonha Andressa.
Voluntários darão orientações
A abertura definitiva da Papa Francisco marca uma virada no tratamento dispensado aos egressos de abrigos. Segundo Altair Vaiteroski de Lima, coordenador de projetos na Associação Mão Amiga, a próxima etapa é trabalhar com 14 adolescentes que atingem a maioridade neste ano e preparar outros que estarão na mesma condição futuramente _ Caxias do Sul tem mais de 200 jovens abrigados.
O projeto será desenvolvido em parceria com a Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE). Mais de 30 voluntários já aderiram ao projeto, segundo Fernando Gonçalves dos Reis, vice-presidente da entidade. Parte do grupo trabalhará com os futuros moradores da Papa Francisco e o restante ficará responsável pelos jovens ainda sem idade para sair das casas lares.
— O projeto Crescer é aberto a qualquer voluntário que queira auxiliar os egressos. A ideia é que esses jovens tenham a preparação para o mundo do trabalho, para a cidadania, como trabalhar para ter uma moradia. Vamos promover cursos, palestras exclusivas ou levá-los para eventos com parceiros — adianta Fernando.
Conforme Altair, para morar na Papa Francisco e ter acesso aos serviços de apoio, o jovem precisa ter 18 anos, estar estudando e cursando estágio ou ser menor aprendiz.
— A orientação é necessária, há quem ainda não percebeu o quanto é importante a questão do estudo para a autonomia.
A Papa Francisco tem 16 vagas para rapazes e quatro vagas para moças. A seleção dos moradores será realizada por meio de avaliação do Mão Amiga e dos serviços sociais do município.