Quem vê a menina de sete anos, de cabelos longos, alegre e usando batom, saindo da aula e seguindo tranquila em direção a van que a levará até a casa dela não imagina que, há um ano, em um fim de tarde como o de ontem, ela foi atingida no abdome por um tiro disparado contra o muro dos fundos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Luciano Corsetti, no bairro Kayser, onde alunos e pais estavam. Aquele dia de pânico e os outros nove que se seguiram enquanto ela permaneceu no hospital não figuram mais na lembrança cotidiana da criança, mas ainda não saíram da memória dos pais.
Do tiro que perfurou o rim, a menina se recuperou, sem sequelas. A bala que ficou alojada perto da coluna foi retirada em janeiro deste ano. Após a recuperação, a rotina estudantil voltou a se estabelecer. Ela não teve receio de frequentar a mesma escola. Agora, no segundo ano, desenvolve as atividades normalmente. Como antes, faz o itinerário de casa até o colégio por meio de um transporte escolar.
– Tem dias que é fácil e tem dias que é difícil. A minha van fica bem ali. Foi muito ruim – comenta a menina referindo que o veículo fica na mesma posição em que ela foi atingida.
Ao mostrar as cicatrizes que ficou das cirurgias, a garotinha disparou:
– Olha aqui como eu estou viva.
Pais estão mais atentos
Foi o olhar dos pais sobre a estudante que mudou. Se tornou bem mais atento. Sempre que possível, eles vão à escola. Observam a filha, se tranquilizam e voltam para casa. Segundo a mãe, o zelo é uma consequência do temor gerado pelo ataque.
– Este está sendo um mês bem difícil porque vem uma onda de lembranças. Parece que estamos revivendo todo aquele momento. Procuramos estar sempre por perto porque ela se sente mais segura. Bem no fundo, ainda temos aquele receio, mas entregamos na mão de Deus. O problema não foi na escola. Foi algo que aconteceu na rua. Infelizmente, eles estavam esperando a van... poderia ter acontecido em qualquer outro lugar – pondera a mãe.
Sobre a segurança na entrada e saída dos alunos, a mudança foi muito mais no comportamento dos pais que se tornaram mais presentes do que em ações preventivas por parte do poder público municipal. A segurança chegou a ser reforçada por um tempo com a presença de agentes da Guarda Municipal, mas a medida não perdurou.
Insegurança preocupa pais
Era por volta das 17h de ontem e dezenas de pais já aguardavam a saída dos filhos da escola, que ocorre a partir das 17h20min. Entre eles, estava Lidiane Cecato, 26, que esperava o portão dos fundos ser aberto para buscar o sobrinho de seis anos. Como outros pais, ela gostaria que houvesse mais segurança na saída dos pequenos.
– Às vezes passa uma viatura da Brigada Militar ali na outra rua. Mas nunca vejo guardas (municipais). Aqui é tranquilo, mas no lado de fora do portão não temos segurança nenhuma – disse a professora de Educação Infantil que deu aulas para a menina baleada.
Ontem, a reportagem também viu uma viatura em ronda nas redondezas. Mas nenhum guarda municipal.
– De vez em quando, eles passam por ali, mas não é corriqueiro. Acabou ficando no esquecimento (a guarda). Só os pais que vemos mais presentes. Estão mais preocupados em levar os filhos. Nesse sentido, vimos uma diferença enorme – relata a mãe da menina.
Contatada pela reportagem, a Guarda Municipal não retornou até o fechamento desta edição.
Lembre como ocorreu o ataque
:: Era por volta das 17h30min de 29 de março de 2018, quando uma dupla em uma moto subiu a Avenida Primavera, no bairro Kayser, e parou ao chegar na esquina com a Travessa Santa Maria.
:: Um dos tripulantes desceu e atirou contra um homem que estava na calçada lateral da Escola Municipal de Ensino Fundamental Luciano Corsetti.
:: Ele foi atingido no ombro e no braço esquerdos e caiu na calçada.
:: Era horário de saída dos alunos pelo portão dos fundos da escola que fica na Travessa Santa Maria. Houve pânico e correria. Pais e crianças correram pela rua.
:: O atirador, então, seguiu atirando contra as pessoas, atingindo duas meninas de seis anos, alunas do 1º ano da escola. Uma delas levou um tiro de raspão na cabeça. Foi levada ao Postão, atendida e liberada no mesmo dia. A outra criança foi ferida mais gravemente. Teve o rim perfurado, passou por cirurgia no Hospital Geral e seguiu internada na UTI por ... dias. A bala ficou alojada perto da coluna e não pode ser retirada naquele momento. A remoção ocorreu em 8 de janeiro deste ano.
:: O homem baleado foi encaminhado ao Hospital Pompéia, onde se recuperou e recebeu alta. Ele tinha 33 anos e passagens policiais por tentativa de homicídio, roubo a transporte coletivo e posse de entorpecentes.
:: A Brigada Militar identificou o atirador logo após o ataque, mas ele não foi localizado na casa em que morava.
:: À BM, o baleado disse que o motivo do ataque seria uma desavença por causa de um desacordo comercial na venda de uma moto.
:: Na noite do crime, a Polícia Civil já começou a investigar o caso.
Alvo foi morto em outro ataque
O alvo do ataque na tarde em que as alunas do Luciano Corsetti foram baleadas era Josué da Silva de Castilhos, que à época tinha 33 anos. A investigação feita pela Polícia Civil apurou que o motivo do atentado foi a venda de uma motocicleta em meados de 2016. Na ocasião, Castilhos comprou o veículo por R$ 6 mil de Daniel Grade da Silva, 23 anos (acusado de ser o atirador), mas pagou apenas R$ 3 mil. O negócio teria sido desfeito e as brigas entre os dois envolvidos se tornaram comuns.
No final da tarde de 29 de março do ano passado, Silva decidiu matar o rival e pediu para o primo, João Vitor Soares da Silva, 18, levá-lo de motocicleta até o ponto de emboscada. Ao perceber que seu desafeto estava armado, Castilhos virou de costas e foi atingido. Na confusão, as duas estudantes que aguardavam para ir embora perto de uma van escolar foram atingidas por balas perdidas. As três vítimas foram socorridas e sobreviveram.
O atirador, foi preso pela Brigada Militar (BM) no dia 2 de abril de 2018. No dia seguinte, João Vitor foi capturado por agentes da Delegacia de Homicídios. Silva foi indiciado em 9 de abril do ano passado, depois, denunciado pelo Ministério Público (MP) de Caxias do Sul, no final do mesmo mês, por tripla tentativa de homicídio. O primo do acusado, João Vitor, foi denunciado pelos mesmos crimes. A Promotoria qualificou os crimes como provocados por motivo torpe, meio que gerou perigo comum e mediante recurso que dificultou a defesa das vítimas.
Atualmente, Silva permanece preso na Penitenciária Estadual do Apanhador. Já, João Vitor está em liberdade desde 17 de junho de 2018.
No dia 13 de julho do ano passado, Castilhos foi alvo de novo ataque. Desta vez, foi atingido por dois tiros no tórax em uma lancheria no bairro São Leopoldo. Ele chegou a ser socorrido, hospitalizado, mas não resistiu aos ferimentos e morreu quatro dias depois. O autor do crime teria entrado no estabelecimento e disparado pelo menos cinco vezes e fugido. O caso é investigado pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Caxias. Até o momento, não foi identificado autor.