O futuro financeiro de Caxias do Sul pelas próximas décadas pode começar a ser definido hoje. Seis ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm a missão de decidir se o município terá ou não de pagar uma indenização milionária a uma família caxiense em função de um litígio que se arrasta há 50 anos. Conhecido na cidade como Caso Magnabosco, o processo envolve a doação de uma área de 57 mil metros quadrados – equivalente a seis campos de futebol – pela família Magnabosco, à então Associação Universidade de Caxias do Sul, em 1966, para construção da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
A contrapartida era de que o Executivo fizesse obras de infraestrutura no loteamento no entorno, também dos Magnabosco. Contudo, o terreno acabou não sendo utilizado para a finalidade para qual foi destinado e, sim, ocupado por centenas de moradores, 10 anos depois, dando início ao bairro Primeiro de Maio, na área central da cidade.
A invasão
Sem cumprir com o acordo firmado nos anos 1960, a prefeitura foi acionada judicialmente pelos Magnabosco, em um processo que se arrastou até dezembro de 1981, quando a Justiça decidiu que as terras deveriam ser devolvidas à família, o que ocorreu oficialmente no final do ano seguinte. A situação estaria resolvida não fosse a invasão do local entre 1977 e 1978. Ao tomar conhecimento de que sua propriedade estava tomada ilegalmente, a família Magnabosco novamente recorreu à Justiça, em setembro de 1983, reivindicando o imóvel contra os moradores. Enquanto o processo seguia, a prefeitura interferiu na invasão com obras de infraestrutura. Por conta disso, o município foi acionado pelos defensores dos Magnabosco "na qualidade de litisconsorte passivo", ou seja, como participante da invasão.
Situação de penúria
Atualmente, o montante da ação gira em torno de R$ 600 milhões, entre valores iniciais e juros somados ao longo dos anos. É para evitar o pagamento desse valor que a prefeitura, condenada em processo transitado e julgado, recorreu ao STJ em uma ação rescisória. Segundo a procuradora-geral do município, Cássia Andréa Kuhn, caso perca a ação, o pagamento colocará a prefeitura em uma situação de penúria financeira que inviabilizará investimentos por décadas, além de comprometer a folha de pagamento dos servidores e outros serviços básicos.
– Era uma ação de direito privado, na qual o município foi incluído como réu. Essa ação rescisória tem o objetivo de retirar o município dessa condição. Visa desconstituir a sentença que foi favorável aos autores da ação que gerou a condenação e que já transitou em julgado. Desde então, temos ingressado com vários tipos de recurso. Se o julgamento for favorável ao município, em tese, não haveria obrigação de pagar essa dívida – explica a procuradora.
O julgamento
Se a decisão for favorável à família, o município terá de pagar a dívida. Poderá ter o valor total bloqueado ou parcelado, na melhor das hipóteses, em cinco anos. Nesse caso, a Procuradoria deve apostar em um Recurso Especial (Resp) que solicita a impugnação dos precatórios da dívida. O julgamento desse recurso está suspenso aguardando o julgamento da ação rescisória. O STJ ainda pode reformar a decisão, ou seja, encontrar um meio termo.
O julgamento ocorre hoje na sede do STJ, a partir das 9h. O relator é o ministro Benedito Gonçalves e a revisora a ministra Assusete Magalhães. Outros quatro ministros participam do julgamento. A previsão de início da sessão é para 9h. Até o fechamento desta edição, não havia pedido de retirada do caso da pauta ou de adiamento. Um escritório de Brasília contratado pela prefeitura vai fazer a sustentação oral em defesa do município. Três procuradores do município estão na Capital Federal desde a última segunda-feira. Eles entregaram os memoriais, ata da audiência pública e reportagens sobre o caso.
– Pretendemos sensibilizar os ministros de que estaríamos inviabilizando a administração de Caxias do Sul por décadas em prol do enriquecimento de uma única família – declarou a procuradora.
Procurada pelo Pioneiro, a defesa dos Magnabosco não se manifestou.
Defesa x acusação
A sessão de hoje no STJ terá como relator o ministro Benedito Gonçalves e como revisora a ministra Assusete Magalhães. Gonçalves é ministro desde 2008 e, antes disso, já passou pelo Rio Grande do Sul, na Justiça Federal de Santa Maria. Assusete integra o STJ desde 2012 por indicação da então presidente Dilma Rousseff e é membro da 2ª Turma e da 1ª Seção do STJ. Além disso, os ministros Napoleão Maia Filho, Francisco Falcão, Oggi Fernandes e Regina da Costa participarão do julgamento. A previsão é de início às 9h. Até o fechamento desta edição, não havia pedido para retirada do caso da pauta ou para adiamento.
A sessão também colocará frente a frente dois advogados renomados do Brasil que farão a sustentação a favor dos seus clientes. Confira quem são:
Representante dos Magnabosco:
Eduardo Antônio Lucho Ferrão foi promotor de Justiça no Rio Grande do Sul. Cedido pelo MP gaúcho, participou do grupo de juristas que auxiliou os parlamentares na elaboração da Constituição de 1988. Logo após a promulgação, Ferrão exonerou-se do cargo público e permaneceu em Brasília como advogado, onde abriu um escritório de renome nacional. O advogado participou de diversos casos, entre eles, da Ação Penal 470, mais conhecida como o Caso Mensalão, onde defendeu um dos réus. O advogado caxiense Rodrigo Balen também acompanhará a sessão em Brasília.
Representante do município de Caxias do Sul:
Ilmar Galvão é ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi ministro do Tribunal Federal de Recursos no governo do então presidente José Sarney, passou pelo STJ e foi nomeado para o STF no governo de Fernando Collor de Mello. É referência em temas tributários e desde 2003 atua na advocacia privada, atuando em casos de repercussão como a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol e direito dos consumidores de reaver dos bancos as perdas relacionadas aos planos econômicos.